Capítulo IV

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Depois de tentativas inúteis de manter algum nível de concentração, o Mensageiro resolveu respirar fundo e, pelo menos, tentar ficar em silêncio, só pra ver o que acontecia. Feito isso, sentiu o ar gélido do início da noite penetrar em suas narinas e, com o canto dos olhos, tentou observar o que o Mestre estava fazendo. Estes, por sua vez, só O viram em sua aparente paz e tranquilidade.

Durante alguns segundos, nada aconteceu. Então, num piscar de olhos, os dois corpos se paralisaram de forma repentina. Os únicos sons audíveis vinham do vento, dos insetos e da batida de seus próprios corações. Nada de movimentos abruptos ou frases angelicais no subconsciente, apenas uma paralisação espontânea e um frio vindo do corpo do Mestre. O Mensageiro até chegou a pensar que se tratava da brisa trazida pela noite. Mas era algo muito mais intenso, porque foi possível sentir os seus músculos enrijecidos, como se ele estivesse envolto em uma tensão avassaladora.

— O senhor está... — iniciou o Mensageiro, ansiando por perguntar se o Mestre estava bem, mas imediatamente foi interrompido pela sensação de congelamento.

Sua primeira reação foi tentar afastar o seu corpo, mas o Mestre não quis soltá-lo. Tentou mexer os braços, mas eles também estavam aparentemente imóveis, tais como os do Mestre, que permanecia gelado e rígido, igual a um cadáver. Uma onda de pânico se alastrou pelo corpo do Mensageiro, porque pensou que o havia matado, mesmo sem saber como o tinha feito.

“Meu Deus, o que eu fiz? O que eu vou fazer, se não consigo me mexer?!”, pensou o Mensageiro, nitidamente em desespero. Mas logo uma nova ideia lhe trouxe um certo consolo. “Espere aí. Se o próprio Cristo está na minha frente e não reage, quem mais irá me ajudar a sair dessa?!”

Em meio àquela situação embaraçosa e desesperadora, o Mensageiro lembrou de sua infância, nos momentos em que, à noite, sentia medo dos monstros ocultos pelas sombras de seu quarto. Lembrou-se do conselho de sua mãe, que lhe dizia para começar a rezar sempre que sentisse algum tipo de temor, porque Deus sempre iria ouvir e ajudá-lo. Como não havia mais nada a ser feito, mesmo agora, na idade adulta, resolveu seguir seu ensinamento.

— Pai nosso que estais no Céu, santificado seja o... — mal havia começado a orar e uma sensação extraordinária invadiu o seu corpo: de frio congelante, seu corpo passou a esquentar de forma frenética, como se tivesse saído da geladeira e, imediatamente, mergulhado em um forno. No início, a sensação quentinha foi reconfortante, mas depois passou ao ponto de se tornar insuportável. O Mensageiro não conseguia entender aquilo que estava sentindo e, conforme seu suor aumentava, mais difícil ficava aguentar aquele contato.

— Mestre, pelo amor de Deus! — exclamou o Mensageiro, quase chorando de desespero.

Graças ao bom Deus, o Mestre finalmente conseguiu ouvi-lo e, num gesto muito rápido, se desprendeu do abraço que os unia. O Mensageiro, assustado com a inversão térmica que acabara de presenciar, arfava enquanto se perguntava o que diabos tinha acontecido.

O Mestre, ao contrário do Mensageiro, tinha total consciência do que havia se passado ali, porque foi com lágrimas nos olhos e com o corpo repleto de suor que se sentou pesadamente ao chão, olhando para os Céus como se buscasse uma resposta às suas perguntas.

— Pai, meu Pai... — falou o Mestre com muita dificuldade. Não conseguia segurar as lágrimas que lhe encharcavam o rosto. Aquele era um momento único, que somente o Mensageiro teve a chance de presenciar, porque estava diante da face mais humana de um homem considerado como divino.

— Por quê? — falou novamente o Mestre, tentando se recompor. — Por que terei de passar por todo esse escárnio? Meu próprio povo planeja meu sofrimento? Não entendo! O que fiz foi apenas tentar abrir os seus olhos para que estes pudessem ver o verdadeiro caminho, o caminho que meu Pai me mostrou...

As Últimas LembrançasWhere stories live. Discover now