Não me lembro de ter dormido, mas acordei com os primeiro raios de sol que escapavam pela cortina. Olhei para o relógio na cabeceira da cama, que marcava 06:15 e uma ponta de esperança aqueceu meu peito, até que ouvi batidas na porta.
- Mari? - ouvi a voz de Patricia e fechei os olhos, fingindo dormir. Ouvi seus passos se aproximando de mim, e senti o peso de seu corpo quando sentou na cama. - Filha, você precisa acordar, é seu primeiro dia de volta a escola.
Não teria jeito. Abri os olhos e me espreguicei, saindo da cama e indo para o banheiro me arrumar. Não pretendia bater o pé, nem fazer birra ou implorar, não queria dar mais motivos pra me tratarem diferente ou me mandarem mais ao médico. Escovei meus dentes, meu cabelo, o prendendo em um rabo de cavalo, e voltei para o quarto me perguntando onde encontraria meu uniforme, mas não precisei me esforçar, assim que abri a porta do banheiro pude ver meu uniforme em um cabide, pendurado na porta do meu quarta-roupa. O que só tornou tudo mais real e doloroso.
Coloquei o uniforme e fiquei sentada na minha cama, sem olhar pra nenhum lugar específico, apenas esperando. Eu não sabia o que fazer, eu não queria fazer nada, não queria ir para a escola receber o julgamento de todos, não estava pronta para aquilo, eu não tinha psicológico pra estudar nem nada do tipo, eu só queria minha vida de volta.
Mais uma vez senti a solidão do meu lado, eu ali, sozinha no meu quarto, sem saber o que fazer, com quem falar ou onde ir. Quando ouvi barulho de batidas na porta, me levantei, tentando parecer que tudo estava normal, mas tomei um susto quando a porta se abriu e vi a última pessoa que esperava ter ali.
- Você tá pronta? - ele colocou a cabeça dentro do quarto, com receio. - É que sua mãe tá chamando a gente, e nós já estamos atrasados.
- Eu não sei onde encontro minha mochila. - respondi apenas o olhando, um pouco em transe. Seus olhos castanhos me hipnotizavam, e o mistério que ele trazia aumentava minha curiosidade.
- Já está no carro. - ele disse abrindo um sorriso. - Fora isso, já está pronta?
- Acho que sim. - respondi indo atrás dele em direção ao carro, até que ouvimos um barulho vindo do meu criado-mudo. Meu celular, nem me lembrava mais dele direito, simplesmente coisas de mais para pensar.
- Acho que você vai querer levar isso. - ele disse, sorrindo mais uma vez, andando até o aparelho e o pegando. Mas seu sorriso se apagou quando olhou a tela, ele apenas me entregou e saiu do quarto. Olhei pro celular procurando o motivo e encontrei uma mensagem de Rafael.
"Me desculpa por ontem. Nos vemos na escola?"
Não entendi o porquê do desconforto de Carlos, acho que esse era seu nome, com aquela mensagem, mas depois de ler aquilo tinha menos vontade ainda de ir para a escola. Não me sentia mais tão a vontade com sua presença, na verdade, não me sentia mais a vontade com ninguém.
Fui sem demora para o carro, porque já podia ouvir os gritos de Patricia do meu quarto. Fomos o caminho todo quietos, Carlos e minha mãe conversavam, mas eu estava completamente alheia a tudo, acabei me surpreendendo com meu desinteresse, mas apenas não tinha vontade de conversar com ninguém. Assim que descemos do carro, pude avistar Fernanda e Rafael conversando, a menina parecia aflita com o que o garoto lhe contava, já imaginei que era sobre o episódio de ontem, e não estava afim de passar por aquilo de novo.
- Você pode me mostrar minha sala, por favor? Eu não me lembro muito bem. - eu disse aproveitando que os dois não tinham percebido nós dois ali.
- Claro. - o moreno respondeu docemente. - Na verdade, estamos na mesma sala.
Fomos andando juntos até a sala, ele tentando falar comigo, mas eu só conseguia sentir o olhas das pessoas em mim, podia ouvir os cochichos e até algumas risadas.
- Ela tá tão magra, será que perdeu o bebe? - ouvi alguém dizer, mas levantei minha cabeça e continuei meu caminho, jurando pra mim mesma que não iria me importar com tais comentários. Mas o problema apareceu, nos que ouvi em seguida.
- Será que ela sabe quem é o pai?
- Muita coragem voltar depois de tentar se matar.
- Fala baixo, ela perdeu a memória, não devem ter contado tudo pra coitada.
Eu senti meus olhos enchendo d'água, sem pensar nenhuma vez, sai correndo sem saber ao certo pra onde ir. Entrei no banheiro, andando até uma das cabines ali e fechando a porta, ficando sozinha naquele espaço tão pequeno, me sentindo claustrofóbica, com a respiração acelerada. Não conseguia assimilar direito o que as pessoas haviam dito, mas meu coração pesava junto às lágrimas, me sentia sozinha e excluída.
POV. Carlos Eduardo
Eu jurei que não ia mais me intrometer nos assuntos de Rafael e Mari, mas ela não tinha entrado na sala de aula e isso me preocupava. Ela estava bem ao meu lado quando chegamos, eu me virei um minuto para conversar com um dos meus amigos, e ela tinha simplesmente sumido. Aquilo estava me matando, será que tinha acontecido alguma coisa?
Eu me recusava em virar pra atrás, mas sentia o olhar de Fernanda cravado em mim, ela também deveria estar preocupada. E a aula de português continuava, mas eu não consegui absorver nenhum conteúdo, minhas pernas não paravam de balançar, meus dedos insistiam em bater a caneta na mesa, mas ninguém parecia ter percebido meu nervosismo, além dela, é claro.
Manoela sentada bem próxima a mim, o que possibilitava que minha visão periférica visse a loira, e ela praticamente me comia com os olhos, com um riso debochado nos lábios, como se tudo estivesse exatamente saindo como ela queria.
Não aguentei, me levantei em silêncio, para não atrapalhar a aula e caminhei em direção ao corredor, mais precisamente para o banheiro, precisava jogar uma água no rosto e esquecer ela de uma vez. Mari pode ter ido na diretoria pra resolver algo sobre as aulas, ou encontrado Rafael e estar com ele em algum lugar. Afastei esse último pensamento de minha mente e continuei com meu caminho.
O banheiro feminino e masculino ficavam um de frente para o outro, o que me fez ter uma curiosidade imensa de entrar e ver se Mari não poderia estar ali. Caminhei até a porta do mesmo, pensando o quão idiota estava sendo, por me preocupar com uma pessoa que nem se lembrava de mim e pela grande encrenca que eu ia me meter caso alguém me encontrasse ali. Assim que desisti da ideia, ela apareceu, com os olhos e nariz vermelhos, parecendo que tinha chorado. Ela andava olhando pra baixo, e assim que me viu parado na porta do banheiro, tomou um susto, mas sorrindo depois, e seu sorriso ainda me deixava fraco.
- O que você está fazendo aqui? - ela me perguntou com seu jeito tímido.
- Eu estava te procurando, na verdade. - não sei porque respondi aquilo, talvez porque quando estava perto dela, eu perdia a razão. - Mas tá tudo bem?
- Claro, - ela disse sem olhar diretamente para mim. - eu só tive uma emergência feminina.
- Engraçado, porque mulheres grávidas não têm esse tipo de emergência. - só percebi o que disse quando já era tarde demais. Seus olhos encheram d'água e ela parecia ter perdido o ar. - Não foi isso que eu quis dizer, eu só estava tentando quebrar o gelo e...
- Não se preocupa, - ela disse limpando o rosto. - na verdade, tem muita coisa acontecendo.
- Você sabe que pode contar comigo, certo? - eu peguei sua mão e olhei no fundo de seus olhos. Meu deus, como eu amava aquela garota, com todo o meu coração, e vê-la naquele estado fazia com que eu me sentisse pior e mais culpado. Ela poderia não se lembrar de mim e até mesmo não querer mais nada comigo, mas eu ainda era seu irmão e eu ainda deveria estar ao seu lado a protegendo. - Eu entendo que você esteja passando por muita coisa, e as pessoas estejam te cobrando muito, além do fato de você ter que se situar de como está a sua vida, mas se você deixar, eu posso te ajudar.
Por um longo minuto ficamos nos observando, parece que perdidos um no olhar do outro, até que ela me abraços e disse:
- É muito estranho como, de alguma forma, eu confio muito em você? - e foi ali o começo do meu fim.

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The Bet
FanfictionMariana é uma adolescente normal, que mora com a sua mãe e que nunca conheceu seu pai. Nada nunca acontece em sua vida, até o terceiro ano do ensino médio. Sua melhor amiga volta do Rio de Janeiro. Será que a relação delas continuará a mesma? E o qu...