Anjo Demônio

6 0 0
                                    


Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.


Mais um dia ruim, mais um dia ruim...

Ver a luz do bem é indescritível. Meus dons de anjo possibilitam que eu a enxergue por todos os lados, mas, e quanto a ver a doença dos outros, igual à do rapaz que esteve aqui em casa ontem pedindo ajuda? É bom é?

- Eu já gastei um dinheirão com exames, Pedro! Não acusam nada! Nem uma cárie no dente! Isso, só para você ver o meu desespero!

Neste momento eu vi a mancha escura em seu baço, embora a dor alastrasse pelos órgãos próximos. Um verme fluídico escuro e retorcido, fruto dos enganos cometidos, do abuso no trato com as pessoas, certa desonestidade e uma mania imensa de passar por cima dos outros devido à ciúmes e inveja, tudo isso estava lhe causando aquela mancha, que evoluía para um câncer incurável. No frigir dos ovos, segundo minha esposa, ele bem merecia... "É um filho da puta sem igual, Pedro"!

- Mas é um filho da puta bom, Mônica! É um sacana de marca maior, mas, muito do dinheiro que ganha é usado para ajudar idosos! Vai lá entender!

- Idosos?

- E órfãos também!

- Então, fazer o quê, Pedro?

- Eu não queria fazer nada, Mônica. Pode até ser que ele deixe um pouco as falcatruas de lado. E um safado desses vindo aqui em casa? Nem pega bem, eu acho.

Durante a madrugada, eu fui agarrado por oito anjos de forte compleição física. Eles escarafuncharam o meu baço, puxaram de lá a carne que de mim é 'santa' e a levaram para curar o rapaz... Um dos anjos manteve a mão sobre a minha boca, impedindo que eu gritasse, seis deles me seguraram, prendendo pernas e braços, a despeito do meu esforço para me soltar. Os outros dois agiram com a presteza de evitar que as minhas asas se abrissem e me levassem para longe... ah sim! Naquele momento que eu entendi quem o anjo Pedro seria capaz de fazer com as próprias asas. E que falta de sorte! Eu me penalizo por nunca ter entendido isso antes! Por certo eu daria um trabalho enorme para ser pego por aqueles anjos e trazido de volta. Em contrapartida, enquanto eles me prendiam, e mesmo com as asas inertes, eu comecei a ver o revés da minha natureza benevolente: a de um anjo predador, repleto de crueldade, de fúria e ódio, que alcançava as estrelas ao se erguer em todo seu tamanho, capaz de estraçalhar e destruir a um só golpe um sistema planetário inteiro. Provavelmente era aquele a quem Lúcifer buscava e por isso ele esteve na minha casa. Eu desmaiei quando os últimos pedaços da minha carne 'santa' foram retiradas. Eu acordei deitado na cozinha, a geladeira aberta, as garrafas de água vazias, o chão molhado. Minha esposa estava ajoelhada ao meu lado, preocupada com o arfar na minha respiração - como se estivesse com asma -, o suor ainda abundante, a tristeza na alma e no coração cortantes...

O que eu posso contra Deus, afinal de contas? Eu só tenho tamanho e uma mordida fraca. Mas saiba, maldito: " Por todas as noites e por todos os dias do universo, eu te louvarei com o fervor do meu mais profundo ódio! "

Após ter passado um dia feliz e comum, e de ter ido dormir com a mesma disposição sonolenta do meu filho, eu acordei às três e meia da madrugada por causa de uma cobra que ziguezagueava na parede do quarto, deixando um rastro da gosma atrás de si. Claro! Era um espírito demoníaco! É comum à classe possuir aptidões extraordinárias só para assustar os outros! Ou por si própria ou à mando de algum babaca infeliz.

Que absurdo! Em pleno terceiro milênio certas criaturas ainda se dão a isso? A fazer trabalho para prejudicar os outros? Conheço tantos espíritas, umbandistas e povo de nação que dão a vida pelo próximo! São uma gente do bem!

A cobra ziguezagueava pela parede como se fosse uma lesma sem a casca, deixando uma gosma agourenta na parede.

- E agora, delegado? Vai fazer o quê com essa coisa aí? – Pensei e, surpreso com a minha calma, eu levantei da cama xingando todos os meus palavrões favoritos. Só pelo desconforto de ter de levantar, peguei a cobra, dei um nó verdadeiro em seu corpo alongado, abri minhas asas, acerquei o mundo escuro (é assim que nomeio o lugar onde essas criaturas vivem), estraçalhei a cobra em tantos pedaços que perdi a conta, e a joguei para a escuridão, gritando:

- Você mandou a tua mãe primeiro, filho da puta? Pode mandar a tua filha agora, seu bosta de merda!

E pensando que eu voltaria para a minha cama tão acolhedora, na verdade eu acordei em uma poça de sangue fétido na cozinha e, pelo visto, tinha bebido todo o estoque de água da casa.

Por que cargas d'água eu sinto tanta sede assim? Mas foi, então, que decidi comprar um filtro eletrônico e uma caixa d'água para me enfiar nos momentos de... de... das loucuras pós-insanidades angelicais! Sim! Eu quero uma caixa d'água! E daí? Quanto aquela sujeira na cozinha, Mônica apontou o dedo para a área de serviço e foi dormir, avisando:

- E toma um banho, delegado! Você está imundo! Anjos e demônios! Que gente mais porca!

"Que droga! Que droga!" Eu reclamava, puto da vida, limpando o chão da cozinha! Esses demônios "tocam a maior barata" voa na minha casa e a limpeza fica por minha conta? Eu, um delegado da polícia federal, passando paninho no chão da cozinha? Tinha mesmo de dar muitos "kms" na bike ou, então, dar muita porrada em sacos de Muay só para passar a raiva! Que cacete! Até o novo psiquiatra resolveu tirar sarro da minha cara alegando que a depressão era por causa das visões, dos sonhos, da mania de achar que eu era e sou diferente.

- Até os médiuns espíritas convivem com incertezas! E eu acho que está na hora de você procurar um lugar para treinar esses dons, sabe?

- Treinar meus dons? – Indaguei. – Está de sacanagem, véi? Olha só o meu tamanho, caralho! Vê se vou ficar de boa conversando com fantasmas com mãozinha estendida sobre a mesa!

- Bem, é melhor do que estar se aventurando por aí com fantasmas do mesmo jeito, ou não?

Eu olhei aquele sujeito imaginado o sangue escorrendo por sua cara quebrada! Então, eu fiz algo que jamais repetiria: eu abri as asas e ele recuou, a expressão de total espanto! Acho que, naquela hora, todas as suas teorias foram por água abaixo ou, pelo menos, ele começou a me tratar com boa vontade. Minutos depois de beber muita água para se acalmar, ele comentou:

- A química dos medicamentos não combinam com a tua natureza, Pedro! Por isso há tanta confusão em sua cabeça! E medicamentos são para serem tirados ou mantidos dentro de gramas muito certas, caso o paciente vá apresentando melhoras! E nós vamos começar com o processo de tirar essa farmácia inteira que você está tomando. Mas vou manter o medicamento para dormir, sim? Bem alto por sinal!

Finalmente? Além de me chamar de louco calmo ele virou meu parceiro de sono? Aceitei na hora! Psiquiatra filho da puta. 

Cotidiano de um AnjoOnde histórias criam vida. Descubra agora