Capítulo 14.

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E ele a faria parecer patética, uma tola iludida.
Ela olhou para a mão estendida de Ethan. Sabendo que não tinha escolha, passou por ele, enfiou as mãos nos bolsos dos jeans e foi para a porta. Certificou-se de trancar o estúdio e guardar a chave no bolso antes de segui-lo para o caminho de cascas picadas de árvores - projetado, Ethan a informou, para lembrar pétalas de rosas quando visto de cima.
- Eu não notei isso olhando do terraço - murmurou ela.
- Eu quis dizer diretamente de cima, do ar. - Ele dirigiu-se para os degraus de pedra que os levariam ao gramado em frente à piscina.
Emily o olhou de lado, a respiração acelerando quando descobriu os olhos azuis de Ethan no decote de sua blusa.
- Por que Rose faria isso? Pensei que ela tivesse medo de voar.
Ethan explicou que, embora tivesse sido Rose quem originalmente criara a idéia dos jardins de rosas escalonadas, com o passar dos anos a paixão dela por porcelanas transcendera sua paixão por jardinagem. Uma vez que tinha sido Ethan quem fizera o árduo trabalho físico quando era adolescente, parecera natural continuar de onde ela havia abandonado e reproje-tar todo o jardim. Plantar era um bom jeito de relaxar, explicou para a boquiaberta Emily.
- Você planta flores?
- Isso me faz parecer menos monstruoso? - perguntou ele quando desceram no gramado de frente para o terraço inferior, cercado de rosas deslumbrantes. -Mais com uma pessoa com quem você possa conversar?
Ela o olhou incerta, toda a tensão voltando quando Ethan indicou o banco em uma pérgula coberta de rosas, então meneou a cabeça, desconcertada, no momento em que ele sentou e olhou-a com expressão interrogativa. Emily parou à entrada, tocando as folhas das rosas que cobriam um dos pilares de apoio.
- Nunca achei que fosse difícil conversar com você.
- Pare de adiar. Perguntei sobre você a Michael. Michael Webber - acrescentou Ethan. - Liguei para ele alguns dias depois da festa, antes que fosse para a clínica de reabilitação. Ele nem mesmo se lembrava de você.
- Graças a Deus - exclamou Emily antes de perceber o que tinha dito. - Por que está perguntando?
- Minha consciência, entre outras coisas. Tive a impressão de que você estava fazendo alguma coisa errada, não estava? Conversei com Sean Webber...
- Você falou com Sean sobre mim? Recentemente? - interrompeu Emily, nervosa.
- Conversei com Sean sobre um investimento que estou pensando em fazer em Xangai, cuja área é especialidade dele. Mencionei seu nome só de passagem e ele mordeu a isca, mas não de maneira maldosa... então concluí que qualquer coisa que você tenha feito foi bem-sucedida, e que não o fez por orgulho ou por dinheiro, mas por algum motivo ainda inexplicável. - O tom de voz indicava uma pergunta, não uma afirmação.
Emily engoliu em seco, rasgando uma folha.
- Eu estava desesperada.
- E?
Ela respirou fundo.
- Não sei por onde começar.
- Presumo que isso tem alguma coisa a ver com seu avô. O que ele tinha? Alzheimer?
Quando ela arregalou os olhos, ele murmurou:
- Não sou tolo, Emily. Você está protegendo alguém, e obviamente não é a si mesma, ou não estaria fazendo um trabalho tão ruim nisso.
Ela suspirou.
- Não foi Alzheimer, mas uma doença tão devastadora quanto, no caso de vovô. Ele desenvolveu um tremor na mão direita... um problema neurológico chamado tremor de atenção. A mão tremia sempre que ele começava a fazer alguma coisa. Não acontecia quando estava relaxado, e, por um bom tempo, ele conseguiu esconder de mim, de todos. Mas é uma doença incurável e progressiva. Quando chegou ao ponto de comprometer o trabalho dele, vovô ficou muito deprimido. - Ela olhou para a folha, dobrando-a. - Enquanto isso acontecia, conheci um homem em um seminário em Wellington, Conrad Nichols... um outro restaurador, alguém que senti... que pensei - ela gaguejou, sentindo que Ethan se inclinava para a frente, o interesse se intensificando.
- Ele parecia muito sincero, elegante...
- Bonito?
Ela corou com o cinismo de Ethan, que claramente via para onde aquilo estava indo.
- Muito bonito. Ele estava procurando emprego, então eu o apresentei a vovô, e Conrad foi trabalhar conosco.
- Você estava apaixonada por ele - concluiu Ethan.
- Eu... Ele era alegre e charmoso - admitiu Emily.
- Era fácil confiar nele. Foi idéia de Conrad ajudar meu avô, ser seu braço direito. Fiquei aliviada, porque vovô era muito orgulhoso... até mesmo despediu nossos dois empregados, porque não podia suportar a idéia de alguém vê-lo definhar, de perder o respeito. Então, enquanto eu tentava compensar as perdas construindo minha própria lista de clientes, presumi que vovô estava supervisionando tudo o que Conrad fazia... Mas ele se cansava com facilidade, enquanto Conrad assumia cada vez mais responsabilidade no trabalho. O conhecimento e a experiência dele, no entanto, eram superficiais. Não tinha a paciência para ser um grande restaurador, conseguia trabalhar apenas cumprindo ordens. Em vez disso, arrumou trabalhos sob o nome - Quest, embolsou o dinheiro, alegando que vovô fazia os serviços que ele nunca tinha visto. Foi só quando diversas peças voltaram para ser refeitas que percebi o que estava acontecendo, mas então Conrad havia fugido com todo o dinheiro. - Emily ouviu Ethan praguejar, mas apressou-se, querendo acabar logo a terrível confissão: - Tivemos de fazer empréstimos e trabalhar de graça para acertar as coisas, mas, graças a Deus, o nome James Quest ainda tinha peso para deter os rumores.
Infelizmente, Conrad tinha deixado um problema para trás, que Emily descobriu mexendo em alguns papéis no estúdio. Era uma restauração que ele fizera antes de desaparecer, na qual usara o fixador errado, um adesivo de contato de péssima qualidade, que em pouco tempo começaria a mudar de cor, tornando-se óbvio até para olhos inexperientes. Para piorar as coisas, já havia enviado o frasco chinês do século XVII para o dono, que teria fundamentos para acusar James Quest de fraude ou, no mínimo, de incompetência criminosa.
- Sean Webber - adivinhou Ethan, e Emily assentiu.
- Liguei para explicar que houvera uma confusão, mas os Webber estavam fora do país. Conrad enviou a peça sem nem mesmo checar se eles estavam lá - disse ela com raiva. - Michael assinou pela encomenda, então pensei que teria a chance de pegar o frasco e restaurá-lo novamente, antes que Sean o visse, mas quando falei com Michael ao telefone, ele disse que eu teria de esperar o pai dele voltar de viagem. Então, arranjei para que me convidasse para a festa e fiz uma troca temporária.
- Você roubou a peça de volta - disse Ethan com um misto de incredulidade e admiração. - Não acredito que seu avô a tenha deixado correr um risco desses.
- Ele não sabia. Já estava abalado com o ocorrido, e preferi poupá-lo.
- Então, fez tudo sozinha. E se alguém tivesse visto a troca dos frascos? Você se arriscou demais! -A admiração de Ethan se transformou em raiva.
- Eu sei, mas precisava arriscar. E deu certo. Tudo o que tive de fazer foi remover o adesivo, desmanchar o frasco, limpá-lo e colar de novo. Só levou alguns dias. - Alguns dias sem dormir ou comer direito, em constante estado de ansiedade toda vez que o telefone tocava.
- Assim que Sean Webber chegou de viagem, liguei e expliquei que ocorrera um erro no envio da mercadoria, e que ele recebera o frasco de outro colecionador... um que estava intacto, e tinha um padrão diferente. Quando fui fazer a troca, ele não desconfiou e ficou satisfeito que a restauração estivesse perfeita. Portanto, tudo deu certo no final - murmurou Emily com um suspiro.
Mas Ethan ainda não estava satisfeito. Levantando-se, pegou as mãos de Emily nas suas.
- Mas como você conseguiu um frasco substituto de qualidade em tão pouco tempo? Certamente, eles são raros.
Ela desviou os olhos, umedecendo os lábios secos. Deveria saber que tal detalhe não escaparia a Ethan.
A curiosidade dele logo se transformou em suspeita. Deus, ele era rápido!
- Emily? - Ethan apertou-lhe as mãos, avisando-a para não mentir.
- Sim, foi da coleção de Rose - confessou ela envergonhada, olhando para a vista gloriosa dos morros ao sul. - Pedi a Peter, e ele me emprestou por alguns dias. Sabia que era para ajudar meu avô, mas nem mesmo perguntou por quê. Você deve achar que me aproveitei do seu tio, quando Rose estava tão doente, e é verdade. Sei que me aproveitei. Tantas coisas poderiam ter dado errado... mas quando contei tudo a Peter depois, ele me perdoou, disse que compreendia.

Emily não acreditava que Ethan teria uma visão tão compassiva, por isso ficou perplexa quando, após uma pausa, ele murmurou:
- Você realmente é uma pequena ladra, não é, Emily? Ela olhou para o rosto dele, manchado pela sombra
das videiras trançadas, de modo que era difícil ver-lhe a expressão. Emily deu um passo atrás, puxando-o para a luz do sol, para que pudesse interpretar melhor a estranha nuança que tinha ouvido na voz dele.
- Então, você estava certo sobre mim o tempo todo? - perguntou ela bravamente.
- Estava? - replicou ele, baixando as mãos unidas dos dois enquanto se aproximava mais, entrelaçando os dedos com os dela. - Você quer dizer, desde o primeiro momento em que eu a vi na festa?
- Oh, meu Deus. - Ela apertou os dedos longos e fortes. -Aquela festa horrível... foi como um pesadelo.
- E eu entrei bem no meio do seu pesadelo.
- Parecendo um anjo vingador.
- Oh, acredite em mim, eu estava longe de me sentir angelical naquele momento. - Ele gentilmente levou o braço dela para o seu corpo, esfregando-lhe o dorso da mão contra a parte frontal de sua calça, de modo que não houvesse engano quanto à sua intenção. - Não mais do que me sinto agora...
Ela gemeu, contraindo-se de modo involuntário, incitando um gemido baixo de Ethan quando ele a puxou para si, roçando seu corpo no dela com sensualidade, num convite explícito.
- Devemos, Emily? - sussurrou Ethan com voz rouca contra o rosto rubro pelo choque e excitação dela. - Devemos absolver um ao outro dos pecados passados e substituir o pesadelo por um sonho selvagem e adorável? Não me diga que você não fantasiou sobre isso... sobre o que poderia ter acontecido se eu tivesse aceitado seu convite naquela noite - murmurou, ciente dos desejos proibidos de Emily. - Eu fantasiei. E é assim que tudo começa... você e eu... e isso...

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