As Últimas Lembranças

Capítulo XVI

Judas não demorou a pegá-lo e amarrá-lo fortemente, guardando-o em uma espécie de bolso em suas vestes.

— Não irás contar, Judas? Confias tanto assim de que o valor está correto? — O apóstolo, porém, preferiu se manter calado, o que fez com que o representante romano se manifestasse mais uma vez, desta vez se dirigindo ao ancião. —  Depois de preso, o arruaceiro deverá ser julgado. Devemos criar uma situação de pressão popular para facilitar a decisão de nosso governador.

— Não te preocupes, contratarei umas vinte pessoas para espalhar zombarias a respeito deste homem. Todos odiarão a Jesus. Se houver um julgamento, o resultado já será previsto. — disse o ancião, fazendo com que Judas sentisse novamente uma dor em sua alma ao ouvir tais palavras. 

— Centurião! — chamou o representante romano, se dirigindo a Voz de Trovão ou Espinha Gigante, que àquela altura já deviam estar entediados pela falta do que fazer. — Convoca outros dez homens para acompanhá-los  até o local onde se encontra o arruaceiro. Se nada encontrares, deves trazer a cabeça destes dois homens. Lembra, somente a cabeça!

Em resposta, os dois soldados bateram no próprio peito com um dos punhos fechados, logo se retirando do recinto com Judas e Ângelo, que os acompanharam até o local de concentração e descanso dos guardas. Demoraram alguns minutos para chegar ali, e foram obrigados a aguardar mais tempo ainda para que os doze soldados se preparassem para a captura do arruaceiro. Alguns deles terminavam de vestir a parte de cima de suas armaduras, enquanto outros pegavam as espadas e lanças e, como forma de motivação, gritavam palavras de ordem. Judas se sentia contrariado, tenso, com um visível mal-estar expresso em seu rosto, já que o momento estava chegando. Ângelo não se sentia muito diferente de seu amigo, pois sua vontade maior era de enfiar o travesseiro na cabeça e nunca mais acordar, nunca mais ter de enfrentar aquele tipo de situação. Começaram a caminhada em direção ao Monte das Oliveiras de forma ligeira, rápida demais para o gosto do Mensageiro. Pareciam ansiosos para a caça, como se estivessem preparados, de fato, para uma batalha ardente. Mal sabiam eles que o chamado arruaceiro sequer iria resistir à prisão, fato que frustraria seu ímpeto por violência.

“Mais uma vez, essa subida”, pensou Ângelo, balançando a cabeça. Ao observar Judas com o canto dos olhos, percebeu que ele praticamente nem piscava. Mantinha o olhar fixo no chão, com a face empedrada de emoção nenhuma. Imaginou que o motivo daquele estado era o excesso de emoções, que talvez o tivesse deixado paralisado e mudo. A simples noção de traição a um ente querido devia ser um fardo e tanto para se carregar, imaginou o Mensageiro, que inclusive se sentia muito culpado por tudo pelo que o apóstolo estava passando. Ângelo se sentia um intruso, uma espécie de provocador, que mesmo não tendo sido convidado, invadira um ambiente de paz para instaurar o caos e o terror. Não havia consolo para aquele tipo de pensamento, pois a angústia e a mágoa, por parte dos dois homens, não davam  qualquer sinal de trégua.

O sol de fim de tarde já se punha no horizonte equanto todos subiam apressados, no ritmo da marcha dos soldados. Ângelo não tinha ideia de como estava aguentando subir aquilo tão rápido, mas preferiu abandonar tal pensamento, antes que ficasse com mais preguiça ainda. 

A lua já se preparava para brilhar fortemente no céu, fazendo com que as terras já começassem a sentir a promessa do repetido calor que as fritaria durante todos os dias, desde as primeiras horas do amanhecer. Foi pouco depois daquele momento de contemplação que todos chegaram ao local onde o Mestre se encontrava. Estava meditando de forma calma, mas ninguém conseguia imaginar o que se passava exatamente em seu interior. Os guardas se aproximaram com rapidez, após Judas apontar para o homem à sua frente, sem pronunciar qualquer palavra. Logo trataram de prendê-lo a ferros, sem esforço algum, e tão rápido quanto conseguiram, já estavam dando um jeito de levá-lo embora.