Capítulo IX

12 0 0
                                    

A visão havia revelado ao apóstolo a podrirão que iria se alastrar pelo mundo nos tempos futuros. Mostrou as cenas horrendas que o Mestre havia captado através do Mensageiro, e não sabia se deveria ficar mais chocado com a imagem de um feto mutilado, cheio de sangue, jogado em meio ao lixo, ou com a imagem de um jovem esfaqueando os próprios pais. Ou, ainda, se deveria achar mais grotesca a cena de pequenas crianças sendo usadas como prostitutas por velhos repletos de banhas, ou a cena de filhotinhos de animais indefesos sendo atacados com pedaços de pau por jovens de sorrisos maldosos. As cenas eram infinitas, e sempre pioravam em relação às anteriores. Parecia que as imagens refletiam um universo paralelo no qual não havia qualquer limite, qualquer respeito pelo próximo; só naquele momento Judas foi compreender o que o Mestre tinha em mente. Mas seria este o último recurso? Apesar de compreender, Judas não acreditava que plantar sementes boas em terras ruins fosse capaz de mudar o que havia visto.

— Mestre, as terras que eu vi já estão perdidas. De que adianta tamanho sacrifício por elas? — disse Judas, quase implorando para que o Mestre desistisse do caminho planejado. — Não adianta plantar boas sementes próximo ao rio Nilo, pois a sua enchente destruiria todo o trabalho. Pensa melhor e não desperdices teu tempo com quem não tem mais salvação.

Ao ouvir isso, o Mensageiro até concordou com Judas. Seus argumentos eram consistentes, até porque ano após ano o rio Nilo destrói tudo que está em sua volta. 

Segurando firme os ombros de seu discípulo, o Mestre abaixou a cabeça em reflexão sobre o que escutara e, surpreendentemente, concordou com a analogia feita por Judas. Neste momento, o Mensageiro permaneceu na expectativa, imaginando se os planos seriam mudados.

— Tens razão, meu irmão. Mas é verdade, também, que depois de o rio voltar ao normal, este deixa as terras mais férteis para o plantio. Não percebes que em meio a tanta desgraça existe infinitas oportunidades deixadas pelo Pai? Acreditas mesmo que Ele fecharia todas as portas para seus filhos? Se isto fosse verdade, eu não estaria aqui entre vós. Acreditas que o Pai se preocupa menos com eles do que com o nosso povo? Meu irmão, são ovelhas perdidas que precisam ser resgatadas e guiadas ao verdadeiro caminho. Elas estão em evolução, assim como estas aqui nestas terras. Povo é povo. Os costumes são diferentes, mas ainda somos pessoas iguais. Nunca esqueças disso, irmão.

Judas mirou o infinito escuro do céu, tentando contrapor o argumento do Mestre como forma de dirimi-lo de seus planos, mas mal sabia ele que estas tentativas reforçavam ainda mais a sua escolha. Judas tentava encontrar saídas, meios de contornar uma dificuldade. Característica esta que seria definitiva para o que precisava ser feito.

— Percebeste que, naquele povo, teus ensinamentos foram deixados de lado?

Imediatamente, como se tivesse a resposta pronta, o Mestre disparou, transmitindo segurança sobre sua decisão de seguir em frente.

— Percebeste, meu irmão, que meus ensinamentos estão sendo deixados de lado pelo povo que nos rodeia? Lembras da ocasião da limpeza do templo? Se estivessem no caminho certo não seria necessário a minha intervenção. Será que a situação deles realmente é pior do que a nossa? Olha bem à tua volta e digas o que vês. 

— Também vejo pobreza, desilusão e desespero. Vejo irmão se aproveitando de irmão, tirando as poucas posses que estes têm. Vejo irmãos trabalhando uma vida inteira sem deixar de ser escravo daqueles que o contratam. Vejo nossas terras sendo usurpadas por invasores romanos, sugando nossas energias.

— Lembra-te de que eles já estão à minha procura, falando mentiras e calúnias a meu respeito. 

E como um último suspiro de vida, Judas se agarrou a seu derradeiro argumento:

As Últimas LembrançasWhere stories live. Discover now