Lúcifer

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17 de junho 2012

Além de toda a tortura e da loucura diária, Lúcifer esteve na minha casa e me deixou aborrecido o suficiente para sentir muita vontade de lhe socar a cara repetida vezes. Como se fosse possível travar um combate com o Sr. Diabo em pessoa... "Peraí! Eu encaro! E Lúcifer nem era o diabo em pessoa! Aliás, que ilusão a dos homens pensarem que o diabo e Lúcifer são a mesma coisa! Diabos são as almas corruptas de homens igualmente malfeitores! Lúcifer é um arcanjo, caído, mas é um arcanjo! "

Nunca! Nunca mesmo, eu pensei passar por uma situação tão absurda! Vou até repetir um clichê usado por muita gente, e que fez o maior sentido naquele momento: "Acho que estou tendo um pesadelo ou, então, eu estou preso na maldita matrix"! Que caralho!

Estava ele lá, sentado na poltrona ao lado da minha cama, tranquilo, relaxado, e riu, dizendo:

- Não precisa usar a luz das tuas asas para proteger tua esposa e filho, Pedro. Eu não me interesso por gente.

- Ainda bem, seu filho da puta; eu lhe disse, e depois perguntei qual era a dele, afinal de contas?

- É tão simples o que eu desejo. – Lúcifer respondeu, a voz grave, máscula, apesar de bem baixa: - Veja bem, Pedro! Apenas Deus é Deus! Apenas Ele cria e desfaz! Ele não é algo como nós outros, os anjos, por exemplo. Ele cria, nós imitamos. Então, e sendo assim, nada mais justo que eu também tenha um reino criado à minha imagem e semelhança, onde os anjos poderão usufruir da liberdade que não temos na casa de nosso Pai moldada sob critérios demasiadamente rígidos... entretanto... a minha meta principal é a de conquistar os anjos da remissão para formar o meu reino...

- Anjos da remissão? – Eu o interrompi, confuso, pois onde eu ouvira tal nome e que parecia ter um significado extraordinário?

- É a tua casta, Pedro. – Lúcifer respondeu. Eu ri, achando aquilo um absurdo:

- Então, a tua guerra contra Deus é, somente, por causa de anjos como eu? Você não acha isso um tanto sem sentido?

- Sem sentido... – Lúcifer refletiu. – A luta por anjos especiais e pelo paraíso não é uma tolice. Ela demanda sofisticação. Não estamos falando de uma peleja com espadas reluzentes e toques de trombetas.

- Não acho que isso responda muita coisa. – Eu disse, decepcionado com seus argumentos, mas impressionado com sua calma, e uma altivez tão repleta de humildade, que distorcia completamente a ideia do Lúcifer histórico. Dava nó na cabeça olhá-lo e não ver o que, até eu, esperava encontrar! Lúcifer respondeu:

- Para as grandes batalhas, poucas palavras, pois elas, as batalhas, são grandiosas por si próprias. O que eu desejo é liberdade, Pedro! Eu quero me desligar, completamente, dos domínios do meu Pai. Mas, para isso, eu preciso que os anjos da remissão venham para o meu lado, que me cerquem com sua natureza diferenciada e que nunca desejem retornar ao "Céu". E não é verdade que todo filho maduro deseja sair de casa?

- Sair de casa, sim. – Eu disse. – Mas nunca sair do teto. Lúcifer, no tráfico de drogas, o que a gente nota, é um monte de gente mandona querendo botar banca como se fossem generais comandando a tropa.

- Ah, sim! – Lúcifer sorriu um pouco. – O livre-arbítrio, né? Nosso pai nos enganam com a falsa premissa da liberdade, pois sempre exige a remissão dos erros. Eu já não penso assim.

- Ah sim! Entretanto, vocês não deixam de ser iguais. Tudo general, tudo parente. Ainda que a tua ideia de livre-arbítrio tenha essa condição mais libertária e que você esteja me dando um salvo-conduto para estar me afastar, definitivamente, do papail! Mas percebe que, igualmente, está me dando a possibilidade de ficar o mais longe de você? E... Baseado em quê, hem? Pretende o quê com isso, na verdade?

- Deus não luta sujo, Pedro! - Lúcifer respondeu. - Ele apenas luta limpo, com as cartas na mesa e todas as palavras às claras! Eu também preciso fazer a mesma coisa se quero me igualar a Ele. Eu desejo ser, pelo menos, uma aproximação de nosso Pai para vencê-lo. Eu almejo a grandeza justa de meu Pai. E por que não?

- Então, eu acredito estar mais para o teu lado do que para o lado dele, já que eu não tenho feito outra coisa a não ser renegá-lo! Assim como à minha natureza divina! Bem que, em pouco tempo, eu começaria a te maldizer também, com certeza...

- Nada mais justo e honesto do que ser justo e honesto, com certeza. - Lúcifer retrucou. - Todos nós, anjos, sem tirar nem pôr, seja por um segundo ou por toda uma vida, estamos em guerra contra Deus e Deus a nosso favor apesar de que contra as nossas artimanhas. E tenha como certo de que há 'infernos' para aqueles que são cúmplices dos desvarios de algum louco, assim como para aqueles que vão crescer e se tornarem a cópia desorganizada do pai.

Bondade? Jamais! Crueldade velada? Com certeza! Lúcifer citara minha esposa e filho, respectivamente, naquele último comentário. E eles eram frágeis se comparados a nossa grandeza desvairada de insanidades. Todos nós do reino celeste... Arcanjo infeliz... Será que Lúcifer não entendia que qualquer um dos lados - o dele ou o de Deus - iria me dissuadir a ele ou à santidade angelical? Que fossem se ferrar, os dois, ele e Deus. Entretanto, e assim como os anjos fazem de melhor, o que Lúcifer sussurrou em seguida, eu ouviria como uma sugestão na minha cabeça:

- As tuas reclamações, os teus dedos acusando Deus... Anjos não criam carma, Pedro, não quanto a isso. Mas cuidado com a bagunça que causará a tua família se não agir direito, sendo você quem é, sim? Deus não perdoa. Se não desejas a mim, honre as escolhas pessoais de cada um de seus familiares, indistintamente. Teu filho é um Nayphilim, um grau acima dos Nephilins por entre as castas, pois é filho de uma humana com pouco carma e com um anjo da remissão. Tua responsabilidade é imensa! Agora, caso você não faça questão!

- Vai para a puta que te pariu, Lúcifer. - eu xinguei e ele me interrompeu, comedidamente:

- Não blasfemes, anjo! Deus é também mãe... Mas eu não quero voltar para ele! Nunca mais!

O olhar de Lúcifer era tranquilizador. O pior é que eu gostava da sua presença, embora não apreciasse a ideia de viver sobre o seu domínio... Aliás, Deus ou Lúcifer, dois patifes de marca maior.

- Anjos da Remissão... – eu pensei. - Quando ouvi essa expressão... E o pior de tudo... poucas palavras no mundo celeste, nomeando alguma coisa, significavam grandeza em excesso...

- E ainda precisa saber, e vai saber um dia, que o teu caso na horda celeste é ainda mais espetacular... – avisou Lúcifer. - Os anjos sequer se assemelham aos Anjos da Remissão. Nem mesmo os Arcanjos possuem sua graça e luz...

Eu soltei uma série de palavrões, fiz Lúcifer ir embora e passei o resto da noite acordado... mais uma noite acordado tendo de trabalhar horas depois... estou cansado... demasiadamente cansado... E que dia! Como estive contrariado! Sentia um aborrecimento enorme! E raiva, muita raiva! Mônica comentou que eu devia estar é grato com tudo o que nós tínhamos: "A gente devia agradecer até por esse espanador de penas de avestruz, Pedro! Essa coisa custa os olhos da cara!

Eu sou grato, não há um só dia em que eu não agradeça. Eu dei duro, nós éramos pobres a ponto de usarmos um só sapato por meses... vivíamos descalços na casa de palafita às margens do rio Branco que alagava sempre. Também sou grato aos meus avós, que nos acolheu após a morte de meu pai, na comunidade Wapixana, na Serra da Lua...

Estou com raiva, eu sinto uma raiva profunda! Minha raiva tem dentes e está abrindo um caminho ao puxar os músculos através do coração. Há de chegar a hora que essa raiva vai mastigar a luz que me faz divino e que se espalha ao redor do meu coração e, enfim, romper o lastro que me liga a você, Deus, seu bastardo miserável! 









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