02 - Quem sou eu?

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Acorde, milady...

A voz suave se insinuou em meus ouvidos, mas eu resmunguei, como quem protesta de leve enquanto ainda está mergulhado no sono.

— MILADY!

Dessa vez, a voz veio firme e mais alta. Num susto, sentei-me rapidamente na cama, o peito arfando enquanto tentava entender o que estava acontecendo. Meu olhar percorreu a figura à minha frente: uma mulher vestida com um traje de empregada de épocas antigas. Eu não fazia ideia de onde estava, nem do que aquilo significava.

Minhas memórias estavam confusas, ainda enevoadas. Foi então que um pensamento avassalador me atingiu: na noite anterior... eu havia morrido. Sim, eu havia morrido.

O que estava acontecendo?!

— Milady, está bem? Preciso arrumá-la para o café da manhã — a mulher insistiu, puxando-me em direção a um banheiro. Antes que eu pudesse reagir, ela já estava me colocando numa banheira, tentando despir minha camisola longa e rendada.

— Ei! Calma aí! — segurei as roupas, sentindo o tecido delicado em minhas mãos. Aquela camisola não era nada o meu estilo. Desde quando alguém usava uma coisa dessas?

Tentei me levantar e sair da banheira, mas a mulher, num gesto resoluto, continuou a tirar minhas roupas. Que loucura era essa?! Quem era essa mulher maluca?

Enquanto lutava para entender onde eu estava e como havia chegado ali, ela voltou a falar, agora com um tom mais urgente:

— Milady, por favor! Temos que levá-la ao jardim, o café já está servido.

Aquela súplica estranha me fez hesitar. Mesmo sem entender nada, talvez fosse melhor seguir o fluxo por enquanto. Quem sabe, depois, ela pudesse me ajudar a desvendar o mistério de onde eu estava.

Enquanto ela me lavava — o que, aliás, era a coisa mais estranha que já me acontecera —, minha mente começou a formular teorias. Talvez eu não tivesse morrido no acidente de carro. Alguém poderia ter me resgatado e me trazido para esse lugar bizarro. Mas, se era isso, por que tudo parecia tão irreal?

— Todos ficaram muito preocupados com seu acidente, milady — comentou a mulher, lavando meu cabelo com uma gentileza inesperada.

Aquilo me despertou do torpor. Virei-me para encará-la.

— Você sabe sobre o acidente?

— Claro que sim. Quase todos no reino souberam. Seu pai está fazendo o possível para abafar os rumores na capital.

Franzi a testa. Reino? Capital? Rumores?

— Suicídio?! Casamento?! — ri, incrédula. Nada daquilo fazia sentido. Quem me conhecia sabia que eu jamais faria algo assim. Além disso, casamento? Eu?!

Enquanto a mulher me vestia com algo que lembrava a lingerie da era vitoriana, ela olhou para mim com uma raiva silenciosa. Imediatamente, parei de rir.

— Eu te conheço há anos, Marie — ela disse, ajustando um corpete apertado em mim. — Sei que ama Sebastian, mas você tem um compromisso com seu povo.

Sebastian? Compromisso? E, ainda por cima, aquele corpete apertado como uma armadilha me sufocava. Eu não estava gostando nada dessa "nova realidade", mas algo me dizia que resistir não ajudaria. Talvez seguir o jogo fosse minha única opção.

— Seus pais estão esperando no jardim — ela anunciou, abrindo a porta.

Pais? Meus pais tinham morrido anos atrás, antes de eu largar a faculdade de medicina. Mas, ainda assim, segui a mulher pelos corredores do que parecia ser um castelo. A decoração, as imagens nas paredes... tudo parecia saído de um conto de fadas distorcido.

Chegamos ao jardim. Lá, duas pessoas que aparentavam estar na casa dos quarenta anos estavam sentadas, tomando chá. O cenário estava longe do idílico: as plantas ao redor pareciam morrer lentamente, em contraste com a riqueza de suas roupas.

— Milorde — a mulher que me acompanhava saudou o homem com uma reverência.

Aquilo definitivamente era um sonho maluco. Só podia ser.

— Marie, você está bem, minha filha? — perguntou a mulher à mesa, a "minha mãe".

A empregada me ajudou a sentar à mesa. Então, era isso? Eu estava vivendo a vida de outra pessoa?

— Estou bem, mãe — respondi, tentando parecer normal. Mas o olhar desconfiado do casal me deixou alerta. Pareciam achar estranho o jeito que eu falava.

A conversa seguiu com um tom surreal, cada vez mais desconcertante. Falavam de um casamento para salvar o reino, de um pai furioso e uma mãe chorosa. Eu não fazia ideia de como me comportar, mas era impossível ignorar a tensão crescente. Algo estava profundamente errado.

E, como se a realidade estivesse desmoronando ao meu redor, um homem apareceu para me levar em uma carruagem. Sem saber para onde estava sendo levada, decidi me soltar da empregada e caminhar sozinha, ainda tentando digerir tudo aquilo.

A viagem continuou, e pela janela da carruagem, eu observava o castelo ficando para trás, na esperança de que, em algum momento, eu acordasse deste pesadelo vivido na pele de Marie Brown... quem quer que ela fosse.

Call me KingOnde histórias criam vida. Descubra agora