Malditos os Anjos?

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Dia tal, sei lá... 


Ainda na noite em que acordei do coma, e ainda assim zonzo, com a chegada dos anjos Ismael, Gabriel e Lúcifer (que pediu desculpas jurando não voltar outra vez), eu logo quis saber de Bruno, afirmando que estava muito preocupado com a situação de sua esposa e filhos.

- Nada faltará a eles, Pedro. - Disse Ismael. - Eu os tomei como protegidos.

- Isso me tranquiliza, Ismael. Obrigado.

- Mas não tente vê-lo, Pedro. Não use a tua 'mágica' para encontrá-lo. Ele dorme em cidades do além.

E foi naquele exato momento em que meu campo de vidência abriu e mostrava quatro homens colocando um pó branco-azulado em potes de vidro fino como papel. Usavam roupas brancas, luvas azuis, uma proteção para a cabeça de tecido grosso e plástico, pois estavam em um laboratório para doenças contagiosas e armas químicas de alta periculosidade. Eles circulavam uma mesa pequena, embora alta, e manuseavam os vidros e o pó com uma lentidão milimétrica, com receio dos vidros se quebrarem e furarem as roupas e os contaminarem.

Geralmente, nas minhas vidências, eu sou capaz de ver até a bula de um remédio, ilustrando assim o poder do alcance do meu dom. Naquele momento, até eu fui enganado. Talvez pelo meu estado físico debilitado, talvez pelo ódio por aqueles homens ou pela piedade por quem eles atacariam, não sei ao certo. Comentei a vidência com os arcanjos. O silêncio que seguiu foi demorado além do normal.


 - Os arcanjos não sabem de tudo, Pedro. – Lúcifer foi o primeiro a se manifestar. – E se não há indicação do lugar onde essa... esse ataque químico acontecerá, pouco nós podemos fazer, a não ser pedir ao nosso Pai que minimize os danos.

- Nem tudo está escrito como gostaríamos... – meditou Ismael, com tristeza. – O livre arbítrio humano se entrelaça numa teia confusa, não há como desfazer o alcance de tantos nós. O que nós fazemos Pedro, é nos aproximarmos desses fios quando eles estão prestes a se partir e, então, mitigar o sofrimento que venham a causar.

- Nós estaremos sempre presentes, Pedro. – Considerou Gabriel colocando a mão sobre o meu peito. – E por mais extensa seja essa nova tragédia, nós estaremos lá, assim como você.

- Se a vidência aconteceu com antecedência, disse Ismael, é para que você vá se preparando, Pedro. E, por favor, não se negue a ajudar.


A luz de amor de Gabriel inundou meu coração, fortalecendo o órgão para qualquer grave acontecimento futuro. Olhando aqueles três arcanjos, sua beleza e grandeza de intenções, os corpos altos e tão alongados; analisando sua tristeza e decepção com o que a minha vidência mostrava para o futuro, mas determinados em acompanhar o desenlace do fato e, então, ficar ao lado das vítimas, eu quase admirei os meus dons e aquilo que eu sou e, para aquele caso, essencial...

Mesmo assim, eu renego essa minha natureza divina até o fundo do meu ser e jamais existirá um dia em que eu não vou estar em confronto com Deus... mas eu posso... eu sou um anjo, não sou? Maldito seja eu...

Cotidiano de um AnjoOnde histórias criam vida. Descubra agora