A Canção do Antigo (Completo)

Capítulo 38

Leoric

– Acho que já ouviu falar dela. Foi a pessoa mais corajosa que já vi. Ela deu a vida por você, sabe? Mesmo fraca pelo parto, ela lutou contra o Tirano para te dar uma chance de escapar. – Ele começou. – O nome dela era Selene, mas você deve conhecê-la como a libertadora.

Leoric sabia pela rosto dos dois jovens que já tinham ouvido falar dela. A libertadora era a esperança da revolução e sua líder, não tinha uma só pessoa no reino que já não tivesse escutado as suas histórias.

– Devo presumir que sabem o porque desse nome? A libertadora?

– Por conta da profecia. – Ruriel respondeu. – A profecia que prevê o fim do Tirano, a profecia da Nora Era..

– Exatamente. – Leoric respondeu, lembrando das palavras entalhadas no aço, no centro de Agalesia. – A ruína do atormentado virá pelo seu sangue. A glória da libertadora trará o caos. O cavaleiro sucumbirá para sede de sangue. O poder do Antigo, só então, vencerá seus grilhões.

Ele encarou a jovem calada, se amaldiçoando por ter sido tão tolo. Lydia tinha os olhos de Selene. E as semelhanças não paravam por ai, eram iguais até no jeito que torciam levemente a boca quando estavam presas em seus pensamentos.

– Assim que chegarmos em Agalesia, Lydia, deve saber que não vai passar despercebida, a líder dos rebeldes, ou como eles chamam-na na língua antiga, lumatesc, foi quem profetizou aquelas palavras. – Leoric falou. – Ela tem a visão, ela vai te reconhecer, e vão esperar que você assuma o posto que fora de sua mãe, como a Libertadora.

– Mas… eu… eu não… – Lydia começou, claramente tentado absorver as palavras. – Como sabe? Digo, como sabe que sou eu?

– Porque você é exatamente como ela, o mesmo nariz, a mesma cor da pele, os mesmos olhos violeta. E seu poder Lydia, assim como sua mãe, você possui um poder inimaginável. Aquilo em Litherl não é nada perto do que realmente pode fazer. É a sua herança e seu destino.

Lydia estava sem palavras, e apenas encarava o chão tentando absorver a informação que Leoric lhe passava.

– Sei que é muito. Mas não deve se preocupar com isso agora. Se realmente aceitar cumprir o papel que o destino te reservou, vai se juntar a academia de guerra, onde vai treinar, e aprender a usar seu poder. – Leoric falou. – Sabe, sua mãe fundou a academia, ela queria que os jovens com o sangue d’O Antigo tivessem mais opções que nós tivemos.

– Como ela era? – Lydia perguntou inesperadamente, surpreendendo-o.

– Ela era incrível. Vamos andando, posso contar a história de como nos conhecemos no caminho. Temos muito tempo até Agalesia.

25 anos antes

Eu tinha dezesseis anos quando a conheci. Mesmo com pouca idade, estava na minha segunda missão em nome do rei. E já estava há mais de dez sob domínio de sua magia. O poder de controlar mentes que o Tirano possui, não é como pensam. Quando está sob ele, você está totalmente em si. Você sabe exatamente o que faz, sabe quem é, mas acredita em todas as palavras que ele diz, ele se torna como um deus, e obedecê-lo fica inevitável, mesmo em missões como aquela, cujo o único propósito era espalhar medo e terror.

Ela morava na vila que devia destruir. Eu estava como comandante na divisão principal do exército de celaria. A elite de soldados do rei tinha como terceiro comandante um garoto de dezesseis anos. Ninguém pensava em mim como tal, depois que viam o que era capaz no campo de batalha. O nome da vila era Thandur, era minúscula, praticamente uma dezena de casas dos trabalhadores que não podiam custear morar em Dunandir, e trabalhavam na capital de Norealia. O rei queria assustar a cidade que ameaçava a se rebelar. Queria mostrar como poderia varrê-la sem problemas, e que o exército estava o próximo, vigiando.

Não demorou até todas as casas da vila estarem em chamas. Eu assisti meus subordinados prenderem famílias indefesas, dentro de suas cabanas, e depois, gritarem consumidos pelo fogo. E a magia do Tirano em mim, não me fazia sentir nenhum remorso.

Estava tudo indo conforme as ordens do rei, quando senti. Era uma energia enorme, como nunca tinha visto antes em alguém além do rei. Por um momento pensei que ele próprio tinha resolvido participar do ataque. Mas a energia era diferente, mais pura. Então eu a vi. Ela estava furiosa. Jogava os soldados para longe como se fossem papel. Mas como quase metade do corpo queimado, não teria chance alguma contra mais de mil homens.

Não demorou para ser vencida, e antes que pudesse perceber já tinha atiçado meu cavalo para correr em direção a ela. Os soldados iriam matá-la, assim como foram ordenados.

– Parem! – falei antes que pudesse perceber.

Os soldados ficaram estáticos ao ouvirem o som da minha voz. E ela rosnou, furiosa, tentando levantar do chão. Só ai que pude ver sua aparência. Tinha cabelos brancos, tão brancos que a cor violeta de seus olhos se destacavam. Seu rosto era salpicado de sardas, e era mais alta do que qualquer soldado celariano que eu conhecia. Ela lembrou me da minha infância, em Aurealia. Das histórias que contavam das ferozes guerreiras do Norte. Invencíveis, e impiedosas. Alguns até diziam que elas ainda existiam, passando seus conhecimentos para suas herdeiras de forma secreta. Eu até acreditaria que ela era uma delas se não tivesse certeza que elas tinham sido extintas na guerra de unificação.

– Senhor, as ordens foram… – Um dos soldados falou para mim, se aproximando.
– Sei muito bem quais são as ordens. Eu as dei para vocês. – Falei, lançando um olhar intimidador. – O rei fará melhor uso dela, tragam-na conosco de volta a capital, e tratem seus ferimentos da melhor forma. Não irei querer ser vocês se o Tirano perder uma arma com tanto potencial.

Ao dizer essas palavras eu me aproximei da garota, que parecia ser apenas alguns anos mais nova que eu.

– Vai ficar bem. – Sussurrei a ela.

– Não preciso de sua piedade. – Ela respondeu.

– Ela realmente era incrível. – Lydia falou, trazendo Leoric de volta ao presente.

– Era. – ele respondeu sorrindo.

– Ela parecia te odiar, como conseguiu que ela se aliasse a você? – Ruriel perguntou, curioso.

– Isso é uma história para outro momento. Estamos perto de deixar a Floresta Branca, temos que ficar atentos.