Capítulo 4.

9.1K 507 12
                                    

James Quest tivera uma sólida reputação como restaurador de cerâmicas, mas o fato de Emily ter treinado e trabalhado com o avô desde sua adolescência, e construído as próprias realizações, não fora suficiente para convencer todos os clientes de que era uma artesã talentosa por natureza, perfeitamente competente para lidar com os futuros encargos deles.
- Ofereci para que Jeff a apanhasse e a levasse a qualquer lugar que quisesse - disse Peter.
- Eu sei, mas não achei que chegar num Rolls-Royce com chofer causaria a impressão certa no agente de seguros - murmurou ela. - Não quando fiz uma reivindicação alegando dificuldades financeiras!
- Ele poderia saber que você tem alguns amigos influentes.
- Tenho certeza de que isso não será necessário -disse Emily, ciente da atenção da sra. Cooper. - O processo está no começo ainda, entretanto...
Mas não tão no começo para que ela não se preocupasse sobre o que ia fazer se a companhia de seguros decidisse contra o pagamento total dos danos.
Era difícil acreditar que fazia somente quatro noites que acordara com o toque insistente do alarme de incêndio do estúdio no andar inferior, e sairá da cama para encontrar uma grossa fumaça subindo a escada. O peito se comprimiu com a memória sufocante. A casa na qual seus avós haviam morado durante toda a vida de casados... e o único lar verdadeiro que Emily tinha conhecido... uma construção velha de madeira nativa. O piso inferior e a garagem adjacente estavam em chamas quando os bombeiros chegaram, más o trabalho rápido dos homens conseguiu salvar o piso
superior, apesar dos danos causados pela água das mangueiras. Restava saber agora se a casa seria reparada ou se o dano estrutural tinha sido tão grande que teriam de demoli-la.
- O que eles reportaram sobre a causa do fogo?
Emily deslizou os dedos pelos cachos castanhos desordenados.
- Apenas que começou no estúdio, mas estão esperando por testes, a fim de descobrirem se foi algum produto químico, ou algo assim. Parte do problema é que o serviço de bombeiros ainda está investigando os estragos causados pelos fogos de artifício, rojões e fogueiras da celebração da captura de Guy Fawkes. Aparentemente, novembro é um mês de incêndios inesperados.
- Então, eles acham que pode ter sido deliberado? - perguntou Peter, o semblante preocupado.
- Não sei... o agente me fez diversas perguntas sobre o modo como guardo minhas colas, meus solventes e materiais de limpeza. Vovô James sempre foi muito cuidadoso com esse tipo de coisa. Insistia que eu fosse organizada para guardar o material todas as noites. Eu nunca teria sido tão descuidada, deixando combinações perigosas de produtos químicos ou inflamáveis ao redor - enfatizou ela.
- É claro que não, portanto, não se preocupe. Eles não vão achar nada para culpá-la do incêndio - murmurou Peter.
- Contanto que não levem meus clientes a pensar que trabalho em seus tesouros num ambiente sem segurança. - Emily suspirou. - Não tenho condições de
perder clientes de novo. Acabo de começar a prosperar pela primeira vez desde que vovô morreu...
- Mais uma razão para você mostrar-lhes que continua capaz de trabalhar. Venha ver se aprova o que eu fiz. - Ele pegou o cotovelo de Emily e conduziu-a para o escritório, olhando para a governanta de modo cons-piratório. - Não está na hora de um chá, Coop? E que tal aqueles seus fabulosos bolinhos?
Ela quase sorriu do elogio.
- Eu já ia pôr a chaleira no fogo para a srta. Quest. Mas terão de ser bolinhos de baixa caloria. Sabe o que o médico falou.
Peter fez uma careta.
- Não é fácil quando um homem velho tem de fazer dieta.
Dez minutos depois, Emily estava gaguejando em choque enquanto andava nos fundos no estábulo holandês, trilhando a mão sobre as bancadas originais e prateleiras cheias. Iluminação perfeita vinha das janelas, revelando suas feições atônitas. Uma pia dupla estava instalada sob uma fileira de gabinetes e um extrator de ar jazia debaixo de um compartimento de spray de material plástico transparente, fixado a uma das bancadas. Ao lado de uma mesa forrada de espuma, havia um carrinho de rodas com uma variedade de ferramentas e materiais sobre a superfície de madeira... facas e estiletes de artesão de diferentes tamanhos, lixas e agulhas, pincéis, espátulas, pinças, algodão, cerâmica branca, materiais abrasivos, fixadores, pós e gesso.
Podia não ter tudo o que um restaurador usava, mas tinha mais do que apenas o material básico. Havia até mesmo um pacote de luvas descartáveis e um par de óculos de segurança.
- Quando você disse que me daria algum lugar para trabalhar até que o seguro pagasse, pensei que falava de um espaço vazio. Nunca esperei um estúdio totalmente equipado - gaguejou Emily.
- Você já devia saber que não faço nada pela metade - disse Peter, satisfeito com a reação dela. - Este lugar é à prova de fogo, a propósito. E tenho detectores de fumaça e calor.
Tudo tinha a aparência e o cheiro de novo.
- Como você conseguiu fazer tudo isso em menos de uma semana?
- Trabalhei no mercado de ferragens por mais de trinta anos - replicou ele com orgulho. - Com vontade e contatos certos, qualquer coisa é possível. - Peter era um homem sem qualificações formais, mas a atitude positiva e determinada o fizera construir um negócio de franquia internacional.
Emily meneou a cabeça, impressionada pela generosidade dele.
- Não acredito que fez tudo isso para mim. E demais, Peter. Nunca poderei pagá-lo...
- Quem está lhe pedindo pagamento? - interrompeu ele. - Isso não é apenas para você. Vou me beneficiar também, lembra-se? Você vai restaurar todas as peças que Rosa não conseguiu enquanto estava viva. E essa jarra chinesa... você disse que levaria no mínimo um mês para restaurar. Eu não poderia deixá-la fazer o trabalho em um lugar restrito, sem as ferramentas próprias... Rose se remexeria no túmulo. Ela sempre gostou de você, acreditando que seria uma artesã ainda melhor que seu avô.
Emily engoliu um nó na garganta. Como sempre acontecia toda vez que mencionava a esposa, a expressão de Peter era melancólica, e ela sentia a forte empatia que vinha encorajando sua amizade com ele durante os últimos anos.

AMANTE ACIDENTAL Onde histórias criam vida. Descubra agora