Capítulo 10.

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Emily estava sentada à mesa da varanda, esperando que a sombra proporcionada pelo guarda-sol disfarçasse o leve inchaço que podia sentir ao redor da boca.
Do outro lado da mesa, Ethan West mexia em sua xícara de café, e com os nervos de Emily. Ele também estava sentado na sombra, mas por um motivo diferente. Ao levar a bandeja, a sra. Cooper colocou a cadeira favorita de Ethan sob o guarda-sol.
- Ele se queima facilmente - explicou para Emily, colocando o prato de bolinhos sobre a mesa. - Ethan é muito sensível.
- Posso ver - zombou Emily. - Ele tem um contato tão maravilhoso com o lado feminino.
Ethan passou a mão pelo maxilar, escondendo um sorriso enquanto a sra. Cooper voltava para dentro da casa.
- Ela está se referindo apenas aos efeitos do sol - esclareceu ele. - Herdei essa suscetibilidade da minha mãe. Ela era uma verdadeira ruiva... tanto na aparência quanto no temperamento.
Isso explicava as mechas avermelhadas nos cabelos dele e a falta de bronzeado num homem que passava muitas horas ao ar livre.
Emily sabia que os pais dele haviam morrido num acidente de avião muitos anos atrás, mas recusou-se a deixar o comentário suavizar suas defesas.
- Então, você herdou traços leves do lado materno, e traços fortes do outro - murmurou ela, deixando-o pensar no significado daquilo.
-Na verdade, tenho a cabeça fria e uma personalidade estável - disse ele, e passou uma das mãos pelos cabelos. - Mas se você quiser que eu lhe prove que sou um ruivo natural, ficarei feliz em fazê-lo.
Emily quase se levantou de raiva.
- Isso não será necessário.
- Uma pena.
- Você sempre tem de levar tudo para o lado sexual? - Ela pegou um bolinho e deu uma mordida.
- Eu estava falando sobre sexo? - disse Ethan inocentemente. - Pensei que estivéssemos discutindo genética, eu me referia a mostrar as fotografias das gerações de ruivos West. O que achou que eu quis dizer?
Ele também pegou um bolinho e mordeu de forma sensual, prendendo o olhar dela enquanto mastigava.
O lábio inferior de Emily tremeu de leve com a lembrança daquela boca habilidosa na sua.
- Seu irmão também tem mechas vermelhas nos cabelos?
- Nem um traço. Ele é loiro, a cópia perfeita do meu pai, e parece ter uma filosofia de vida muito similar.
- E qual seria?
Ethan deu um sorriso irônico.
- Viva como se não houvesse amanhã, morra jovem.
Emily suspirou. Malcolm West tinha apenas quarenta e poucos anos quando morrera no seu avião pessoal.
Antes do falecimento, ele ganhara... e perdera... diversas fortunas, dirigindo companhias áreas de baixo custo ao redor da região do Pacífico Sul, e Emily imaginou se a rigidez e a natureza desconfiada de Ethan eram uma reação natural contra os efeitos devastadores de uma infância sofrida.
- E qual é a sua filosofia pessoal? - perguntou ela, vendo a chance de penetrar um pouco na mente dele.
Mas Ethan não estava cooperando.
- Viver um dia de cada vez e morrer velho - replicou ele. Comeu o bolinho em duas mordidas, deu um gole no café, então pegou outro.
- E quanto a seus pais? - Ethan virou o jogo para ela. - Com qual dos dois você se parece mais?
A pergunta parecia inocente, mas Emily já estava ciente dos truques verbais dele. Inclinou-se sobre a mesa para se servir de água, enquanto pensava numa resposta segura.
- Com nenhum dos dois. Ambos são muito altos e loiros. E extremamente magros - acrescentou, desejando que não o tivesse feito quando o olhar de Ethan foi direto para seus seios. - Mas isso pode ter sido o resultado de muita generosidade, em vez de genética - finalizou Emily. - Eles tendem a dar tudo o que possuem e viver com migalhas.
A curiosidade o fez erguer os olhos para o rosto dela.
- Por quê? Onde eles moram?
- Em todos os lugares e em lugar algum.
- O que isso significa?
- Significa que nunca param muito tempo em lugar algum. No momento, estão na África, em uma de suas missões.
-Seus pais são missionários! —A incredulidade dele foi a recompensa de Emily.
No momento em que Ethan colocou a xícara no pires, uma gota de café espirrou sobre o topo de vidro da mesa. Emily observou, com malícia silenciosa, quando o punho da camisa azul impecável foi manchado pelo líquido preto.
Por um instante, pensou em fazê-lo acreditar que era filha de um vigário, mas foi impedida pela chegada de Peter, que estava ansioso para participar da conversa.
-Não missionários, embora eles pareçam ir ao extremo do altruísmo com o mesmo fervor - disse Peter, explicando o trabalho dos pais de Emily enquanto se aproximava, mancando levemente, e se sentava com os dois.
- Como foi a conversa com Robinson? Resolveu as coisas que precisava? - Ethan perguntou ao tio.
A mudança repentina de assunto pareceu confundir Peter.
- O quê? Oh, sim. Apenas um probleminha trivial.
- Nenhuma tentativa de conseguir os serviços mais baratos? Você sempre disse que detestava gastar dinheiro com advogados - persistiu Ethan. - Confiava em mim para lidar com a parte legal de seu trabalho.
- Sim, bem... - Peter sorriu com timidez. - Sei como anda ocupado ultimamente, e não quis lhe dar mais trabalho.
- Nunca estou ocupado demais para você, tio Pete.
- O tom de Ethan era tão sério que fez o tio pigarrear.
- Eu sei, meu garoto, mas não é necessário que desperdice seu tempo valioso comigo.
- Família é sempre minha prioridade. Então, qualquer coisa que precisar, a qualquer momento, conte comigo. Você tem meu celular e sabe que meu escritório pode me localizar pelo rádio se eu estiver no ar, ou por telefone via satélite se eu estiver num local de construção afastado.
- Sim, é claro que sei. - Peter olhou para Emily, que respondeu instintivamente com um sorriso. Ela estava recebendo claramente a mensagem de Ethan: Peter podia morar sozinho, mas não estava desamparado.
- Seu sobrinho obviamente tem muita responsabilidade - comentou ela.
- Sim, ele tem - concordou Peter com orgulho.
- Ele também tem bastante apetite - continuou ela.
- Eu teria guardado um bolinho para você se Ethan não tivesse comido tanto. Esse é o terceiro dele.
- Mentirosa - brincou Ethan. - Você também estava comendo.
- Comi meio bolinho - disse, apontando para um pedacinho no prato.
- E quanto a todas aquelas crianças desnutridas na África? - disse ele em tom de acusação.
Mas Emily havia muito convivia com as pressões de culpa.
- Os bolinhos teriam mofado até que chegassem lá, de qualquer forma. Faço o bem com minhas doações para o fundo internacional de caridade para crianças.
Aquilo deveria tê-lo calado, mas Ethan cruzou os braços sobre o peito, inclinando a cabeça para estudá-la com expressão arrogante.
- Aposto que você é filha única. Foi a vez de ela ficar desconfiada.
- O que o faz pensar assim?
- Porque se tivesse irmãos, saberia que se vangloriar não é bom, e que é a melhor maneira de procurar uma briga.
- Então, por que tenho a impressão de que você é campeão em se vangloriar? - devolveu ela, e Peter riu.
-Ele não chama isso de se vangloriar. Chama de vitória saboreada.
- Traidor! - exclamou Ethan com um sorriso, desviando os olhos do tio para Emily. - Mas acertei, não acertei? Você é filha única.
Emily tinha de admirar a persistência do homem.
- Sim, e se eu já não soubesse, teria apostado que você era o primogênito.
Ele ergueu as mãos.
- Acho que não vou perguntar por quê.
- Eu vou - disse Peter.
- Mais dominador socialmente - respondeu Emily. - Os primeiros filhos são menos agradáveis e mais fechados a novas idéias do que os que nascem por último.
- Ah, mas você nasceu primeiro, também - apontou Ethan, achando um furo na teoria dela.
- E eu a acho maravilhosamente agradável - disse Peter para Emily, mostrando que estava ciente das dúvidas e, talvez, da animosidade do sobrinho.
Ocorreu a Emily que era irônico o fato de ela e Ethan estarem se comportando como cúmplices para evitar aborrecer Peter. Na presença dele, o relacionamento dos dois se tornara neutro.
- Tenho certeza de que você acha, ou não teria dado a ela uma oportunidade tão maravilhosa - comentou Ethan friamente. - Emily disse que vai se sentir levando uma vida de rainha no quarto de Rose.
Peter começou a franzir o cenho, e os dedos de Emily se apertaram ao redor do copo de água. Ela deu um gole para umedecer a boca enquanto pensava numa resposta inteligente que obscurecesse o significado das palavras de Ethan.
Mas era tarde demais.
- Emily? -A expressão de Peter agora era de prazer. - Isso significa o que estou pensando? Que você mudou de idéia?
-Eu... hum... - Ela detestava o pensamento de voltar atrás na frente de Ethan. Não refletira com clareza quando lhe dissera aquelas coisas com raiva. Agora, se não cumprisse sua ameaça, passaria por mentirosa, e Ethan a consideraria ainda mais desleal.
- Ela disse que se mudaria hoje.
- Eu me confundi, então? - disse Peter alegremente. - Pensei que você estivesse inflexível quanto a isso, decidida a ficar com sua amiga Julie...
- Sim, eu estava... Estou... Isto é... - Emily gaguejou, ciente do olhar de Ethan e de como se divertia com seu desconforto.
- Você pensou melhor e decidiu que eu tinha razão - ajudou Peter. - Eu sabia que acabaria vendo as vantagens práticas. Não faz sentido complicar as coisas quando está sendo oferecida ajuda. - Ele inclinou-se sobre a mesa e deu-lhe um tapinha carinhoso na mão.
- Depois de tudo o que você passou ultimamente, minha querida, merece ura pouco de mimo. E será meu privilégio dar-lhe isso. Sei que assim que a companhia de seguros pagar, você vai querer fazer outros planos, mas por enquanto sinta-se em sua própria casa aqui.

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