Capítulo 22

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Lydia

Lydia nunca mais tinha voltado a encontrar a senhora que se dizia a Floresta Branca. Nem ela nem qualquer outra pessoa. Ela tinha passado os últimos dez meses sem quase nunca escutar uma voz, ou se socializar, e por mais incrível que parecia ela não estava insana por conta disso, porque ela nunca realmente tinha se sentido sozinha. Lydia era uma parte da floresta agora.

O abrigo que tinha usado todo esse tempo na floresta já não era suficiente para a aquecer do frio. Ela olhou em volta, quando entrou pela primeira vez naquele lugar, tudo que tinha dentro, além da lareira precária, era uma mesa de madeira, desgastada. Mas Lydia tinha modificado um pouco a aparência o lugar, limpando o chão de madeira, e tirando a poeira das paredes, da mesa e da lareira, além de construir uma cama improvisada com peles e galhos. Tudo o que tinha, além dos utensílios que fabricara nesses meses, era a bolsa velha e o arco e flechas, que tinha levado na caçada no último dia de Rainelle.

O inverno estava chegando na floresta branca, e cada dia que se passava o frio se tornava cada vez mais insuportável. O vento gelado entrava pelas frestas da madeira da cabana e a fazia tremer de frio. Lydia já não comia há alguns dias, e os animais não ousavam sair de suas tocas, com o inverno próximo, não havia quase nenhuma caça para ela. Seu estômago doía e roncava, mas com o tempo ela tinha aprendido a dominar essa sensação. Já tinha ficado algumas semanas sem comer por conta dos castigos que recebera em Haterbort, mas se continuasse sem encontrar caça, as coisas poderiam ficar complicadas durante o inverno duro da floresta.

Ela agarrou as peles dos animais que caçara e as enrolou em suas roupas a fim de tentar se manter aquecida, pegou seu arco e a aljava com flechas e saiu para o ar gélido de fora da cabana. O vento frio cortava seu rosto exposto, tinha nevado na noite anterior, o que tornava seus passos mais barulhentos e difíceis.

No tempo em que passou selvagem, Lydia tinha aprimorado ainda mais suas habilidades de caça. Ela tinha aprendido ao observar como os murmurantes se moviam, a ser silenciosa, e se aproximar da caça sem ser percebida. Tinha dominado a habilidade de fazer fogo que aprendera com Olsen, e agora já subia nas árvores com uma rapidez única.

Quando sentiu os cabelos de sua nuca se arrepiarem ela percebeu quem se aproximava, Os Murmurantes. Apesar de cercá-la algumas vezes, eles nunca tinham se aproximado. Ficavam a observando de longe, sussurrando coisas que ela não conseguia entender. Por vezes ela podia ver apenas dois ou três, outras, via dez o mesmo tempo. O que tinha percebido com clareza é que nunca andavam sozinhos.

Andar por entre as árvores da floresta com os joelhos levemente dobrados, para diminuir o barulho de seus passos, era extenuante para seu corpo desnutrido, a dor latente causada pela fome a tornava mais lenta e desajeitada. Depois de algumas horas andando exaustivamente, ela finalmente desistiu. Tinha que economizar forças para recomeçar outro dia. Ela se agachou e escolheu um lugar onde a neve era mais limpa, e, enchendo seu cantil de neve, começou a andar em direção a cabana.

Sempre que estivera em alguma situação ruim, a floresta tinha a ajudado, a primeira vez tinha sido nos primeiros dias, quando não conseguiu achar água, e se recusando a voltar ao rio Forulean, perseguiu um coelho até uma mina d'água, durante uma caçada. Depois, alguns itens misteriosamente apareceram na porta de sua cabana, como uma faca, quando tinha quebrado acidentalmente a sua, uma pedra perfeita para fazer fogo, ou frutinhas de verão, quando tinha ficado doente demais para caçar. Ela confiava que a Floresta a ajudaria mais uma vez.

Ela finalmente percebeu movimento, e se escondeu nas sombras das árvores rapidamente, e então ouviu o som que a muito não escutava, vozes. Lydia não conseguia vê-los de onde estava, mas podia ouvi-los muito bem.

— O grande Leoric! — O mais alto deles riu. — O Cavaleiro d'O Antigo subjugado por dois mercenários de baixo escalão!

Lydia subiu silenciosamente na árvore que a escondia e se camuflou nas folhas de sua copa, para que pudesse vê-los, melhor.

— Apresse Grund, não se esqueça de onde estamos.

Lydia reconheceu o nome, ao mesmo tempo em que fixou o olhar nos homens. No chão estava um homem quase inconsciente, com o rosto inchado manchado de sangue. Tinha aparência de um homem do Norte, e seus cabelos escuros e longos estavam soltos. Lydia pode perceber que estava amarrado. Provavelmente era um prisioneiro, dos dois homens que Lydia já tinha visto antes. Um era mais alto e calvo, tinha a pele morena e olhos de carvão. O outro, mais baixo, tinha cabelos longos, e barba grande e desgrenha, Lydia não pode ver seu rosto. Mas identificou claramente quem eram. Eram eles. Os soldados que mataram Olsen na noite em que ela perdera tudo. Seu interior ferveu de raiva, e a energia da floresta pulsou pela presença de intrusos. Ela escutou a melodia que anunciava a presença da floresta, era uma melodia agressiva. Lydia viu sua própria raiva e seu desejo de vingança se juntarem a vontade da floresta em repelir intrusos.

— É o jeito mais fácil de chegarmos em Celaria rapidamente. E temos ele. — O mais alto apontou para o homem debilitado. – Dane-se essa floresta estúpida.

— Não se brinca com O Antigo, Grund. – O mais baixo retorquiu.

O homem deitado no chão beirando a inconsciência soltou uma gargalhada de deboche, que foi silenciada por um forte soco de um dos mercenários.

— Não irá rir assim quando o vendermos ao Tirano. Aposto que ele pagará um bom preço pela chance de matar um traidor como você. – Bradou o mais baixo. – E ainda nos dará nossas posições de volta em seu exército. Quem sabe até uma posição de alta patente.

Lydia, ao ouvir o nome do rei que ordenou o massacre em sua vila, se inflamou de puro ódio, e sem hesitar, atirou uma flecha certeira no coração do mercenário que não tinha se identificado. E, antes que Grunt pudesse localizar de onde tinha vindo a flecha que tinha matado seu companheiro, ela atirou outra, dessa vez, na perna direita de Grunt, o bastardo que tinha matado Olsen não iria ter uma morte limpa. Grunt berrou, caindo no chão. A melodia alimentava sua ira, então Lydia atirou outra flecha, dessa vez na outra perna do mercenário, que gritou. Ela saiu das sombras, e caminhou lentamente em direção a Grunt.

— Quem? – Ele perguntou, com os olhos arregalados. – Não sabe o que está fazendo, garota. O rei vai te caçar.

— Deixe-o vir. – Ela respondeu pegando uma pedra pesada no chão e esmagando o crânio do mercenário.

O cheiro de sangue se espalhou rapidamente pela clareira, que em breve estaria cheia de animais e outras criaturas perigosas chamadas pela morte.

Depois de recuperar as duas flechas que usara, foi até o saco de viajem que os mercenários levavam consigo e verificou o que tinha dentro. Viu cantis de água, e bebidas fermentadas, comida suficiente para dois dias, talvez mais, se economizasse, corda, além de mais algumas inutilidades. Descartou o que não precisava e jogou o saco em um dos ombros ao se dirigir para o homem inconsciente que chamaram de Leoric, um cavaleiro d'O Antigo.

O homem, apesar dos vários cortes e hematomas no rosto, aparentava estar em sua meia idade. Ela procurou por mais machucados, as roupas de Leoric estavam manchadas de sangue, a jovem julgou que o homem devia ter uma outra ferida, bem mais séria naquele local. Rasgando a barra da camisa do cavalheiro amarrou o tecido no corte que jorrava sangue.

Ela juntou lenha e folhas e improvisou uma maca, para conseguir arrastá-lo pela neve de volta para a cabana, desenrolou a maioria das peles de sua roupa e cobriu a maca. Depois, conseguiu rolá-lo para cima das peles.

Já estava acostumada a arrastar presas pesadas por várias horas de volta para a cabana, mas aquele homem estava se mostrando de fato desafiador. O caminho que já conhecia de cor, demorou o dobro para ser vencido e o homem permanecera inconsciente por todo ele.

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#23 em fantasia hoje gente!!!!!
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A Canção do Antigo (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora