Capítulo XXII

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Passaram alguns minutos na caminhada silenciosa quando finalmente o grupo chegou à mansão que, na noite passada, havia servido de cenário para a negociação da entrega da localização do Mestre. Para Judas, o local podia ser considerado o palco onde sua sentença de traidor fora eternizada na historia, o que fez com que a ideia lhe tirasse o fôlego. Ângelo, percebendo a mudança sutil de comportamento de Judas, começou a ficar preocupado e angustiado.

“O que acontecerá agora? Qual a estratégia de Judas?”, pensou consigo mesmo, observando o brilho que os raios de sol proporcionavam àquela mansão esbranquiçada, dando-lhe um ar quase divino.

Já no hall de entrada, os soldados trataram de ir na frente, deixando Judas e Ângelo para trás, praticamente ocultos por uma muralha de músculos e armaduras. Um deles logo tratou de mandar o serviçal chamar o ancião, que rapidamente adentrou ao salão na companhia do representante romano. Por um minuto, Ângelo se perguntou se ambos eram namorados, porque pareciam ser inseparáveis, mas, logo que o ancião começou a falar, deixou de lado tal pensamento.

— Então, homem, trouxeste as posses que deves?

Parecia que o ancião e o representante de Roma ainda não tinham visto Judas e Ângelo, pois ambos estava parados atrás dos grandes guardas, só esperando a vez de entrarem em ação. Enquanto isso, o ancião e o representante estavam imponentes em seus lugares, se assemelhando a um tribunal que não precisava de defesa ou sequer acusação, pois o veredicto já havia sido declarado. O débito precisava ser quitado, de uma forma ou de outra.

— Não tenho de onde tirar o que queres — começou a se explicar o homem de família, visivelmente abalado pela situação intimidadora. — Moro de favor, meu senhor. Minha esposa está grávida, e ainda tenho duas filhas pequenas. Então, como viste, não tenho posses, somente obrigações.

— Tu podes entregar as duas meninas, se elas já apresentarem alguma beleza. O que achas? — perguntou o representante de Roma, que imediatamente fez o estômago de Ângelo embrulhar por causa de tal pergunta.

— Não, prefiro as posses — disse o ancião dono do templo, torcendo o nariz àquela hipótese, o que trouxe certo alívio a Ângelo.

— Se as meninas forem belas, eu entrego as posses que faltam a ti — sugeriu o representante de Roma, novamente fazendo o estômago de Ângelo se assemelhar a uma montanha russa. Por um momento, achou que fosse vomitar.

— Que assim seja — respondeu o ancião, dando de ombros. — Então, homem, como será o pagamento? Irás entregar as posses ou devemos buscar as meninas?

A imagem de suas filhas sendo arrastadas para fora de casa à força, aos prantos, com a mãe delas entrando em desespero em plena gravidez fez o homem começar a chorar, se ajolhando e implorando por clemência. Pediu desesperadamente que ambos o pegassem como pagamento, mas que deixassem as meninas em paz. Diante de tal pedido, o representante de Roma fez uma careta e negou veementemente.

— Não mesmo. Vão e peguem as filhas — ordenou, se dirigindo aos guardas, os quais aparentaram fazer uma certa expressão de desgosto por causa daquela decisão. Afinal, eles também deviam ter suas famílias e filhas, e certamente não iriam gostar que o mesmo acontecesse com elas.

— Senhor, trouxemos alguém que deseja pagar a dívida em nome do devedor — disse um dos guardas, desejando profundamente que Judas pudesse pagar a dívida, pois imaginava o quanto seria cruel fazer aquele devedor passar por tal situação.

Não acreditando no que o guarda havia dito, o ancião se levantou da cadeira adornada e requintada para ver de quem se tratava. Quando Judas saiu de trás dos guardas, ostentando uma expressão firme e séria em sua face, o ancião quase esbugalhou os olhos de tanta surpresa. O representante de Roma, por sua vez, conseguiu se afogar com a própria saliva e, de tanto tossir, quase jogou os próprios pulmões no chão.

As Últimas LembrançasWhere stories live. Discover now