As duas horas que consegui dormir quando cheguei no Hotel Sauders, já muito tarde, me deixaram menos cansada, ao menos momentaneamente. Fora difícil me levantar com Bonnie, a nova gatinha, a ronronar, confortável aos pés da cama, mas foi preciso. Sempre fui uma menina elétrica, e quando pequena, mesmo sendo algo proibido pela maioria dos pais, eu era viciada em café. Era algo que mamãe e papai me deixaram tomar quando fiz quatro anos, e que serviam no sanatório. Café, cappuccino, frappuccino e todos esses nomes que antes não existiam, ou que eu, ao menos, desconhecia. Desde que possuísse cafeína, eu tomava.
Dormir pouco não me incomodou no começo. Tanto que antes de começar meu turno matinal tive tempo de ir até o fim do corredor, buscar um café e bebericá-lo na sacada de meu quarto, observando a cidade. O hotel é bem alto, e mesmo não estando hospedada nos últimos andares, já pude me sentir superior a todos os prédios e pequenas construções. Pude reparar também que a maioria das casas fora trocada por edifícios. Os terrenos tamanho família com crianças correndo e grama verdinha deram lugar aos altos prédios que só me atrapalham. É tudo diferente. Não sei mais que problemas as paredes da cidade podem me trazer.
A manhã foi difícil, mas me trouxe um novo amigo. Na escola, as energias que me sobravam da adrenalina de ontem se esvaíram, e cansada, tentando prestar atenção e fazer anotações, só queria descansar.
Achei Mayra em raros e singulares momentos, como na aula de literatura ou vagando pelos corredores, geralmente acompanhada de um alto rapaz com cabelos e olhos castanhos. Perguntei a ela quem era tal garoto, mas não entendi o que a menina me dera como resposta, afinal, ainda estou desenvolvendo minha prática em captar sussurros.
Também pedi à caçadora que ela começasse a me treinar. Foi um pensamento repentino que tive quando a encontrei, mas a menina aprovou a ideia. Não sei quando será nosso primeiro treino, mas fico animada com a perspectiva de entender mais sobre mim e sobre o que há de sobrenatural dentro de mim.
Achei que seria um dia triste e que eu acabaria por dormir no horário do almoço para solucionar os problemas com meu sono e com a solidão. É estranho, pois por mais que eu esteja conseguindo acompanhar as aulas facilmente e que eu sorria para todos, ninguém parece realmente me notar e se interessar em conversar comigo. Ninguém, exceto um menino de cabelos claros, olhos azuis e feições hiperativas. Ele se sentou ao meu lado no almoço e impediu meu plano de dormir de se realidade, ainda bem. Com apenas poucos minutos jogando conversa fora no refeitório descobri que ele se chama Cody Drake, e parece ser divertido. Por que não papear um pouco mais?
Conversamos na saída, a caminho de sua casa, localizada em um pequeno condomínio entre a casa de Mayra e o Hotel Sauders. Cody demonstrou ser um garoto inteligente, e fazia piadas sobre elementos químicos que muitas pessoas nem mesmo entenderiam. Ele pediu para saber mais sobre mim, mas, incerta do que falar, resolvo a contar sobre minha mais última experiência. E é nesse ponto em que estamos agora. Eu me sinto perdida, sem saber exatamente por onde começar.
– Sabe, eu moro no Hotel Sauders – digo quando passamos pela fachada bem pintada do hotel e por sua escadaria característica.
– Morando em um hotel? Fugiu de casa ou o quê? – O garoto está observando os ladrilhos das calçadas quando viro sua cabeça para o lado, o fazendo perceber por onde estamos andando.
– Eu trabalho no Hotel também. É uma história difícil.
– Suponho que "história difícil" deva descrever a minha vida. Pode falar, Stella.
– Eu morei... – Penso antes de pronunciar as palavras mais difíceis. Será que estou preparada para contar isso a alguém? Será que alguém que pouco conheço está pronto para ouvir?
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The Walls Of The City - As paredes da Cidade
Teen FictionAs paredes da cidade ampliam o medo espalhado pelas ruas de Stormswood, um pequeno município da Pensilvânia com características únicas. Quando Mayra, uma caçadora de nascença, redescobre seus ideais, uma nova visão de um mundo diferente se abre para...