Capítulo VI

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— Pois então, meu irmão, o que é este papiro? — perguntou o Mestre, pouco depois, mais na intenção de incentivar Ângelo a voltar a respirar do que no intuito de obter uma resposta.

— Puta que pariu! — exclamou Ângelo, com seu pensamento extremamente filosófico e requintado. — Puta que pariu... O modo como foi feito esse papiro. Somente eu mesmo poderia tê-lo feito, porque entre as tramas existe uma fina linha de nylon. Misericórdia. Santo Cristo... Eu devo estar descontrolado. Ou muito próximo disso.

Ângelo, então, levantou-se da pedra onde estava sentado e começou uma rápida caminhada de um lado para o outro, observando o papiro que ainda permanecia fechado. Parecia que o Mestre estava falando a verdade sobre ambos já terem se encontrado, caso contrário o papiro jamais poderia ter chegado até ali. No entanto, o Mensageiro não entendia o porquê de não se lembrar de nada. A única possibilidade era a de que seus superiores estivessem lhe escondendo algo ou tramando alguma coisa, porque tudo era inexplicável.

— Irmão, tenta te acalmar — disse o Mestre com firmeza, também se levantando da pedra e segurando Ângelo pelos ombros, impedindo que ele zanzasse para os lados igual a uma barata tonta. — O que são estes símbolos no papiro?

Símbolos no papiro. Só faltava isso para deixar a situação muito mais tensa para o Mensageiro, porque ele não sabia o que esperar. Não tinha ideia do que poderia estar contido ali e, por este motivo, desenrolou o papiro o mais vagarosamente possível.

— Vejamos... Negrito, sublinhado e itálico? — O semblante de Ângelo era indescritível. Uma mistura de surpresa, curiosidade e um baita susto. — O que, diabos, é isso? Eu digitei em um papiro?

— O que significa tudo isso? Digas o que está escrito, irmão — pediu o Mestre, não querendo demonstrar que também estava bastante curioso. 

— Pois então, como eu começo a explicar? — refletiu por um momento, pensando em como deveria contar de onde veio aquele trecho. Se fosse explicar que as frases vieram da Bíblia, iria demorar muito tempo narrando o que era, exatamente, a própria Bíblia, pois certamente o Mestre teria muitas perguntas a fazer. Portanto, Ângelo optou por apenas ler o que estava escrito e, caso o Mestre perguntasse o que significava, inventaria alguma desculpa para não perder muito tempo. Era uma escolha um pouco cruel enrolar o Mestre, mas não podia desperdiçar seus minutos preciosos com aquele objeto que, para começo de conversa, nem deveria estar ali. — Enfim, vou apenas ler pra você...

“E Jesus, entrando no templo, começou a expulsar os que vendiam e compravam no templo; e derrubou as mesas dos cambiadores e as cadeiras dos que vendiam pombas.

E não consentia que alguém levasse algum vaso pelo templo.

E os ensinava, dizendo: Não está escrito: a minha casa será chamada, por todas as nações, casa de oração? Mas vós a tendes feito covil de ladrões.

E os escribas e príncipes dos sacerdotes, tendo ouvido isto, buscavam ocasião para o matar; pois eles o temiam...” (Marcos 11:15-18)

Após terminar a leitura do trecho, um silêncio mórbido pairou entre os dois, deixando no ar as palavras ditas pelo Mensageiro como se fossem uma espécie de profecia. O Mestre sequer se movia, apenas ficou parado ao lado de Ângelo, observando fixamente o papiro, como se estivesse esperando que suas fibras lhe dissessem o significado daquele texto. 

— Que bonito, né? — disse Ângelo, quebrando o silêncio, que já estava começando a incomodá-lo. — Por que eu não coloquei em rosinha, pra deixar mais fofo?

— Como assim, irmão? — perguntou o Mestre, tirando os olhos do papiro depois de um longo tempo. — Por que eu estou sendo citado neste texto?

As Últimas LembrançasWhere stories live. Discover now