Capítulo XVIII

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— E aí, meu velho? Sentiu minha falta? — disse Ângelo para o cão, que dava voltas de alegria ao redor do pequeno cômodo, soltando seus chorinhos de felicidade. — Está com fome?

O pequeno basset se aproximou de seu dono e, fazendo um pequeno esforço, se ergueu nas patas traseiras para se espreguiçar nas pernas de Ângelo, esticando-se por inteiro. Ele era tão pequeno, comparado com os outros de sua espécie, que conseguia apenas alcançar os joelhos do Mensageiro quando ficava naquela posição.

— Vamos lá que eu vou preparar seu almoço. — disse Ângelo, fazendo com que o cachorro entendesse o recado, largasse seus joelhos e o permitisse se dirigir até o pote de ração. Antes disso, porém, percebeu que o jornal estava limpo, como de costume, mas havia uma imensa poça de urina em uma das pernas de sua cama. Esta era uma das manias orgulhosas de seu velho amigo: sempre fazia suas necessidades onde bem entendesse. De preferência, longe do jornal, ao contrário de como havia tentado ser ensinado durante a vida inteira. — Primeiro, vou limpar essa sujeira... Poxa, carinha de rato, por que você nunca acerta o jornal?

De tanto o cachorro errar a mira do jornal, ou simplesmente fingir que ele era algo inexistente dentro de casa, Ângelo já nem se importava mais em limpar, tampouco brigava, como fazia antigamente. Se seu amigo não havia aprendido naqueles onze anos de amizade, não aprenderia nunca.

Após limpar a sujeira com um pano seco e passar um produto para retirar o cheiro, observou ao redor para ver se percebia alguma mudança, mas nada havia acontecido. Então, antes que se esquecesse, caminhou até o pote de ração e separou uma porção adequada ao cachorro, servindo-o logo em seguida. Como de costume, o cão se aproximou devagar da comida, cheirou-a com desdém e, grão por grão, a comeu. De vez em quando fazia uma careta de que não estava gostando, mas ele não tinha do que reclamar, pois era uma ração de qualidade, específica para cães idosos e pequenos.

— Sabe, meu velho, daqui a pouco quem vai almoçar sou eu. Quero ver se trago uma fruta de lá pra você. — disse Ângelo, se sentando na pequena mesa para escrever seu relatório para Giovanni, enquanto observava com o canto dos olhos o seu amigo se alimentar devagar. No momento da escrita, muitas coisas ainda se mantinham vivas em sua cabeça, e concentrar-se no relatório se transformou numa tarefa bastante árdua.

“Estamos fazendo algo errado, não é possível”, pensou Ângelo, enquanto escrevia rapidamente o que se passou em Jerusalém. “Deve haver algo de muito estranho por trás disso tudo”.

Quando terminou o relatório, o cão já estava quase adormecendo em sua caminha, próximo à cama de Ângelo, tanto que apenas ergueu o olhar para encarar seu dono quando este lhe disse que já estava de saída. Ao sair de casa, levando o relatório consigo, presenciou a formação da guarda suíça, que se preparava para a troca dos sentinelas. Era uma coisa que tinha visto poucas vezes na vida, mesmo morando ao lado de seus aposentos, e apesar de achar suas roupas um pouco esquisitas, gostava do modo como era feita a formação. Achava-a bonita.

No caminho para o escritório de Giovanni, não conseguiu reparar em mais nenhum tipo de mudança ocasionado pela sua viagem, mas não tinha certeza de estar observando direito ou se, simplesmente, estava demasiado distraído para reparar ao seu redor, por mais que tentasse. Após andar pelo jardim e atravessar o largo museu, chegou ao escritório sem ter marcado hora, já que o caso exigia urgência. Embora achasse que o projeto deveria ser interrompido, sabia que precisava cumprir a promessa feita ao Mestre, e não ficaria tranquilo enquanto tivesse certeza de que Judas não faria nenhuma besteira, como narrava a história.

“Consegui um novo amigo, no fim das contas”, pensou consigo mesmo, permitindo que um sorriso carinhoso surgisse em seus lábios ao se recordar de que havia encontrado a amizade lá no passado, tanto em Judas quanto no Mestre. Era uma amizade simples, com direito a piadas e risadas, mas que não tinha maldade e não exigia nada em troca.

As Últimas LembrançasWhere stories live. Discover now