Capítulo V

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— Acalma teu coração — disse firmemente, segurando o Mensageiro pelos ombros e chacoalhando-o de leve. — Perdoa-me por ter usado as minhas palavras para feri-lo. As pessoas que vivem em teu tempo usam mal o dom do livre arbítrio. O Pai deu a elas o direito de escolher e evoluir a partir dele, mas optam pelos caminhos maliciosos da vida. Esquecem que estes não permitem que o espírito evolua em direção ao Pai. Tens razão, irmão. Em teu momento, assim como no meu, as pessoas devem ter a alternativa da verdade, a alternativa do Pai. Mais uma vez, perdoa as minhas palavras. Agora, vamos discutir melhor a tua missão.

Seguindo o conselho do Mestre, o homem sacudiu a poeira do hábito, e usando as mangas do mesmo, enxugou o rosto umedecido pelas lágrimas. Estava ciente da missão a ser discutida, mas algo dentro dele  o impedia de aceitar a realidade imposta ao Mestre. Seu coração queria que ele fizesse algo diferente, porque aquele Senhor não merecia o sofrimento que estava prestes a acontecer, além do mais, as perguntas do Mestre insistiam em ficar sem respostas em sua cabeça.

— Mestre, dane-se a missão! — disse baixinho, olhando para os lados, como para se certificar de que ninguém estaria ouvindo. — Fuja, saia daqui. Pelo Pai de quem você tanto fala, saia desse lugar o quanto antes e esqueça tudo o que viu em mim.

— Meu irmão, vejo que tu quase te encontraste... — comentou com um sorriso bondoso. Parecia que o Mestre queria dizer que, finalmente, o Mensageiro estava seguindo a vontade do próprio coração, ao invés de seguir as ordens de outrem. — Digas, como poderei esquecer tudo o que vi em ti?

— Olha Mestre, você é gente boa e não sei se tenho o direito de pedir isso. Se a questão é livre arbítrio, então, opte por sair daqui! Ai, Mestre, eu não entendo nada.

— Está muito claro, tu não vês?

— Sinceramente... — disse devagar, respirando fundo. — Não.

— Ora, Irmão — falou o Mestre entre risos repletos de certa melancolia. — Se a tua missão não fosse necessária, o Pai não teria permitido que tu chegasses até aqui, tão distante. Eu também tenho livre arbítrio e desejo realizar a vontade de nosso Pai.

— Algo não está batendo, Mestre! Há pouco você fez questionamentos sobre a minha missão que eu não soube responder, e mesmo assim você vai continuar com ela?

Pela primeira vez no dia, o Mensageiro tinha conseguido deixar o Mestre sem palavras, o que o fez baixar um pouco o tom de voz:

— Então, Mestre, me responda, já que não fui capaz. Eu vim aqui pela Igreja, por seu povo ou pela minha dúvida sobre você? Chega de enrolação, porque estou ficando confuso. Se o termo “se encontrar” significa isso, então estou todo perdido.

Com a movimentação lenta de praxe, o Mestre novamente se pôs a observar o horizonte, como se ele fosse capaz de responder suas perguntas. Sua expressão estava tensa, tal qual seu corpo. O Mensageiro estava surpreso pelo fato de o Mestre ainda estar ali, refletindo sobre a missão, pois ele estivesse em seu lugar, já teria saído correndo há muito tempo.

— Farei pelo meu povo e pelo desejo de nosso Pai — respondeu, aparentemente absorto em pensamentos. — Para que estes, que vivem nestas terras e de “lá de quando vens”, tenham como escolher um outro caminho, e eu sou um dos caminhos que levam ao Pai. Ele respeita isso em nós, pois o aprendizado não é imposto, mas livre. Aprende quem quer aprender, e Eu quero ensinar.

O Mensageiro nada mais fez que arquear as sobrancelhas e erguer as mãos, como se perguntasse o porquê da decisão.

— Ao fazer o sacrifício pelo meu povo, estarei respondendo a todas as tuas dúvidas — respondeu o Mestre, não sabendo que o Mensageiro ainda tinha muitas dúvidas em mente. — Agora, sou eu quem precisa se sentar um pouco.

As Últimas LembrançasWhere stories live. Discover now