Ruriel
Thael havia desaparecido. Sem deixar nenhum aviso, ou sem levar qualquer tipo de bagagem. Algo tinha definitivamente acontecido, mas Ruriel não tinha ideia do que fazer além das buscas que os mineiros já faziam nas montanhas. Não era incomum as pessoas se perderem na imensidão branca das montanhas próximas a Litherl, ainda mais tão perto do inverno. Mas de alguma forma, Ruriel sabia que era muito pouco provável que esse era o caso, o mestre não fazia o tipo inconsequente. A taverna tinha sido fechada por Ruriel logo após as feiras. Ele aproveitava que estava vazia, para fazer reparos, e uma limpeza minuciosa, que Thael nunca tinha feito. Ruriel precisava de algo para manter sua cabeça ocupada e a ansiedade pelo desaparecimento do mestre sob controle.
O inverno começara mais cedo esse ano, as janelas da taverna estavam fechadas numa tentativa de impedir a entrada do vento frio que assobiava alto do lado de fora. Estava anoitecendo, verificou preocupado. Se realmente Thael estivesse perdido, seria cada vez mais difícil de acha-lo, e de sobreviver a noite gelada. Ruriel separou mais um saco de moedas dadas em pagamento pela estadia pelos recém-saídos hóspedes. 50 Celaris. Thael tinha faturado bastante durante as feiras, Ruriel bufou, quando seu mestre chegasse, era bom que tivesse uma desculpa pelo sumiço.
Ruriel estregava uma panela com um vigor que nunca havia tido, o inverno era cruel naquelas paragens, os animais perigosos rodavam cada vez mais próximos da vila pela falta de alimentos na floresta. As minas ficavam mais perigosas, escuras e escorregadias. E as montanhas se tornavam verdadeiras armadilhas por conta da neve acumulada. Qualquer coisa poderia ter acontecido.
Um estrondo causado pela porta de madeira se abrindo tirou a taverna da quietude. O ar congelante, vindo da porta escancarada teimava com o fogo da lareira e deixava a temperatura do salão consideravelmente mais fria.
- Alguma novidade? - Ruriel perguntou assim que viu Solem entrar pela porta da frente.
O mineiro alto, robusto e calvo balançou a cabeça, limpando a neve das roupas, e sentando no banco alto do balcão da taverna.
- Nada. - Solem falou.
- Devia ter ido com vocês hoje também. - Ruriel disse, deixando a panela de lado.
- Não ia ser de muita ajuda, só os mineiros mais experientes estão conseguindo andar por la sem se perder. O inverno está chegando cedo. - Solem falou. - Preciso de uma bebida. Passei muito tempo lá fora procurando por aquele velho.
- Estamos fechados, Solem, não viu a placa do lado de fora? - Ruriel respondeu mal humorado.
- Não para mim. É o minimo que mereço depois de tanto trabalho. - Solem disse, pegando uma garrafa da melhor bebida fermentada de Thael, e tomando um gole direto do gargalo. - Provavelmente ele deve ter ido atrás de algum rabo de saia nessas aldeias vizinhas, e se esqueceu de avisar. Ele vive contando de como as moças das aldeias de Norealia ficam perto de um Aurealiano.
- Desde que continuem procurando, pode pensar o que quiser.
Solem repousou a garrafa no balcão e segurou o braço de Ruriel, encarando-o.
- Sabe filho, se ele realmente estiver nas montanhas, e não o acharmos logo...
- Eu sei. Mas vamos achar. - Ruriel o interrompeu. -Agora que já tem sua bebida, vá para casa, porque preciso sair.
- Sim. Sim, nós vamos. - Solem falou, se levantando do banco e saindo com a garrafa na mão.
- Colocarei a bebida na sua conta. - Ruriel disse.
- Coloque na de Thael. - Solem respondeu, antes de sair.
Assim que o mineiro saiu, Ruriel pegou a capa de couro e pele cinza velha, e saiu pela porta da frente. Seu tio Lion tinha comprado algo, e tinha o chamado lá a fim de lhe dar, e jantarem juntos. Litherl estava quieta e fria, o crepúsculo era visível mesmo no céu totalmente nublado. Em Litherl o inverno era algo nostálgico, e acolhedor.
- Boa noite garoto. - Chamou alguém.
Ruriel se voltou em direção a voz, era Luthan, um empregado do alojamento da guarda do rei que ficava encarregado de acender as várias tochas espalhadas pelos caminhos de toda vila. Ruriel sempre gostara de Luthan, era um homem gentil, que parecia acreditar que, independentemente da situação, sempre existia uma saída confortável e inteligente.
- Boa noite. - Ele respondeu seguindo seu caminho.
Não demorou muito e Ruriel avistou as tochas da cabana de seu tio. Pela primeira vez em muito tempo, Ruriel tinha chegado mais cedo, mas sabia que Lion estaria em casa. A porta da cabana onde morava estava trancada por dentro. Ele tentou bater, e empurrar mais uma vez sem sucesso, vencido, chamou seu tio. Depois de alguns minutos de espera, escutou xingamentos e coisas caindo no chão, do lado de dentro.
- Essa merda emperrou de novo. - Ruriel escutou Lion gritar do outro lado da porta.
Então vieram mais xingamentos e maldições, um baque alto indicou que finalmente o tio tinha arrumado uma maneira de consertar a porta, e de um jeito violento a porta se escancarou.
- O que foi? - Gritou Lion. - Ah Ruriel, é você... Chegou bem cedo não?
Ruriel estranhou a pergunta do tio, até que uma risadinha vinda do interior da cabana acabou por denunciar Lion. A ideia de seu tio ter visitas femininas em sua cabana era hilária e quase inacreditável. Essa com certeza Ruriel tinha que constatar com os próprios olhos.
- Está acompanhado? - Ruriel perguntou rindo, levantando o pescoço, para tentar olhar para dentro da cabana.
- Er...
- Posso dar uma volta de umas duas horas, se quiser tio. - Ofereceu, com um sorriso sarcástico.
- Não! Já estava de saída. - Respondeu uma voz feminina conhecida.
- Nora? - Ruriel reconheceu espantado.
Nora era a viúva vizinha de Lion, apesar de ser bastante apresentável, Ruriel se lembrava de que quando era criança tinha um medo absurdo de chegar perto de sua casa, já que ela sempre fora dada como bruxa e várias histórias absurdas de como ela sacrificava crianças que desobedeciam aos pais rodavam de boca em boca em Litherl.
- Olá menino, vim trazer um pouco do meu famoso ensopado surpresa que fiz para seu tio, mas já estou de saída.
- Não deve explicações para ele Nora.
- Não precisa ir, Nora. - Ruriel falou.
-Largue de ser rude, Lion. Isso te dará rugas. Em pouco tempo vai parecer um velho, se continuar tão carrancudo. - Nora disse.
- É melhor escuta-la, Lion. - Ruriel respondeu debochando. - Não quer que esse rostinho lindo fique todo enrugado, não é?
- Cale essa boca, e vá para dentro Ruriel.
- Viu o que eu disse? Rugas. - Ela falou. - Bom já vou indo. Boa noite.
- Boa noite lan Nora. - Ruriel respondeu.
-Boa noite Lin Nora. Vejo você depois.
Os dois observaram enquanto Nora seguia seu caminho e entrava na casa mal iluminada em que morava.
- Lin Nora?- Ruriel zombou, arqueando as sobrancelhas. - Não sabia que eram íntimos.
- Porque? Ela é mais nova que eu, faz sentido que eu a trate por lin. - Lion respondeu, entrando na cabana acompanhado de Ruriel.
- A bruxa? Sério? - Debochou Ruriel enquanto entrava na cabana de seu tio.
- Olha como fala dela garoto. E não venha me encher com bobagens.
-Quem diria hein tio? Apaixonado pela bru...
-Cale a boca, garoto! - Ralhou Lion.
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A Canção do Antigo (Completo)
FantasyLydia foi ensinada a não chamar atenção. Foi ensinada a esconder sua força e habilidades extraordinárias. Mas depois de assistir todos aqueles que amava morrerem tragicamente, o poder que nem sequer sabia que tinha foi despertado. Ela agora morreria...