Capítulo 67

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Ruriel

Ele encarou por um momento o fronte de batalha. Os rebeldes estavam ganhando, ele percebeu aliviado. A chegada repentina da divisão de Leoric, causando confusão no exercito mal liderado por Lonna, tinha causado o efeito que desejaram.

A medida que se aproximavam de Lonna, cada vez mais soldados apareciam em seu caminho. Ruriel apenas cortava qualquer um que se aproximava de Lydia. Seus músculos latejavam, mas a insana preocupação pelo bem estar daquela garota, o fazia lutar cada vez mais.

Lydia parou repentinamente e Ruriel nem ao menos precisou tirar o olhar dos seus inimigos para saber que tinham chegado até o general. O ar em torno deles começou a ficar mais quente, e ele soube que o aumento da temperatura tinha algo a ver com o poder de Lydia. Agora ele também ouvia a canção do Antigo, e se sentia incitado pela melodia, cada vez mais forte, a medida que a magia no sangue de Lydia fortalecia seu corpo.

Ele se virou para Lydia antes de continuar a abrir caminho pelo que restava dos homens mais próximos de Lonna, e o que viu fez seu coração parar por uma fração de segundo. 

Ela seguia para o general, com um olhar inabalável, com chamas cercando e explodindo a sua volta. Ruriel sabia que aquilo tinha um significado maior para ela, apesar de nunca ter dito uma palavra sequer. Aquilo era vingança, Lonna, como o general do exército do Norte, era o responsável direto pelas ações em nome do rei que eram executadas em Norealia e Aurealia. Todas as coletas de impostos, recrutamentos, massacres. Rainelle.

Ele assistiu enquanto ainda desferia golpes, quando ela o atacou com todo seu poder, e quando ela gritou de dor quando uma adaga cravou em sua carne, pelas costas.

Ruriel fugiu.

O poder de Lydia explodiu em chamas, quando ela não se deixou cair, transformando em pó, o soldado que tinha lançado a adaga.

A visão de Ruriel ficou vermelha, quando ele sentiu a dor que vinha dela, colocando sua mente num frenesi. Só tinha um instinto: matar tudo e todos que tinham a ferido.

A espada que tinha ganhado de Leoric pareceu se animar, a medida que mais e mais sangue  espirrava em sua lamina. Todos os sons que ele podia reconhecer eram de sua respiração, de metal contra metal, e de sua lâmina cortando carne.

Ruriel não conseguiria parar se quisesse, não até acabar com tudo que poderia machucar de alguma forma a garota com que tinha um laço de vida. Até aquele momento ele não tinha a exata dimensão de até que ponto aquele laço o levaria. 

Ele não sabia exatamente quanto tempo tinha passado, quando ouviu uma voz que o fez hesitar.

— Pare! – Ruriel ouviu Lydia gritar. – Por favor Ruriel, por favor pare!

Ele estava em um mar de morte, por todos os lados corpos jaziam, decapitados, desmembrados e estripados, o cheiro de sangue e carne apodrecendo atraia enormes pássaros da morte, e Ruriel sentiu sua própria sede por mais. Ele estava tomado por um poder amedrontador, que fortificava cada fibra de seu corpo. Tinha que protegê-la, tinha que livrá-la de todos aqueles que a queriam morta.

— Cavaleiro, já chega. Acabou.

Ruriel sentiu-se instantaneamente cansado, e exausto, a força de antes, o abandonara tão rapidamente quanto recobrara sua consciência. Aqueles mortos ao seu redor, eram o exército do Tirano, e dessa vez, ele era o responsável pela carnificina.

— Eu o matei. — Lydia falou entre suspiros. — Matei Lonna.

Ele olhou em volta, quando pouco a pouco os soldados restantes se rendiam.

Assim como Lydia, Ruriel estava banhado em sangue.

Ele sentiu a si mesmo tremer quando finalmente se deu conta do que tinha acontecido, e viu a mesma preocupação estampada no rosto de Lydia. 

— Leoric... — Ele a ouviu dizer aliviada quando o mestre se aproximou deles.

— Vamos. —  Leoric chamou-os, esticando o braço e apertando gentilmente o ombro de Ruriel. — Já fizeram sua parte, podemos deixar o resto com eles.

O olhar do cavaleiro estava doce e preocupado, enquanto os guiava em silêncio de volta a Agalesia.

— E quanto as baixas? — Lydia perguntou com a voz tremula pela dor causada pelos ferimentos e exaustão.

—  Tivemos muitas. — O cavaleiro respondeu. — Loralin se foi. 

— Mas ela era...

— A única herdeira do trono de Norealia, e de todo norte. Sim, ela era.

Ruriel fechou os olhos e apertou as têmporas antes de perguntar:

— O que vai acontecer agora? 

—  Tiveram um longo dia. — O cavaleiro falou olhando para o sol que já descia por entre as montanhas. — Vamos pensar nisso amanhã.



—  São guerreiros do Norte! Sei como pode ser terrível não ter escolha, enfrentar a pobreza, ter que alimentar seus filhos, enquanto pede a Nirl para dar algum trabalho. — Ele ouviu a voz forte de Anara falar quando já estavam perto de alcançar a subida das montanhas.

Ruriel olhou para o local de onde estava vindo a voz. O exército rebelde cercava aqueles que tinham se rendido.

  — Se juntarem-se a nós, não terão mais que se preocupar com a fome, com a tirania. Lutarão pelo lugar que deu vida a vocês. Lutarão pela terra onde nasceram. Pelo Norte, e por todos os reinos subjugados a Celaria. Lutarão para seus filhos terem mais escolhas que vocês. — Ela continuou imponente.

— Anara é boa em discursar. — Lydia falou baixinho.

— Sim. — Leoric respondeu. —  Precisamos de mais soldados.

— Não é arriscado? — Ruriel perguntou. — Recrutar soldados do exército inimigo?

Ruriel viu Leoric encarar Anara por mais alguns segundos antes de responder:

— Sempre é.  Mas traidores não tem cara, poderia apostar que temos uma meia duzia aqui mesmo em Agalesia. Ela vai oferecer uma vida que nunca pensaram que poderiam ter. Esperança. Liberdade, e a vida de um verdadeiro guerreiro Norealiano. Seriam tolos se traíssem isso. Agora, vamos.




Ruriel foi o último a sair de casa aquela tarde. Leoric tinha lhes explicado que deviam participar de um banquete e algumas formalidades de Agalesia. Tinham que festejar a vitória, e lamentar as vidas perdidas. Lydia iria ser oficialmente declarada a Libertadora do Antigo, e Ruriel teria que jurar ser seu protetor, e cavaleiro.

Ele não se sentia no clima para banquetes. Não no dia seguinte de tudo aquilo.

Todos os habitantes de Agalesia já estavam na praça central, ele notou, enquanto percorria a cidade vazia. O som dos festejos logo puderam ser ouvidos. 

Ruriel estava perdido em uma confusão de sentimentos. Odiava o que tinha feito no dia anterior, mas ao mesmo tempo sentia que faria exatamente a mesma coisa se precisasse salvar Lydia. Ele estava confuso, triste pelas perdas de tantas vidas, inclusive de uma pessoa que tinha começado admirar como Loralin. E feliz por terem dado um passo enorme contra o rei.

Depois daquele dia, todos aqueles que sofriam iam saber que estavam lutando por eles. Iam reacender a chama da revolta. Tinham despertado a esperança.

Assim que seus pés tocaram a calçada da praça sentiu flocos gelados caírem em seu rosto. Era neve. Mas como poderia nevar quando estavam de baixo da montanha. A sensação gelada, o lembrou de Litherl, de sua casa, e de Lion. Ruriel olhou para cima observando a neve que parecia vir de lugar nenhum.

Ele tornou a olhar para frente. Lydia estava lá, bem no centro da praça, cercada por pessoas despreocupadas, e mesas repletas de comida. Ela estava linda em um vestido longo branco e dourado, com uma tiara simples enfeitando seus longos cabelos negros. A garota que olhava para cima sorrindo para a inesperada neve, se virou lentamente quando percebeu a presença de Ruriel.

Ele sorriu com ela, sentindo seu coração se aquecer.


Oláaa, finalmente a guerra acabou! O que acharam?

Obrigada por lerem!

A Canção do Antigo (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora