Capítulo 30

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Meu pai e Carmen ainda estavam viajando, o que significava que meu irmão ainda fingia que ser responsável era não levar em conta o fato de me deixar abandonada em casa. Por isso, Josh era quem me fazia companhia na maior parte do tempo.

Desde o acontecimento com Judy eu me sentia mal, sempre que estava com Josh. Eu não me sentia culpada por fazê-lo, literalmente, passar mal pelo meu estrelismo; parecia que as coisas simplesmente não eram como antes.

Eu sabia que ele tinha dito a verdade quanto esclareceu tudo, mas alguma coisa ainda me deixava com um pé atrás, e eu já estava cansada de me sentir daquela forma. Queria voltar a ficar eufórica e alegre quando estivesse com Josh, queria que tudo voltasse ao normal. Mas eu não conseguia me sentir totalmente confortável quando estava com ele.

E naquela tarde, ele percebeu.

Como já fazia há um bom tempo, depois da aula Josh me dava uma carona até em casa. Fomos intercalando algumas piadas e um silêncio constrangedor durante toda a viagem.

Eu estava exausta naquele dia porque o treinador não havia tido um pingo de misericórdia de nós. Minhas pernas doíam, minhas costas pareciam que deslocadas e eu só queria dormir, mas era o meu dia de preparar o almoço.

Quando voltávamos juntos um de nós ficava responsável pelo almoço e era a minha vez. Mas eu não estava nem um pouco disposta naquela tarde.

Pedi uma pizza e quando chegamos na minha casa, larguei minha mochila longe e me joguei no sofá.

Josh se sentou ao meu lado e colocou minhas pernas em seu colo e ficou brincando com meus dedos dos pés por cima da meia, até eu ligar a televisão e me encolher em uma das extremidades do móvel.

Ele comprimiu os lábios e perguntou o iríamos assistir e eu dei de ombros e apenas continuei mudando de canal, até achar algo que não parece tão patético.

A campainha tocou e eu me levantei para ir buscar a pizza, agradeci o entregador, lhe dei uma boa gorjeta porque não estava com paciência para esperar o troco e voltei para a sala, com a caixa ainda fechada.

A coloquei sobre a mesinha de centro e abri a tampa, sentindo o cheiro maravilhoso que eu não sentia há algum tempo.

- A gente não estava de dieta? - ele perguntou com um sorriso espertinho e eu copiei seu sorriso.

Nós havíamos, de fato, começado uma dieta para fuçar em forma para o novo campeonato que estava por vir. O treinador estava com os olhos no pódio e queria tudo de nós, inclusive uma alimentação saudável e regulada.

- Sim, mas é sexta-feira, estamos libertos da maldição da alface - eu me justifiquei e voltei ao sofá com uma fatia em mãos.

Ficamos em silencio, assistindo a um canal de desenhos até ele soltar uma risada anasalada, embora não estivesse acontecendo nada engraçado no momento.

- Não deixe o seu coração fugir, pois sua mente pode criar pernas e seguir ele - Josh murmurou chamando a minha atenção.

- Qual grande filósofo disse isso? - dei uma mordida na minha segunda fatia e ele abriu um sorriso enorme.

- Patrick Estrela - respondeu, segurando o riso.

Nos entreolhamos por alguns segundos e então caímos na gargalhada. Eu gostaria muito de entender o motivo.

Nossas risadas ocuparam o silêncio, até que não tivesse mais graça e qualquer resquício de sorriso existisse, então ficamos quieto de novo e foi ai que Josh atacou.

- O que está acontecendo? - mordeu o lábio, pensativo, e então voltou a me encarar com aqueles olhos azuis surreais.

- Agora? - perguntei.

- Você sabe o que eu quero dizer - e eu sabia mesmo - Pensei que confiasse em mim pra qualquer coisa. Eu, eu já te contei a verdade - disse ele calmamente, mas parecia chateado. Pegou a minha mão e apertou meus dedos entre os seus.

- Mas... Eu confio, sim - desviei o olhar e respirei fundo.

- Então, me diz o que foi - ele pediu - Maya, eu não posso ler a sua mente e muito menos adivinhar o que se passa por ela, preciso que você fale comigo...

- Eu não sei, Josh - senti meus olhos marejarem - Tudo tá tão estranho, desde as merdas que a Judy disse...

- Mas não houve nada, eu juro pelo que você quiser - ele tentou.

- Eu sei, acredito em você, é sério. Mas, sei lá, algo nisso tudo ainda não me desceu redondo.

- Maya...

- Existe uma doença chamada Dor do membro fantasma, quando pacientes que passaram por uma amputação sentem como se a prótese fosse a parte retirada deles e sentem também uma dor que parece real e eles sofrem com isso. As vezes a solução é mutilar a prótese para que eles desassociem a dor que sentem dela - respirei fundo - Eu não quero comparar meu sofrimento com o que essas pessoas passam, mas tudo o que aconteceu me machucou pra valer e eu ainda sinto as dores disso, Josh. Quando Judy me disse aquelas coisas eu soube que não deveria acreditar nela. Eu soube porque acredito em você e confio em você como eu não confio em alguém desde que me entendo por gente - ele pegou a minha outra mão - Eu não sou de me abrir. Em casos extremos em tenho coragem para dizer o que estou sentindo ou o que penso e eu odeio ter que fazer isso. Mas, você tem razão, não pode ler a minha mente e eu estou cansada desta situação - senti um bolo se formar na minha garganta - Eu estou sozinha, porque meu irmão, sangue do meu sangue, me trocou por sua namorada megera; a escola está a mesma droga de sempre e os jogos estão vindo e tudo o que eu quero fazer é ficar em casa, restringindo a dieta idiota do treinador e assistindo todas as séries que eu quiser - ele me encarou com cumplicidade - E ainda tem você, Joshua Henri McCord, destroçou o meu coração, só que não foi de verdade. Você é o meu membro fantasma e eu juro que se você der uma risadinha maliciosa ou fazer uma piadinha sobre isso eu vou te dar um murrão - ele riu - Josh, eu... Estou me recuperando de uma dor que nem é real, entende o quanto você me faz ser patética? Eu te odeio tanto por isso. Te odeio por não servir nem para me trair, te odeio por ser tão bom pra mim mesmo quando eu te trato mal ou te ignoro e eu te odeio por gostar tanto de você a ponto de chorar como uma colegial de filme clichê que se apaixona pelo capitão do time de basquete e depois canta I Gotta Go My Own Way quando ele se mostra mais interessado em conseguir uma bolsa pra faculdade do que ficar beijando a bunda dela.

Ele se aproximou e sentou bem pertinho de mim. Segurou o meu rosto entre as mãos e me hipnotizou com seus olhos azuis brilhantes.

- E eu te odeio por fazer uma referência dramática a High School Musical - eu ri - Eu te odeio por ser tão o meu tipo que eu seja incapaz de ser infiel e eu me odeio por gostar tanto de você, mesmo quando você me trata mal ou me ignora - desviei o olhar - Maya, pra que isso dê certo a gente precisa conversar. Eu nunca estive com alguém de quem eu gostasse tanto quando eu gosto de você e eu não quero que isso acabe por um problema tão imbecil quanto falta de comunicação - eu assenti - Você pode falar o que quiser comigo e eu espero poder fazer o mesmo. A gente tá junto nessa, não é?

- Claro - respondi - Me desculpe...

- Você não precisa se desculpar por isso - ele abriu um sorriso - A gente está se conhecendo, May. Preciso saber dos seus defeitos também - o abracei forte me sentindo muito mais leve.

- Então você deveria saber que eu amo mostarda - admiti.

- Você é estranha, Maya Wilson-Smith - ele riu e me beijou. Sorriu. E me beijou, de novo.

Eu me aconcheguei nele e voltamos a assistir enquanto ele me enchia de carinho. Josh era uma criatura tão apaixonante que eu nem conseguia mais me imaginar sem ele.

Dona da Bola [Revisado]Onde histórias criam vida. Descubra agora