POV. MARIANA
Quão estranho é confiar cegamente em alguém que você sabe tão pouco? Era exatamente o que eu senti junto à Cadu. Quando vi ele parado na porta do banheiro, o ouvi dizer que estava me procurando e senti a preocupação em sua voz, senti vontade de lhe contar tudo, todos os medos e receios, todos os segredos e dúvidas, sentia que ele realmente se preocupava comigo.
Após nos encontrarmos no corredor, fomos direto para a sala da coordenadora, pedir que ela nos liberasse mais cedo naquele dia. E é claro que ela negou, era minha volta e eu já queria sair mais cedo, sem mais nem menos. Estava quase voltando pra sala quando Cadu começou a fazer o maior e mais convincente discurso, dizendo como estava sendo difícil voltar pro colégio sem uma total certeza de minha realidade. Por fim ela concordou, mas avisou que ligaria para Patrícia e conversaria com ela sobre o assunto e pediu que voltássemos pra sala e saíssemos na hora do intervalo, mas também não fizemos isso.
- Esse deveria ser o dia em que eu voltaria pra escola e tudo iria se endireitar, mas você está dificultando um pouco. - eu disse em tom de brincadeira sem olhar para seu rosto. Estávamos no último andar do colégio, as salas ali só funcionavam depois do meio-dia, para as aulas dos alunos mais novos.
- Você não parece muito interessada em fazer com que tudo se endireite. - ele fala sério, mas não era uma bronca, ele queria me ouvir falar.
- Só está tudo uma loucura, sabe? - eu respondi meio um suspiro. - Principalmente na minha cabeça. Eu não lembro de nada depois que eu terminei com o Rafael, eu não lembro nem de ter um irmão. E as pessoas só parecem pensar nessa criança, que eu sei que não tem culpa de nada, mas eu preciso me concentrar em saber se o que as pessoas estão dizendo pra mim é verdade ou não.
O silencio se instalou no lugar junto à um clima pesado. Percebia que estava me sentindo mais leve, finalmente tinha falado o que realmente me incomodava e me tirava o sono. Percebi que Cadu mirava o vazio, talvez perdido em seus próprios pensamentos, até que ele disse:
- Vamos fazer assim, eu nunca vou mentir pra você, pode ser? - seu olhar me trazia segurança e seu tom de voz confiança, então apenas concordei com a cabeça. Ficamos ali até o sinal da terceira aula, conversando e muitas vezes sem dizer uma única palavra, mas mesmo assim me senti completamente confortável. Assim que ouvimos o alarme, pegamos minhas coisas e esperamos uns cinco minutos até passar na sala e pegar a mochila de Cadu. Andamos em direção contrária ao barulho que vinha do refeitório, chegando à portaria e mostrando o bilhete que Raquel havia nos dado. Não tivemos problemas para os seguranças nos deixarem passar, e assim que eu senti os raios de sol em meu rosto, percebi que não sabia onde ir.
- Não podemos ir pra casa, não quero ir lá. - eu disse olhando em seus olhos castanhos. - Se os nossos pais descobrem...
- Relaxa, - ele respondeu colocando seu braço envolta do meu ombro. - conheço um lugar que podemos ficar sem nos acharmos e não é longe daqui. - E deixei que ele me guiasse pro desconhecido.
Quando vi que estávamos na frente de casa, fiz menção para protestar, mas ele apenas apertou mais seu abraço e entendi que deveria esperar. Menos de 10 minutos depois vi a grama verde e as árvores, senti a brisa em meus cabelos e um fraco sentimento de liberdade.
Sentamos à sombra de uma grande árvore que havia ali, me ajeitei para encostar minhas costas no tronco e fechei os olhos tentando limpar minha mente, tentando assimilar as coisas. Após minutos terem se passado, abri meus olhos e vi que ele me encarava, como se admirasse uma obra de arte.
- Achei que você me faria várias perguntas, - ele começou. - mas você só queria um pouco de espaço.
- Eu tenho tantas dúvidas que não consigo nem formular as perguntas, mas nesses últimos dois dias eu me senti tão pressionada, que precisava de um pouco de paz.
- Eu posso tentar te ajudar com isso. - ele disse chegando mais perto. - Posso conversar com a Patrícia pra te dar uma folga.
- Acho difícil ela concordar com isso. - respondi com um riso nasal. - Ela e Rafael querendo tanto cuidar de mim que me deixam sufocada.
- Dá um desconto pra eles, foi bem difícil enquanto você tava internada. O Rafael ficou todos os dias do seu lado, a gente teve que obrigar ele pra sair e tomar um banho. - ele disse sorrindo, mas um sorriso com dor.
- Engraçado, vocês não pareceram se gostar muito.
- Não nos gostamos. - respondeu, mas continuou quando percebeu meu olhar. - Eu disse que não ia mentir. Tivemos alguns problemas, ainda temos na verdade, mas não posso te dar mais detalhes. Não ainda.
E por mais que eu tivesse liberdade de perguntar o que eu quisesse, eu não fiz. Nenhum dos dois fez, apenas ficamos juntos, vendo a natureza até que eu cai no sono. Sonhei com aquele mesmo lugar, eu estava deitada na grama lendo um livro e tinha alguém comigo, mas não conseguia ver seu rosto, ele se escondia atrás do livro. Aquilo não era um sonho, era real, conseguia sentir seu toque, o cheiro de seu perfume começava a vir em minha mente...
- Mari, acorda, precisamos ir pra casa! - Cadu balançava meu corpo fazendo com que eu despertasse de minha lembrança. Abri meus olhos assustada, sentindo um suor frio escorrer por meu corpo, abracei a mim mesma em busca de calor, e quando Cadu percebeu que eu tremia, ele mesmo me envolveu em seus braços, depositando um beijo no topo de minha cabeça. - Tá tudo bem? Você sonhou com algo?
- Eu já estive aqui, não estive? - eu perguntei com tom de desespero. - Quer dizer, depois que terminei com Rafael.
- Vai com calma. - ele disse. - Por que você tá perguntando isso agora?
- Eu sonhei com isso, sonhei que tava aqui com alguém. - ele me olhava com espanto, como se eu estivesse lhe dizendo que a Terra era quadrada. - Eu sei que parece que eu sou louca, mas você precisa acreditar em mim, eu sentia o toque da pessoa e quase senti seu cheiro, mas você me acordou...
- Eu acredito. - ele respondeu ainda em choque, o que me deixou confusa. Ele disse que era melhor irmos pra casa e contar o que tinha acontecido pra todos, poderia ser um jeito de retomar minha memória, revivendo momentos. Aquilo me deu uma ponta de esperança, eu tinha chances de acelerar o processo de recuperação de memória, poderia voltar pra minha vida, de onde parei. Ao voltarmos andando pra casa, eu era uma nova pessoa, em que via uma esperança em todos os cantos. Mas a alegria passou assim que abri a porta de casa.
- Onde você estava? - senti um peso cair sobre mim e uma voz bem conhecida falar. - Eu fiquei tão preocupado, quando Fernanda disse que você nem entrou na sala e depois ele sumiu. - O olhar de Rafael caiu sobre Cadu e foi como se tivéssemos entrado em uma panela de pressão, eles apenas se olhavam, mas podia perceber que naquela troca de olhares, mil palavras eram trocadas.
- Pelo menos os dois estão bem, certo? - perguntou Patricia olhando somente para o moreno. Foi ali que comecei a me sentir mal, percebi que iram culpa-lo pelo favor que estava fazendo a mim.
- Nós estávamos naquele parque da rua ao lado. - eu disse eufórica, não iria deixar que ele levasse toda a culpa. - Não me senti pronta pro colégio, ainda.
- Você poderia ter conversado com a gente. - disse Rafael me fazendo carinho no rosto. Em seu tom eu sentia decepção. - Não íamos te obrigar a nada.
- E vocês não sabem o que descobrimos. - eu continuei, o ignorando. - Eu me lembrei que já estive lá. Depois de terminar com Rafael, claro. - agora todas as atenções estavam em mim, até mesmo Renato que estava na cozinha antes, foi até o hall ouvir a história. - Eu sonhei que estava com alguém lá, mas não consegui ver seu rosto. Nós achamos, - cheguei mais perto de Cadu, ficando ao seu lado e percebendo o olhar de ódio que Rafael depositava sobre nós. - que esse pode ser um jeito de eu recuperar minha memória.
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The Bet
FanfictionMariana é uma adolescente normal, que mora com a sua mãe e que nunca conheceu seu pai. Nada nunca acontece em sua vida, até o terceiro ano do ensino médio. Sua melhor amiga volta do Rio de Janeiro. Será que a relação delas continuará a mesma? E o qu...