Capítulo Um - Mayra

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Estou atrasada, novamente. Restam-me apenas vinte minutos para tomar café da manhã, me arrumar e ainda chegar na escola. Com uma batida leve no despertador eu o desligo, fazendo com que o quarto se misture em silêncio e calmaria. Tirando os gritos de minha mãe me chamando do andar de baixo para eu me acordar.

Apresso-me a me levantar, jogando as cobertas longe e colocando um pé de cada vez no chão. Dou alguns passos até meu armário e o abro com ferocidade. Escolho a primeira roupa que vejo à minha frente, uma regata branca combinando com um shorts preto e uma jaqueta jeans para caso faça frio.

Coloco apressadamente a roupa escolhida e calço meu All Star preto. Vou em direção a porta em pequenos pulinhos rápidos, giro a maçaneta quase quebrada cuidadosamente e depois lanço a porta com força até que ela bata na parede.

Sempre quando estou apressada ou ansiosa tudo parece ficar turvo e confuso, ainda mais hoje que é nosso primeiro dia de aula depois das férias de verão. "Se agilize", a voz que sempre escuto quando estou nervosa murmura. Escuto essa voz desde pequena, não sei exatamente desde quando, mas sei que é uma voz de alguma criança, a voz me parece ser familiar, parece que eu realmente já a escutei, mas sempre a ignoro, prefiro pensar que é uma voz imaginaria que interfere em meus pensamentos e que é tudo da minha imaginação.

Faço o que a voz diz e acelero minhas passadas largas. Desço as escadas pulando de dois em dois degraus até chegar ao andar de baixo. Avisto Hayley, minha mãe e meu pai, todos sentados ao redor da mesa comendo seu café da manhã. Todos parecendo muito tensos, como sempre. Tirando minha irmã que nunca fica de mau humor. Hayley segura o bacon suculento e gorduroso em suas pequenas mãos enquanto a nossa mãe a xinga para comer de garfo e faca.

Minha mãe, Kellie, às vezes pode ser perfeita ao extremo, o que incomoda muito. Pra ela tudo tem que estar em perfeito estado e sempre organizado e da sua maneira "correta" de fazer as coisas.

Já meu pai, David, é bem mente aberta, por mais que seja muito frio e teimoso, ele sempre ajuda a mim e a minha irmã, está sempre com a gente para o que precisar, porque além das brigas há muito amor envolvido.

Chego onde eles estão e me sento ao lado de Hayley. Sirvo meu prato com dois pedaços de bacon, um pouco de omelete e engulo rapidamente os grandes pedaços de comida. Tomo alguns poucos goles de água e quase me engasgo por causa da pressa.

– Você não quer que eu te leve, filha? - meu pai grita olhando para mim.

– Não é necessário, obrigada. Vou ir para a casa da Spencer e nós vamos juntas para a escola.

Spencer é minha melhor amiga, minha confidente. Ela mora no quarteirão ao lado do meu, facilitando muito nossos encontros. Conhecemo-nos desde crianças, desde quando estávamos no jardim da infância. Ela é da mesma idade que eu, porém sendo uns meses mais velha. Possui cabelos longos loiros e lisos, olhos azuis acinzentados e uma estatura baixa. Sempre me sinto como se fosse uma girafa perto dela por causa da altura. Spen, como eu chamo ela, vive em lojas e shoppings, comprando e gastando, tanto faz se for em roupas ou filmes, ao contrario de mim, que prefiro ficar em casa ou fazer alguma atividade ao ar livre. Mas tirando todas as diferenças, sempre fomos muito amigas e nos demos muito bem

Agarro com uma mão minha bolsa atirada no sofá e pego minhas chaves na mesinha do hall de entrada. Bato a porta atrás de mim e saio correndo para ir encontrar minha amiga.

Chego em frente à casa de Spencer e ela já está dentro de seu carro me esperando para que possamos ir. Ainda não posso dirigir, pois meu pai não permitiu que eu fizesse carteira de motorista aos dezesseis, mas mesmo assim às vezes minha mãe me deixa dar uma saidinha com o carro. Por causa disso, Spencer sempre nos leva aos lugares, o que é muito ruim pois ela sempre consegue controlar os horários que chegamos e saímos de onde quer que a gente esteja.

– Vamos, Mayra! A gente vai se atrasar no primeiro dia de aula, isso seria suicídio social!

Um fato sobre minha melhor amiga, ela sempre fala que algo ruim é "suicídio social" por causa do filme americano Mean Girls.

– Estou indo! Não sabe esperar, não?!

– Sei sim, só não quero chegar tarde por sua causa. Temos ainda que ver onde ficam nossos armários e as salas em que teremos aula.

– Acho que esse ano não seremos mais colegas de aula em biologia, vou sentir falta da minha dupla – falo abrindo a porta do carro e sentando no banco do carona.

– Veja pelo lado positivo, pelo menos você vai ter mais tempo para olhar aqueles meninos mais velhos.

– Haha, muito engraçado. – Faço uma careta e mostro a língua para ela.

Spencer dá a partida e uma ré brusca no carro. Seguro os dois lados do banco e rezo para não nos acidentarmos.

A caminho da escola, na pequena floresta já um pouco desmatada que há, vejo uma sombra se movendo agilmente. Uma forma escura mais rápida do que o normal. Não parece algum animal, bem pelo contrário, parece um humano. Um humano correndo em quatro patas. Retiro meu celular do bolso da calça e abro a câmera, capturo uma imagem e coloco o celular onde ele estava de volta.

– O que você está olhando, Mayra? Porque tirou foto?

– Ah nada não, era só uma árvore com algumas flores que acho bonitas, irei mostrar à minha mãe depois – minto.

– Você está muito estranha nesses últimos tempos, sinceramente não sei o que esta acontecendo com você.

– Mas eu não estou diferen...

– Tento conversar com você, mas você sempre muda de assunto! – Spencer me interrompe.

– Escuta, eu não quero brigar agora, é nosso primeiro dia de aula, discutimos isso depois.

Chegamos à frente da escola e minha amiga estaciona seu carro em uma das vagas mais próximas da porta de entrada. Dou uma olhada rápida e não vejo nem uma pessoa nova. Sempre as mesmas, desde quando entrei aqui.

Coloco minha bolsa em um dos braços e agarro um livro, que Spencer me emprestou, com a outra mão. Abro vagarosamente a porta do automóvel enquanto escuto o sinal berrar alto ao fundo, dizendo que está na hora de ir para as salas.

Minha primeira aula é de química, na sala B118. Conheço essa escola de cor e salteado, como diz o ditado. Sigo apressadamente para a devida sala, com meus livros e cadernos agora todos repousando pesadamente sobre meu braço esquerdo. Spencer foi para sua aula de trigonometria, da qual minha amiga sempre reclama e diz ser chata e difícil demais para seu cérebro desenvolvido em outras áreas.

Ao caminho que percorro nos longos e vazios corredores, com os alunos já em suas aulas, vejo pelo canto do olho a mesma silhueta preta correr agilmente do lado de fora da escola. Conforme meus passos, percebo que a criatura se move com mais delicadeza, tentando não ser vista.

Ignoro as grandes possíveis chances de ser algo sobrenatural e continuo a caminhar. Adentro minha sala sem bater, peço desculpas pelo incomodo e tomo um lugar ao fundo da sala, ao lado de alguns jovens que me encaram até eu finalmente me sentar na classe.

Perco noção do tempo me concentrando em cada detalhe da nova matéria e percebo que um período inteiro passou e já está na hora de ir para a próxima aula.

The Walls Of The City - As paredes da CidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora