Capítulo 11.

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Para consternação de Emily, os olhos de Peter estavam marejados. Ela virou a mão e cruzou os dedos com os dele, o coração repleto de carinho. Sabia que ele ficara profundamente desapontado por sua rejeição, mas até então não tinha se dado conta de quanto sua aceitação significava para Peter. Quase esquecera como era ser querida, e não apenas desejada. Conrad precisara dela, mas apenas havia fingido querê-la. Sabia que o avô a amara, mas seu orgulho fora reservado para o trabalho dela, e, perto do final, ele não quisera precisar dos cuidados de Emily, fazendo-a questionar se o avô não acabara provocando o derrame fatal.
- Eu... não sei bem o que dizer. - Ela sorriu. -Além de agradecê-lo, Peter. Mais uma vez, estou verdadeiramente grata.
Peter apertou-lhe a mão, os olhos vermelhos se suavizando.
- Eu é que sou grato. Será bom ter uma moça jovem por aqui.
- Então, você deve estender sua gratidão a Ethan, também. Foi ele quem me persuadiu a aceitar a oferta
- disse ela com sinceridade.
Peter olhou para o sobrinho com alegria.
- Verdade? Bem, eu lhe devo uma, meu rapaz. - Ele recostou-se e riu.
Nervosa pelo silêncio de Ethan, Emily decidiu que era hora de uma retirada estratégica.
- Bem, é melhor eu ir se quiser deixar tudo pronto antes de devolver o carro. - Ela se levantou.
- Devo mandar Jeff apanhá-la na casa de Julie quando suas malas estiverem prontas? - sugeriu Peter.
- Vou pedir a Coop que nos faça alguma coisa especial para comemorar a sua mudança.
Emily mordiscou o lábio enquanto pensava em tudo o que tinha de fazer. Também necessitaria de um tempo para respirar. Confiava em Peter, mas, assim que se mudasse, ficaria totalmente dependente da boa vontade dele.
- Pode ficar tarde até que eu termine todos os meus afazeres. Talvez seja melhor eu mudar amanhã - disse ela. - Estarei exausta esta noite, de qualquer forma.
Peter pareceu deprimido, mas assentiu, e Emily imediatamente se sentiu culpada.
- Suponho que tenha sido um dia traumático para você - murmurou ele, então explicou para Ethan as dificuldades que Emily tivera na casa e a condição precária do carro emprestado.
Para espanto de Emily, Ethan se ofereceu para acompanhá-la na próxima viagem.
- Obrigada, mas posso me virar...
- Não perguntei se você podia se virar, e sim se eu posso ajudar. - Ethan se levantou.
- Mas... seu terno. Você obviamente está vestido para trabalhar - começou ela com fraqueza.
Ele arqueou uma sobrancelha, arrogante.
- Sou dono do meu negócio. Não preciso pedir permissão para meu chefe quando quero tirar uma folga. - Ela abriu a boca, mas ele continuou: - Então, vamos, a menos que exista uma razão pela qual você não queira minha ajuda.
- É claro que ela quer - interferiu Peter. - É apenas o orgulho teimoso de Emily falando. Àquele carro velho... Se fosse um maior, não seriam necessárias tantas viagens.
- Eu já lhe disse que não vou usar o Rolls - protestou Emily.
- Então está resolvido, usaremos o meu veículo - declarou Ethan.
Emily franziu o cenho.
- Seu helicóptero?
Quinze minutos depois, ela estava tirando caixas do porta-malas do carro de Mie, ainda envergonhada por sua ingenuidade. Naturalmente, alguém como Ethan teria mais de um carro. Além daquele reservado para seu uso exclusivo em Waiheke, possuía um outro guardado na garagem de Peter, e um carro da companhia num estacionamento perto do terminal da balsa.
Emily achou o armário que Jeff deixara aberto e começou a transferir as caixas de papelão. Quando ergueu a cabeça, seus olhos se arregalaram com a visão de Ethan de jeans, camisa verde-musgo e botas de couro. De terno, ele parecera frio, arrogante e sofisticado. Em seu traje atual, parecia tão arrogante quanto antes, mas devastadoramente sexy!
- O que foi? - perguntou ele, quando Emily continuou fitando-o.
- Quando você falou que ia mudar de roupa, não pensei que fosse completamente - murmurou ela, tentando disfarçar a fascinação. - Você parece... - Emily parou.
- O quê? Maravilhoso. -Mais jovem.
Por alguma razão, aquilo pareceu ofendê-lo.
- Sou engenheiro. E isso que os engenheiros usam para subir em pedras e andar em locais de construção.
- Então, por que o terno? - Emily quis saber.
- Eu estava a caminho de um encontro com homens de negócios.
-Oh, mas...
- Esqueça. Já adiei a reunião. - Ele pegou uma caixa embaixo de cada braço. - Onde vamos colocar isso?
Ela mostrou-lhe o armário.
- Espero que isso não o faça perder o investimento.
- Não fará. Pessoas que querem o melhor estão acostumadas a esperar para conseguir o que querem.
- E você é o melhor, claro - zombou Emily. - Não é arrogância sua?
- Não é arrogância ter segurança de suas próprias habilidades. - Ethan pegou mais caixas, enquanto Emily reunia os itens do banco traseiro do carro. - Você é a melhor no que faz?
- Sempre dou o melhor de mim.
- Não é a mesma coisa - declarou ele. - Embora suponha que colar porcelana chinesa não seja um campo muito competitivo.
Emily ia discutir quando percebeu que ele a estava provocando de propósito. Um engenheiro conheceria as complexidades envolvidas em qualquer tipo de restauração.
- É um pouco mais complicado do que isso. Na verdade, uso mais adesivos do que cola.
Ela entregou-lhe as chaves e pediu-lhe que tirasse o carro de Julie do caminho, pelo puro prazer de vê-lo ao volante de um velho carro temperamental. E o viu praguejando quando o carro engasgou entre as mudanças de marcha.
- Não está acostumado com um carro de câmbio manual? - perguntou ela no momento em que ele devolveu-lhe as chaves.
Ethan resmungou:
- Essa coisa devia virar sucata!
- Nem todos podem ter um BMW - disse ela enquanto se dirigiam para o veículo prateado dele,. - Mas darei o seu recado a Julie.
- Onde mora sua amiga?
Emily não foi enganada pelo tom casual.
- Por que quer saber?
- Por que não quer me contar?
Emily percebeu que aquele era o começo de um interrogatório e passou o resto do trajeto evitando respostas, embora tivesse lhe contado um pouco sobre a Quest Restorations, revelando seu orgulho profissional pela atividade do avô e mencionando as dificuldades de dirigir um negócio com clientes que eram, em geral, excêntricos. Ethan contou que sua companhia multimilionária começara de um jeito modesto, com o simples projeto de construir uma casa no topo de um penhasco em uma ilha no Pacífico sujeita a ciclones. "O Refúgio", como ele o chamara, tinha feito sua reputação entre os milionários.
Emily percebeu, todavia, que estava demorando muito para chegarem ao destino, que ele estava ignorando as indicações dela.
- Eu conheço os atalhos - reclamou Emily quando eles fizeram outra virada desnecessária.
- Atalhos nem sempre são mais rápidos. As placas funcionam. Confie na tecnologia.
Emily fez uma careta.
- Trabalho com pouca tecnologia. Prefiro mãos, olhos e um julgamento humano a computadores sem alma.
- Computadores me ajudam a criar projetos estruturais que levariam infinitas horas de trabalho com lápis e régua. Eles têm alma. Uma alma puramente matemática.
Emily detestara matemática na escola. Observou as mãos dele sobre o volante, os músculos poderosos dos braços. As mangas enroladas revelavam pêlos escuros, que pareciam macios e sedosos contra a pele clara.
- Você acha que a vida pode se resumir a um monte de números? - questionou ela, para tentar tirar a mente dos pensamentos de como seria fazer amor com Ethan. Aquele corpo sólido e maravilhoso sobre o seu, aquelas mãos grandes e poderosas...
Ela olhou pela janela, temendo que seus pensamentos pudessem estar escritos em seu rosto culpado. Estava tão preocupada em tentar controlar as imagens eróticas que não percebeu que eles haviam virado numa < rua familiar, até que o carro freou bruscamente.
- Meu Deus! - exclamou Ethan, olhando a casa manchada de preto, com fitas adesivas amarelas nas portas e janelas, as quais ficavam no centro de um jardim lamacento e destruído. O lado direito do piso inferior estava repleto de janelas quebradas e madeira queimada, enquanto manchas de fumaça e água borravam o resto da estreita fachada.
- Onde era o seu quarto? - perguntou Ethan, saindo do carro e andando até o gramado queimado.
Ela o seguiu. Então apontou para uma janela acima de onde fora seu estúdio, a qual as chamas haviam destruído em grande parte.
- Meu Deus, você podia ter morrido dormindo - murmurou ele, os olhos estudando profissionalmente a estrutura, notando as vigas de apoio dentro do forro arquitetural, percebendo as tábuas pregadas ao acaso.
- O alarme do estúdio me acordou - explicou ela.
- Inalei um pouco de fumaça quando desci e tentei pegar o extintor de incêndio na cozinha.
Ele a fitou.
- Você não saiu imediatamente da casa? No que estava pensando? Inalar a fumaça é tão perigoso quanto calor e chamas. Pior, porque é traiçoeiro... você não percebe o problema até que seja tarde demais!
- Eu sei - murmurou Emily, desconcertada pela raiva dele.
-Pode ter efeitos permanentes, também. Espero que você tenha recebido tratamento adequado.
- Fui levada para o pronto-socorro naquela noite, e Peter insistiu que eu consultasse um médico alguns dias depois, para se certificar de que estava tudo bem.
Ela esperou que Ethan perguntasse quem tinha pagado a consulta médica, mas em vez disso ele apenas a olhou com dureza e voltou-se para a casa.
- Ali, perto do portão, é tudo o que queremos daqui
- disse ela, tentando direcioná-lo para uma pequena pilha de caixas cobertas com sacos de lixo, escondidas nos arbustos. O bairro era seguro, mas ela preferira não arriscar durante o curto tempo que ficaria fora.
Mas Ethan tinha outras coisas em mente.
- Quanto você perdeu? Quero dizer, em termos de inventário... quantos itens valiosos que pertenciam a clientes estavam estocados no estúdio? - Ele andou para a lacuna onde parte da cerca branca de estacas fora derrubada para que os carros de bombeiros pudessem passar.
Emily identificou a curiosidade no tom dele e deu uma risada amarga enquanto o seguia com relutância. Evidentemente, Ethan pensava como o homem da companhia de seguros.
- Nenhum, infelizmente. Precisei despedir dois empregados depois que meu avô morreu. Sendo assim, consigo me concentrar em apenas um trabalho de cada vez, e, já que eu tinha acabado de entregar um trabalho para um comerciante e iria pegar outro do museu no dia seguinte, as prateleiras estavam vazias, exceto por algumas relíquias de família, mas nada que pudesse ser considerado um tesouro.
- E por que isso foi uma infelicidade? Parece-me que você teve muita sorte. 
- Sorte demais - murmurou ela, diminuindo os passos quando eles chegaram à margem da sombra formada pela casa. - Minha companhia de seguros parece pensar que é muita coincidência isso ter acontecido justamente no dia que eu não tinha nada de valor lá.
- Ou seja, você sofreu danos materiais, mas não perdeu nada extremamente valioso que pudesse levar um cliente a fazer um escândalo. - Ele assentiu. - Eles acham que você armou isso... ou mandou alguém fazer o serviço.
- Essa é uma das teorias. - Emily suspirou, mais perturbada pelo ar de abandono da casa do que gostaria. - Eles parecem ter diversas teorias ridículas, e todas levam tempo para investigar. Ei... aonde pensa que vai? - gritou, segurando a manga da camisa de Ethan.
Ele desvencilhou-se com facilidade, seguindo em direção ao que restava do estúdio.
- Fique aqui. Vou dar uma olhada. O coração de Emily disparou.
- Você não pode! - Ela o seguiu, dessa vez segurando-lhe o braço. -A fita amarela está aí para manter todos fora - insistiu em pânico enquanto se aproximavam do canto da casa. - Somente pessoas autorizadas podem entrar.
- Eu não vou entrar, só quero dar uma olhada em uma ou duas janelas.
Ela apertou-lhe o braço.
- Você não pode se aproximar mais... Se fizer isso, terei problemas.
Ethan olhou para os dedos dela em seu braço, então para o rosto pálido. Os olhos de Emily estavam dilatados, e a respiração, ofegante.
- Qual é o problema, Emily? - disse ele, tirando a mão dela do seu braço. - O que tem aqui que você não quer que eu veja?
Oh, é claro, a primeira reação era suspeitar de que ela fosse criminosa, pensou Emily amargamente.
- Você não pode ver nada. Está escuro aí. É perigoso.
- Serei cuidadoso. - Ethan virou-se e deu um passo.
- Você está invadindo minha propriedade - gritou Emily, parando-o no seu segundo passo.
Ele virou-se com o semblante ultrajado.
- O quê?
Ela engoliu em seco.
- Esta é minha propriedade, e ordeno que saia imediatamente. Se não sair, posso chamar a polícia e mandar prendê-lo por invasão. Não ouse dar mais um passo em direção à casa! - Emily estava quase gritando agora.
Os olhos de Ethan se tornaram gelados enquanto considerava os méritos do blefe dela. Então, enfiou a mão no bolso traseiro do jeans e pegou um celular.
- Aqui. - Abrindo-o, estendeu a ela. - Pegue. Faça a ligação, se é o que quer, mas enquanto você telefona, vou dar uma olhada ao redor.
Ele jogou o celular, mas Emily nem tentou pegar, e o aparelho caiu na grama a seus pés.
- Não faça isso - sussurrou ela, abraçando a si mesma enquanto Ethan continuava andando. - E se não for seguro? E se alguma coisa cair sobre sua cabeça, ou você desaparecer num buraco e nunca mais voltar?
Emily fechou os olhos com força, tentando afastar as imagens dos desastres em potencial. Tudo o que amava, tudo o que considerava sólido e substancial parecia estar se dissolvendo diante de seus olhos, deixando-a com nada, além de lembranças tristes.
- Nada irá me acontecer. - Subitamente, as mãos quentes de Ethan estavam esfregando seus braços frios, e o tom de voz agora era carinhoso e reconfortante. -Acalme-se, Emily. Não vou desaparecer de repente, prometo.

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