A palavra mais importante em todas as Línguas é 'Esquecer'.
Quando eu era menino, eu notava as pessoas me encarando de um modo estranho, irônico, até mesmo ameaçador, e não somente por causa da minha altura avantajada, do corpo magro de dar dó, ou devido a cor dos meus olhos, de um verde bem clarinho, como se fosse de cristal. Os olhares bizarros e injustos também não aconteciam pelo fato de eu ser o "cara branco" da família, o único com o jeito europeu dos meus bisavôs. Nossa ascendência era fruto da elegante mistura de italianos, nórdicos, turcos, africanos e wapixanas, indígenas daqui de Roraima, a bem dizer.
De qualquer modo, e em qualquer situação, era comum as pessoas me encararem com sentimentos sombrios, como se demônios incorporassem em seus corpos para me julgarem... eu diria: digladiarem? "Por que essa gente me olha assim"? Eu pensava. Sarcasmo, nojo, ódio, ira, crítica, inveja, sentimentos pesados se dirigidos a uma criança e, depois, a um adolescente tímido, apesar de zangado? Eu não entendia! Um tio querido, ao notar esses olhares diria, espantado: "É impressionante, Pedro! É como se as pessoas te odiassem"!
Na escola era a mesma coisa, os mesmos olhares de nojo e rancor por parte de alunos e professores, até mesmo dos pais que buscavam os filhos depois das aulas. Isso mudou um pouco quando eu conheci Lucas na natação. Ele estudava na mesma escola que eu, no turno da manhã, e eu à tarde, embora isso não tenha impedido de nos tornarmos mais próximos a cada dia e que outras crianças se aproximassem de nós. Era fato que as minhas emoções pareciam um gigantesco imã puxando as emoções dos outros para a minha alma, libertando-as de suas dores interiores. Eu mais parecia uma caixa de guardar sofrimento, sendo eu a primeira vítima. Mas quando estava com Lucas e nossos amigos, as emoções-imã perdiam o foco e me libertavam da dor.
A minha autoestima era a mesma de um cachorro vira-lata adoentado, abandonado pelo próprio dono: a vida. Como seria possível, a um menino, lutar contra as contradições que se formavam na minha cabeça em meio a tanto sofrimento, desinformado que era quanto a minha natureza incomum? A depressão foi profunda aos sete anos. Aos onze eu cortava o corpo para suavizar a dor da alma. As drogas passaram perto e a loucura estava sempre próxima. O que me salvou de um possível e quase certo suicídio foi a minha inteligência extraordinária, capaz de se sobrepor, com equilíbrio e temperança, à tempestade psicológica dentro da minha cabeça, apesar dessa inteligência mais se assemelhar a um fio de aranha bem próximo de se romper a um toque suave.
O desespero de ser vítima das emanações fluídicas da alma das pessoas também tomou um outro rumo quando, ao entrar para a faculdade de Direito aos quinze anos, em um exercício de aptidão ao Direito Aplicado, eu consegui desvendar as provas forjadas de um crime as quais levariam um inocente para a cadeia. Eu descobri a farsa com o brilhantismo de um perfeito detetive criminalista. Nosso professor comentou que eu jamais daria alguma coisa boa nas demais áreas do Direito. Ele estava certo! Meu negócio eram os pormenores de uma investigação e, depois, a truculência do combate às drogas e armas; de topar com tiros e bandidos, de viver dentro do 'pega pra capá' de uma delegacia de polícia. Eu me formei em Direito aos vinte anos, terminei o mestrado aos vinte e três, fiz o doutorado no Rio de Janeiro, e passei no meu primeiro concurso em primeiro lugar aos vinte e oito anos: Delegado da Polícia Federal em Roraima! Eu enchia o peito de orgulho! Eu era o primeiro da minha família a ser Doutor! Depois eu começaria a ajudar os primos a realizarem seus sonhos.
Descobrir o meu perfil profissional rompeu, em grande parte, com a ligação fluídica que eu tinha com as pessoas. Elas não me olhavam mais como demônios acusadores e passei a viver na urgência diária, aliás, uma ordem dinâmica, para me manter firme, com os pés, a cabeça e os sentimentos no mundo real.
Boa Vista, a agradável e pequenina cidade no norte do País, tão "distante" do Brasil quanto possível fosse (pelo menos era o que queríamos), onde os adultos viviam tranquilos e os adolescentes se espalhavam. Eu não entendia o que acontecia comigo enquanto crescia, ninguém da minha família comentava a natureza celeste do meu pai, enquanto eu, um 'nephilim', filho de um anjo com uma mortal, repetia a sensação de ter asas abarcando o nosso grupo de amigos enquanto apreciávamos o pôr do sol da Ponte dos Macuxis. Nós subíamos no parapeito de grade fina sem qualquer proteção. O rio Branco, metros abaixo, nos brindava com suas águas claras de corrente rápida e perigosa nos meses de chuva, mas também, de ritmo lento e pouca profundidade nos meses de calor e seca. Nessas ocasiões eu me assustava com a sensação de permitir que as minhas asas saíssem das minhas costas em ondas de energias, a proteger a todos nós de uma queda fatal. Geralmente, os carros que passavam, a polícia, até mesmo um de nossos parentes, vinham impedir a alegre loucura. Nós pegávamos nossas bicicletas para fugir de todos e nos esbaldávamos. Eu me esquecia das asas, era feliz.
Hoje em dia, relembrando a infância e adolescência, eu entendo que a sensação de ter asas nas costas, não era 'criação da minha cabeça', como sentenciava minha mãe: "Mininu, cê tá doido, é doido? Fica inventando 'mirage', é"? Logo a minha mãe, viúva de um Arcanjo? As minhas visões, e as energias em minhas costas, eram o indício dos meus instintos de anjo-guia do nosso grupo. Até hoje é assim, já que, na maioria, nós somos policiais. Disso eu gosto, sabendo isso eu respeito quem eu sou, mas é só isso e chega! Pedro de Assis Aydin Dagbjartur Wapichana é o meu nome e eu sou um anjo...
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Cotidiano de um Anjo
Paranormal"Não existe um só dia em que eu não esteja em confronto com Deus! Mas eu posso! Eu sou um anjo!" - Diz Pedro, em seu diário. Pedro é um anjo revoltado com seus dons e poderes. Mesmo ao encontrar o seu caminho divino, se enfurece e se volta n...