Três

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ACORDEI COM O toque desesperado do meu celular. Estendi a mão, ainda de olhos fechados, para onde o havia deixado na noite anterior. Abri-o calmamente e disse para a pessoa do outro lado da linha:
        — Alô?
        — Lucy! — gritou Erza, fazendo-me abrir os olhos assustada. Seu grito realmente me despertara um pouco.
        — Erza... — balbuciei com um bocejo. Cocei meu olhos. — Bom dia.
        — Bom dia? — ela parecia estranhamente indignada. — Como assim “bom dia”? — berrou.
        — O que houve? — questionei após massagear minha orelha. Seu grito quase deixara-me surda.
        — Você sabe que horas são?
        — Não — respondi.
        — Se informe, por favor... — murmurou impaciente.
        Afastei o celular de meu rosto e olhei para o relógio digital sobre o criado-mudo. Eram sete e meia.
        … Espera! Sete e meia?
        Gritei desesperadamente. Estava atrasada. Muito atrasada! Como pude deixar isso acontecer?
        — Erza! Estou super atrasada! — coloquei no viva-voz e levantei da cama em um salto.
        — Eu sei! — a voz dela saiu sarcástica pelo celular. — Por que acha que liguei?
        — Fala sério! — exclamei, arrumando-me o mais rápido que podia. — Acha que consigo entrar?
        — Não sei... A escola costuma não aceitar atrasos... — engoli em seco. — Mas como é novata e não sabe as regras, talvez deixem você passar dessa vez.
        Senti uma pontada de esperança atingir-me.
        — Acha mesmo?
        — Bom... Você pode tentar.
        Soltei um suspiro desanimado. É, tentar não custa nada...
        — Certo — concordei, despedindo-me dela e desligando o aparelho.
        Peguei um dos obentos prontos e coloquei para esquentar enquanto fazia a higiene matinal. Saí do banheiro, peguei-o e enfiei na bolsa junto a um pacote de salgadinho. Peguei as chaves e desci as escadas ruidosamente, meio apreensiva da bronca que levaria ao chegar mais tarde.
        Corri o mais rápido possível, atravessando a praça e entrando na rua da escola. Observei que os altos portões negros estavam fechados e praguejei mentalmente. Pelo visto teria que fazer todo o caminho de volta, pois não tinha a mínima chance de me deixarem entrar...
        Bufei exasperada e virei-me, pronta para ir para casa. Foi nesse momento que uma grande limusine negra aproximou-se dos portões, que abriram rapidamente. Pensei que passaria direto por mim, entretanto fui pega de surpresa quando o automóvel parou ao meu lado e a janela do passageiro, coberta de insulfilm preto, abaixou lentamente e revelou uma cabeleira rosada que logo acabou com o resto do meu bom humor.
        — Bom dia — disse, sorrindo de um canto ao outro do rosto, como se visse graça naquela situação. — Dona atrasada.
        Como ele adivinhava as palavras que me irritavam tão facilmente?
        — Bom dia — respondi, a raiva em tom controlado na voz —, Natsu-kun.
        — Posso saber o motivo de seu atraso? — indagou curiosamente.
        Como se fosse da conta dele...!
        — Nada em especial. E você?
        — Nada muito importante. Apenas uma reunião de... hã... negócios.
        — Entendo... — virei de costas para ele. — Bom, se me dá licença... — comecei a me dirigir para a rua da praça central, no entanto ele puxou minha mão antes mesmo de completar o primeiro passo.
        — Espere um pouco. Não vai querer entrar? — apontou para o colégio com o polegar.
        Cerrei os olhos.
        — E se quiser? — perguntei desafiadora e, ao mesmo tempo, confusa.
        — Entre, lhe darei uma carona. — ofereceu-se.
        Ou poderia simplesmente me esgueirar pelo portão aberto e entrar; pensei, reprimindo-me pela ideia ousada.
        — Hã... Não. Mas foi muito bondoso de sua parte. Obrigada — tentei desvencilhar minha mão dele, porém Natsu era mais forte que eu.
        — Deixe de ser teimosa — bronqueou, puxando minha mão ao mesmo tempo em que abria a porta e fazendo-me cair no banco estofado do interior do automóvel. Murmurou um “pode ir” para o motorista, que prosseguiu em direção ao prédio principal.
        — Qual é seu problema? — questionei furiosa.
        — É melhor sentar direito. Dá para ver tudo — avisou, pouco se importando com o que havia dito.
        Olhei para minha posição e percebi que minha saia estava um pouco levantada, mostrando boa parte da minha coxa.
        — KYA! — gritei, arrumando-me o mais rápido possível.
        Encarei-o nervosa e totalmente corada.
        — Não se preocupe — balbuciou. — Pensamentos desse tipo com você nunca passarão pela minha cabeça. Mesmo tendo um corpo que muitos homens gostariam de tocar...
        Corei mais ainda.
        — O... o que está dizendo? — gaguejei. — Seu pervertido!
        O rosado arqueou uma das sobrancelhas.
        — Pervertido? Acabei de dizer que você não desperta meu interesse, garota!
        — Eu ouvi! Mesmo assim não posso deixar passar o que disse a meu respeito!
        — Hoo... — murmurou. — Então — puxou minha gravata para baixo, fazendo nossos rostos ficarem próximos —, gostaria que eu demonstrasse interesse em você?
        Sorri irritada para ele.
        — Cheguei mais perto e lhe darei um tapa.
        Ele segurou o riso e largou minha gravata. Virou-se para a janela e ficou com o olhar fixo ali o resto da viagem. Finalmente chegamos ao hall de entrada, aonde o enorme veículo parou. Deslizei até a porta e abri-a, pronta para sair dali. O Dragneel puxou meu braço e manteve-me lá dentro.
        — O que foi agora? — enervei-me.
        — Vai entrar na escola assim? — indagou.
        — O quê? Tem alguma coisa errada comigo?
        — Você sabe o estado em que seu cabelo está? Parece um pássaro exótico! — um sorriso brincava em seus lábios.
        Peguei o pequeno espelho que carregava na bolsa e observei meu reflexo. Era verdade, meu cabelo estava uma bagunça completa! Sem nem perceber perdi o amarrador — talvez na corrida até os portões — e notei, com desgosto, que estava toda suada. Argh! Tomar um banho seria a primeira coisa que faria ao voltar para a pensão.
        Tentei de várias formas arrumar os fios loiros, mas sempre voltavam a se transformar na ave rara. Suspirei pesarosamente, desistindo daquela batalha que já estava perdida. Recostei-me no banco, pensando em uma forma de dar um jeito em meu cabelo.
        — Cara... — Natsu bufou ao meu lado e, em seguida, senti algo gelado tocar minha cabeça. Demorei alguns segundos até compreender que ele havia jogado champanhe em mim.
        O maldito derramou champagne em mim!
        — O que pensa que está fazendo?! — berrei.
        — Estou te ajudando a dar um jeito em seu cabelo — respondeu simplesmente.
        Estava pronta para estrangulá-lo quando percebi a marca do champanhe. Apanhei a garrafa de sua mão e, chocada, exclamei:
        — Isso que você jogou em mim é um Krug Clos d'Ambonnay?
        — Sim — respondeu, como se não fosse nada demais. — Por quê?
        — Você é louco? Esse é um dos champanhes mais raros do mundo!
        — Sério? — questionou, indiferente.
        — Claro que é! Além de ser considerado uma raridade, é muito caro!
        — Isso é verdade mesmo? Temos mais duas garrafas em casa.
        Paralisei. Graças a Natsu tinha agora em meu cabelo cerca de US$ 4,000.
        — Não acredito...
        Ele encarou-em por um tempo.
        — Se está tão incomodada com isso, por que não toma um banho lá na mansão?
        — O quê? — perguntei, ao mesmo tempo em que ele fazia um sinal para o motorista voltar para o local de onde havia vindo.
        — Isso mesmo que ouviu.
        — Agora tenho certeza: você é louco! — bati na janela que dava para ver as costas do motorista. — Ei! Pare a limusine!
        — Qual o problema?
        — Como assim “qual o problema”, Natsu? Você me dá carona até a porta da escola, depois joga um champanhe caríssimo em meu cabelo e pretende me levar até sua mansão? Está brincando comigo?
        — Não.
        Minha paciência estava a ponto de explodir.
        — Você tem que estar brincando! — sibilei.
        Riu.
        — Não, não estou. Veja — apontou para algo além da janela.
        Inclinei-me, a fim de ver o que ele queria me mostrar. Através de várias copas de árvores pude perceber trechos de uma mansão.
        Que rápido! Havíamos acabado de sair da escola! Como podia já estar aqui?
        Só podia ser brincadeira. Ele tinha que estar brincando!
        — Fala sério... — reclamei, afundando no banco.
        Ouvi o rosado rir ao meu lado.
        Sério.. O que mais Natsu ia aprontar em minha vida?
        Embora não fosse algo concreto, um nó em meu estômago dizia-me que iria descobrir algo grande, e em breve.

Meu Estranho MafiosoOnde histórias criam vida. Descubra agora