Capítulo 3.

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Emily pisou no acelerador de seu carro emprestado, inclinando-se para a frente, como se o peso de seu corpo pudesse ajudá-lo a subir o morro.
O motor parecia gritar. Ela agarrou o volante e rezou para que nada de ruim acontecesse na estrada estreita e cheia de curvas. Além do fato de que o carro era emprestado, o crédito de Emily com a companhia de seguros estava em baixa no momento. Não precisava de um outro acidente para adicionar às suas atuais preocupações.
Suspirou aliviada quando viu os distintos pilares de pedra, virando o carro na estrada ladeada por árvores floridas e costeando em direção ao grande círculo no pórtico frontal.
Construída em pedra branca, a casa baixa e comprida de Peter Nash ficava no ponto alto de uma cadeia de montanhas, que um dia fora uma fazenda de cultivo. Durante o último meio século, os pastos exuberantes tinham gradualmente dado lugar à urbanização da maior cidade da Nova Zelândia.                         
A casa de Peter ficava situada na base da fazenda original, e ele a construíra como um lar, mais do que como uma exibição de sua riqueza, muito antes que a área se tornasse moderna. Havia muitas outras residências palacianas ao longo da estrada Ridge, mas nenhuma delas com uma localização tão perfeita e charme despretensioso.
Grande parte do charme devia-se aos esforços da falecida esposa de Peter, Rose, que tinha sido uma ávida jardineira e dona de casa. Ela também fora uma apaixonada colecionadora de porcelana chinesa, e regularmente enviava peças a Quest Restorations para conservação ou restauração.
Emily parou ao lado da garagem em formato de estábulo holandês e desceu para tirar uma grande caixa pesada do abarrotado banco traseiro.
O ar estava carregado com os aromas doces do início do verão, e, com prazer, ela inalou profundamente. Aquilo era uma bênção para seus pulmões, depois do ar poluído que respirara mais cedo naquela manhã. Emily parou para apreciar a vista panorâmica, que era visível entre o estábulo e o canto da casa. Olhou em direção às praias isoladas ao longe, e não pôde evitar medir a distância entre um grupo de iates atracados e um pedaço de terra particular.
É claro, não podia distinguir a casa de tamanha distância, mas sabia que, em algum lugar por ali, estava o telhado azul da residência Webber. Fazia dois anos desde a troca do frasco de porcelana chinesa, mas ela ainda se lembrava de cada segundo daquela festa obscena, como se fosse ontem. Tivera pesadelos por semanas antes e depois da perigosa aventura, e até hoje, às vezes, acordava transpirando de medo. A ameaça de ser descoberta tinha acabado com o passar do tempo, mas Emily nunca conseguira se livrar da culpa de ter trapaceado o destino, e ainda sentia um nó no estômago cada vez que passava pela área. Se aprendera algo sobre si mesma naquela noite era que não tinha nascido para ser criminosa!
Fechando a porta do carro com o quadril, carregou a caixa até a porta da frente e usou o cotovelo para tocar a campainha. Enquanto esperava, tirou os sapatos cobertos de fuligem e verificou a sola de suas meias brancas de algodão.
- Olá, sra. Cooper. - Ela sorriu para a mulher séria que abriu a porta. - Espero que não ache que eu deveria dar a volta e entrar pelos fundos com esse pacote!
Os olhos escuros de Kay Cooper continuaram cautelosos enquanto ela dava um passo atrás para deixar Emily entrar.
- Ele a está esperando durante toda a manhã, srta. Quest - disse ela em tom de crítica.
Sabendo o quanto a governanta protegia seu patrão, há muitos anos, Emily resignou-se. A sra. Cooper trabalhava para os Nash por mais da metade de seus sessenta anos, e ganhara o direito de se sentir proprietária.
- Desculpe o atraso, mas finalmente tive permissão de voltar ao meu estúdio e ver se havia algo que eu pudesse salvar - explicou ela, pondo a caixa no chão, do lado de dentro da porta. - Levou mais tempo do que previ. Eu ia ligar do carro para avisar o sr. Nash que estava a caminho, mas então lembrei que meu celular perdeu-se no incêndio.
O jogo de compaixão funcionou. O semblante da sra. Cooper suavizou-se levemente com a lembrança da perda catastrófica de Emily. Ela inclinou a cabeça em direção ao fundo da casa.
- Ele está no escritório.
O espaço ainda era chamado de escritório, apesar de que agora poucos negócios eram conduzidos dentro daquelas paredes. Peter Nash tinha vendido sua rede de lojas de ferragens dez anos atrás, durante a primeira batalha bem-sucedida que sua esposa travara contra o câncer. O fato de que tivera mais oito anos da companhia de sua adorada Rose, antes de o câncer retornar de forma mais agressiva, havia justificado a decisão de Peter de se aposentar. Mas, desde a morte dela, esforçava-se para encontrar um propósito na vida e preencher o vazio em seu interior.
- Obrigada. Posso deixar essa caixa aqui, por enquanto? - perguntou Emily. Se iria trabalhar lá pelas próximas semanas, não seria bom ter problemas com a sra. Cooper. Emily sempre se dera bem com a mulher mais velha, por isso estava um pouco perplexa pela recepção fria.
A sra. Cooper olhou para a caixa de papelão.
- Suponho que o resto de suas coisas esteja no carro?
Havia uma ponta de acusação naquela pergunta? Emily ficou mais intrigada.
- Bem, algumas delas, mas as deixarei lá até que saiba onde vou colocar tudo. Quando o sr. Nash fez a oferta, foi vago sobre os detalhes...
O que, pensando nisso agora, não combinava com ele. Com 75 anos, podia não ter mais a mesma força física com a qual construíra seu império, mas não perdera nada de sua acuidade mental.
A sra. Cooper suspirou.
- Bem, é melhor você ir descobrir, então. Ele está extremamente ansioso pela sua chegada. Ficar em tal estado não pode ser bom para o coração do homem.
- E com tal observação que instigava culpa, ela virou-se em direção à cozinha, mas parou para acrescentar:
- Aceita uma xícara de chá?
- Obrigada, eu adoraria - disse Emily, sorrindo alegremente. - Tomei café-da-manhã com pressa, e não bebi mais nada depois. Minha boca está seca, acho que devo ter engolido cinzas quando separei as coisas na casa.
- Você realmente não parece em seu melhor estado.
Ah, seria aquela a causa da recepção fria da mulher?, perguntou-se Emily, ciente de que, de jeans e camiseta larga, devia parecer mais com uma adolescente suja do que uma mulher madura de 26 anos. Geralmente se vestia com cuidado para fazer uma visita, tentando apresentar uma imagem de profissional confiante. Porém, uma vez que estava lá para trabalhar, e não para se socializar, precisava de alguma coisa prática e resistente. Como grande parte de seu guarda-roupa fora literalmente queimado no incêndio, suas escolhas eram limitadas. A calça jeans, por exemplo, tinha sido comprada na época em que seus quadris eram menos generosos...
- Emily... aí está você!
Peter Nash veio apressado do corredor, seu leve ato de mancar quase imperceptível nos passos ansiosos, os olhos castanhos alertas e os cabelos brancos contrastando com o corpo pequeno e magro.
- Foi você que chegou agora mesmo naquele carro velho?
Ele a fitou, parecendo mais divertido que aborrecido. Diferentemente da sra. Cooper, Peter sabia que o trabalho de restaurar antigüidades era freqüentemente tumultuado. Esperaria que ela se vestisse com praticidade num dia de trabalho comum. Em contraste, a calça dele estava bem passada e a discreta gravata-borboleta combinava com a camisa e o paletó azul-marinho.
- Sim, fui eu - confessou ela com um sorriso defensivo. - O carro pertence a uma amiga que está me hospedando. O investigador do incêndio ligou para dizer que me deixaria tirar algumas coisas da casa esta manhã, e Julie me emprestou o carro para coletá-las. Mas vai precisar dele esta tarde, então o carro não vai rebaixar o nível do seu bairro por muito tempo.
Peter riu. Alegava ser durão, mas possuía um coração amável, como Emily descobrira após a morte de seu avô, e no começo de sua luta para fazer da herança dele um sucesso.

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