Capítulo 2.

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Com isso em mente, reuniu coragem para encarar o homem imenso e musculoso que tentou impedi-la de entrar no pequeno hall que levava à ala familiar da casa.
- A festa é lá - murmurou ele, plantando uma bota preta na parede diante dela, barrando-lhe o caminho com a perna, e apontando com uma garrafa de cerveja sobre o ombro de Emily.
- Estou na festa privada - argumentou ela. - Saí para buscar mais drinques, lembra?
- Oh, sim, era você - murmurou ele, abaixando a perna num movimento brusco. - Por que demorou tanto?
Ela imaginou-se derramando a cerveja sobre a cabeça dele e deu-lhe um sorriso estonteante.
- Havia uma longa fila para o toalete.
- Hã? - Os olhos dele se iluminaram com um sorriso perverso. - Oh, entendo. Trouxe o bastante para mim?
Oh, Deus, ele havia entendido errado!, percebeu Emily, o sorriso desaparecendo.
- Desculpe, talvez na próxima viagem - disse ela afobada, indo para a porta sólida de metal no fim do corredor.
Não havia alto-falantes instalados lá, e o som da festa mal penetrava as paredes grossas e portas pesadas da sala de "proteção" mobiliada com opulência.
Os olhos dela foram diretamente para a mesa lateral contra a parede, oposta ao sofá de couro branco. O frasco "peregrino" de porcelana chinesa ainda estava lá, pequeno e modesto, sua beleza delicada não notada pelos outros quatro ocupantes da sala iluminada pelo abajur.
Emily se aproximou do homem relaxado no sofá. Sabia que ele tinha trinta anos, mas Michael Webber, ou "Mikey", parecia anos mais jovem, o rosto fino quase sem forma em sua falta de personalidade. Ele aceitou a bebida que Emily lhe entregou, com um sorriso tolo e mão trêmula.
- Desculpe fazê-lo esperar, mas está uma loucura lá fora - murmurou ela.
- Sem preocupações, querida. - Ele pegou a garrafa de cerveja também, e Emily o estudou. Mikey estivera apenas bêbado quando ela partira, mas agora estava bastante alterado, julgando pela expressão do seu olhar. Havia uma loira de cabelos pintados sentada em seu colo, que a fitou com superioridade e apontou para o drinque na mão de Emily.
- Eu fico com esse - disse.
Mikey fez um brinde incoerente com a garota em seu colo, e com a ruiva e a morena, uma de cada lado... as três mulheres com quem vinha se divertindo a noite toda. Tipicamente, parecia não lembrar do nome de nenhuma delas, mas dirigia-se a todas como "querida". Ele ergueu o copo e disse:
- Saúde, garotas!
Todos riram, exceto Emily, que percebeu que havia perdido algo que a tornara a estranha do grupo. No momento, todos a ignoravam, mas ela não sabia se podia confiar em que aquilo duraria. Pelo menos, tinha certeza de que nenhum deles poderia ser considerado testemunha confiável, se algo desse errado.
Consciente de que ainda tinha de fingir, Emily assumiu uma expressão zangada e moveu-se sobre a bolsa que deixara atrás de uma poltrona branca. Fez uma grande encenação de irritação enquanto cuidadosamente vasculhava a bolsa, murmurando dentro do couro preto abafado. Quando achou um batom barato e um espelho compacto, Mikey tinha começado uma de suas histórias sem sentido, e as três mulheres estavam em volta dele como cobras. Emily aproximou-se mais da mesa com o frasco.
Bloqueando a vista do sofá com suas costas, abaixou a bolsa aberta ao nível da superfície polida. Com o coração disparado, enfiou a mão e retirou a tampa da caixa do centro da bolsa com uma grossa almofada de plástico-bolha. Seus nervos estavam à flor da pele, mas ficou orgulhosa ao ver que a mão estava firme. Acostumada a manusear objetos finos e frágeis, seus dedos delgados removeram as camadas de lenço de papel e ergueram o pequeno frasco branco e azul de seu ninho macio.
Com um movimento suave que praticara repetidas vezes no estúdio de sua casa, colocou o frasco abobadado no topo da mesa com delicada precisão, e quase simultaneamente pegou o que estivera ali. Era pequeno o bastante para caber na palma de sua mão, mas mesmo assim segurou-o com a ponta dos dedos. Com um tremor, seus olhos profissionais encontraram e traçaram uma linha quase imperceptível que indicava uma rachadura restaurada inadequadamente. Já estava começando a desbotar, e com o tempo ficaria óbvio até para os leigos. A raiva a assolou momentaneamente enquanto olhava para a evidência da traição que sofrerá.
Percebendo um súbito silêncio atrás de si, rapidamente guardou o frasco na caixa preparada dentro da bolsa, olhando de lado para encontrar um par de olhos azuis familiares que a observavam da porta, condenando-a.
O pavor congelou-lhe o semblante, enquanto seus dedos continuavam a trabalhar cegamente, embrulhando a porcelana em camadas de lenço de papel e recolocando a tampa na caixa. Ela viu o estranho olhar do frasco sobre a mesa para sua mão, quando esta foi retirada de dentro da bolsa, inocentemente segurando um porta-batom.
Havia quanto tempo ele estava parado lá e o quanto vira realmente? Aqueles olhos gelados haviam assistido ao processo inteiro da troca, ou ele acabara de chegar e percebera apenas seus movimentos furtivos?
Infelizmente, ele parecia estar completamente sóbrio, porém, as aparências podiam enganar. Devia ter cerca de trinta anos, quase dez mais velho que Emily, e as feições pálidas e angulares eram repletas de arrogância.
Ele seria tão austero e tedioso quanto a aparência sugeria? Se assim fosse, o que estava fazendo numa festa como aquela?
As perguntas passavam pela cabeça de Emily enquanto se forçava a fechar a bolsa incriminadora, abrir o estojinho e começar a passar o batom vermelho com fingida concentração.
Preparando-se para a denúncia do homem, prendeu a respiração quando ele entrou na sala e, ao olhar por sobre o ombro, viu o segurança no hall atrás dele guardar uma nota no bolso do jeans enquanto se afastava da porta que fechava sozinha.
Um suborno de cem dólares?!
Oh, Deus, pensou Emily, isso não pode ser bom!
Ela acabou de passar o batom, rolando os lábios unidos para disfarçar o contorno borrado que sua mão trêmula havia causado.
Tensa, observou o intruso enquanto guardava o porta-batom no compartimento lateral da bolsa e colocava a alça seguramente sobre o ombro. Ele ainda a estudava, suspeita e desaprovação estampadas no semblante arrogante. Pelo menos, não estava apontando um dedo acusador.
Talvez não tivesse visto nada, afinal. Talvez não soubesse que ela era culpada de alguma coisa, e sua reação fosse apenas um reflexo do encontro anterior deles.
De maneira afobada, Emily ergueu a cabeça, assumindo uma postura ofensiva, encarando-o diretamente e, com os lábios vermelhos, lançou um beijinho extravagante no ar.
Então, meneando os quadris, aproximou-se dele e segurou-lhe a gravata preta num gesto sensual.
- Você está arrumado demais para nossa festa privada, não está? - provocou ela com voz rouca.
Ele segurou-lhe a mão e lentamente forçou-a para a lateral do corpo de Emily. Uma excitação perversa percorreu o corpo dela com o toque, e sentiu-o tensionar, uma pequena chama azul brilhando nos olhos de gelo.
Emily inclinou-se para mais perto, até que a ponta de seus seios roçasse o paletó dele, e adicionou o insulto final:
- Ou você paga só para assistir?
Mais tarde, ela tremeria com o risco tolo que correra, mas suas táticas ousadas funcionaram. A expressão fria dos olhos azuis voltou, a chama do fogo desaparecendo.
- Não considero sexo um esporte de espectador -disse ele numa voz profunda. - Nem é nada que eu pague para fazer. Portanto, se me der licença, tenho algumas perguntas para o seu charmoso anfitrião.
E, com isso, ele passou por ela para começar uma conversa com o desorientado e defensivo Mikey.
Emily estava livre!
Livre para sair da sala, da casa e de um mundo de problemas.

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