Capítulo VII

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Ângelo fechou os olhos e respirou fundo, reunindo forças para dizer o que precisava ser dito, e então, erguendo as duas mãos ao alto, usando apenas dois dedos de cada mão, imitou um abre-e-fecha aspas.

— O negócio é o seguinte, dois pontos, abre aspas, o discípulo escolhido deverá encontrar uma maneira de trazer os guardas romanos até aqui, fecha aspas. — Abaixou os braços junto ao corpo, e com a mesma expressão transtornada voltou a falar. — Entendeu? Os guardas romanos já estão lhe procurando em Jerusalém, Mestre, e se o encontrarem, você será preso.

— O fruto que transbordou o cesto foi o que fiz no templo, não foi? — perguntou em voz baixa, obtendo como resposta o assentimento de Ângelo, tal como imaginava. — Então, creio que preciso do apoio dos outros discípulos, preciso contar a eles que a culpa é toda minha...

— Nada disso! — exclamou Ângelo, interrompendo imediatamente o raciocínio do Mestre. — Ninguém, jamais, poderá ficar sabendo.

Não entendendo o porquê de tal reação, Cristo perguntou o motivo daquelas palavras.

— Porque se os outros discípulos souberem, vão tentar impedir que o escolhido faça o que deve ser feito.

— Mas, Ângelo, não percebes que este irmão irá penar de duas maneiras? — Desta vez, o Mestre chegou a se levantar para enfatizar sua indignação. Ângelo, ainda sentado, preferiu apenas ouvir seu desabafo antes de comentar alguma coisa. — Não percebes que ele será rejeitado pela ação planejada? Não percebes que ele terá em sua consciência o peso de ter contribuído para a minha passagem?

— Mestre, ele não será o único a contribuir com sua passagem — respondeu o Mensageiro, mais calmo do que imaginava que estava. — Afinal, será que nós mesmos não estamos contribuindo com tudo?

Apesar da indignação, o Mestre se viu obrigado a concordar, mas isso fez com que o peso em seus ombros apenas aumentasse. 

— Eu estou aqui, Mestre, e tenho consciência de que tudo será difícil — disse o Mensageiro, abaixando a cabeça para mirar o chão. — Eu poderia realizar a missão do escolhido, como já me propus, porque “de quando venho” é apenas você quem faz a diferença, não eu. Lá, as pessoas me isolam, então já estou acostumado.

Ângelo pegou uma pequena pedra no chão e começou a desenhar rabiscos aleatórios, se perdendo em pensamentos de como é sua vida no lugar “de quando vem”. Pensar demais o deixava um pouco entristecido, pois nunca fora um tipo de pessoa considerada querida por todos. Apesar de suas atitudes, visando apenas o bem, os outros o enxergavam como uma piada, um esquisito fadado a permanecer sozinho com suas próprias manias.

— Viver isolado e caçoado por alguns nunca me impediu de ajudar aqueles que precisavam — disse o Mensageiro, ainda de cabeça baixa, como numa espécie de desabafo. — Nem mesmo deixaram em mim qualquer mágoa que me impedisse de ajudá-los, por isso digo que eu poderia substituir esse escolhido. Só não sei se as autoridades romanas iriam acreditar em mim, afinal, estou percebendo que minhas vestes são um pouco diferentes, então devo parecer um forasteiro maluco. Mas sei de tudo o que está para acontecer, e, francamente, já estou farto de seguir sempre no anonimato. Eu queria ajudar de uma forma verdadeiramente ativa, não apenas ficar por entre as sombras, esperando que um pobre coitado aja sozinho e lide com o peso na consciência.

— Meu irmão, este não é o teu caminho — disse o Mestre de forma acalentadora, que fez com que Ângelo erguesse o olhar para encará-lo. — Além do mais, preciso que sigas para tuas terras e continues o trabalho que vens realizando em nome do nosso Pai. Se as Escrituras Sagradas não sabem a verdade, fiques em paz, porque eu e nosso Pai sabemos do que há em teu coração. Sabemos das feridas que o trabalho deixou em tuas mãos.

As Últimas LembrançasWhere stories live. Discover now