Capítulo Vinte e Um - Stella

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Um espelho com uma moldura dourada no meio de um quarto vazio. De um lado, há um bebê sorrindo, parado. Do outro, um quase igual, porém com cabelos mais louros. Mal consigo notar tal detalhe, já que ele está em preto e branco. Enquanto o bebê colorido apenas espera por alguma coisa de interessante, o outrogasta toda sua energia tentando gritar. Em vão, já que sons não saem de sua pequena boca.

Depois de parar de prestar atenção nas duas crianças, foco no espelho. Ele me é familiar. A moldura que eu passei minha infância inteira idolatrando. Porém, o objeto parece diferente.

Não parece realmente haver um vidro que reflete imagens entre os dois bebês, mas mesmo assim, eles não se encostam.

Tudo some, e como um flash, a imagem daquela mulher estranha aparece rapidamente. Trajando as mesmas roupas do sonho anterior, parece ainda mais misteriosa. Suas palavras voltam a minha mente. "Encontre-me".

Então, tão rápido como sumiu, o "espelho" volta, mas os bebês não. Agora as coisas começam a fazer sentido. Esse espelho era de minha mãe. Ficava no porão, o local onde ela passava noites com as amigas, as quais nunca conheci. Ela nunca me permitia entrar lá dentro, apenas às vezes, depois de uma boa limpeza no local. Dizia que era porque o lugar era muito húmido e cheio de poeira, mas não sei se não haviam, na verdade, provas de que ela e suas amigas fizeram certas atividades ali. Pode ser apenas intuição, mas se sou uma banshee, devo ter parentes que também são. Meu DNA não teria uma mutação sem motivo algum. Isso seria muita sorte, e muito azar também.

O espelho começa a girar, e quanto mais gira mais as memórias de minha infância babando pela moldura dourada começam a ficar mais claras. Minha mãe só ficou comigo até pouco para eu completar meus quatro anos, não tenho ideia de como me lembro tão bem dessas memórias com ela, no porão. Mas elas estão ali, elas são reais.

"Encontre-me".

Acordo suando. Mais sonhos bizarros, assim como os que aconteciam no sanatório. Não sei exatamente como funcionam, se há relação entre eles e meus poderes, ainda em desenvolvimento, mas deixaram de ser agradáveis logo nas primeiras vezes. Ao que parece, nem tudo mudou.

Por isso que digo que ás vezes não vemos as cartas que possuímos simplesmente por que não sabemos como. É como estar se afogando, e de repente voltar à superfície, e então, você percebe que nada era real e que você sempre teve ar de sobra. Como eu, no sanatório. Eu não saia de lá apenas por que eu não queria sair. Eu não saia, pois não sabia como. Eu não sabia que era uma banshee, então não havia explicação para minha sanidade mais elevada ou para eu ter motivos de sobra para sair. Certas coisas simplesmente não precisam de explicação. Todo mundo passa tempo demais pensando que não faz sentido acreditar que isso acontece por conta disso ou daquilo, ao invés de se dar conta que nada no mundo realmente faz sentido. Nada tem um ponto de começo real e sincero. Tudo é muito irreal, mas é faz sentido e é verdadeiro. Assim acontece com as pequenas loucuras da vida. Acredite mais em si mesmo. Eu acharia, em meus tempos de hospício, que nunca poderia ser um ser sobrenatural, que isso era irreal e, portanto, mentira. Mas aí está o engano que todos cometem.

Algumas coisas não precisam de explicação, e é justamente por isso que me levanto num impulso. Checo o relógio, e mal passam das quatro da manhã. Coloco o meu colar, aquele que comprova que o suposto irreal pode ser verdadeiro, aquele que tive de tirar para os pais de Mayra não notarem quem realmente sou. Não terei mais vergonha. Não preciso mais me esconder.

Enquanto meu celular carrega, na tomada, Bonnie vaga confusa e sonolenta pelo quarto escuro. Abro a janela e deixo a luz da lua, misturada às estrelas e às poucas lâmpadas acesas dentro dos prédios, iluminar as paredes da cidade assim como as de meu quarto.

The Walls Of The City - As paredes da CidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora