03 - A Chegada

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Eu nunca mais reclamaria de andar de ônibus se conseguisse acordar daquilo. Estava experimentando a pior coisa da vida. Achei que nada poderia ser pior que usar aquele espartilho apertado, mas andar de carruagem era, com certeza, a nova campeã no ranking de desconforto.

Foram dias de viagem até a tal "Capital". Vomitei tantas vezes que perdi a conta, e cada solavanco da carruagem na estrada de terra me fazia desejar nunca ter saído da minha cama. As olheiras em meu rosto me faziam parecer a Marie Brown de antigamente, que passava noites em claro estudando.

Aos poucos, fui descobrindo detalhes da minha nova vida. O nome da empregada era Lola. Eu não ia muito com a cara dela, mesmo que cuidasse de mim. Estava claro que ela fazia tudo aquilo por obrigação, sem um pingo de simpatia. No entanto, tentei manter a mente aberta. Não gosto de julgar alguém completamente sem conhecer melhor.

— Estamos... chegando? — perguntei, exausta, enquanto segurava o estômago numa tentativa inútil de evitar a náusea que já me consumia.

— Já chegamos na capital, em breve sairemos das estradas do bosque — respondeu Lola.

Suspirei aliviada. Depois de alguns minutos, as casas e tavernas começaram a aparecer. Olhei pela janela, maravilhada com a visão que se descortinava. Parecia um cenário da Disney, com aquele toque medieval. Pessoas caminhavam de um lado para o outro, carregando cestas e fazendo compras nas barracas. A maioria das mulheres usava vestidos longos e simples, de cores neutras. Eu me lembrei das aulas de história: naquelas épocas, roupas com cores vivas e tecidos de qualidade eram caríssimos. Pensei em como era bom viver em 2018, quando você poderia encontrar roupas estilosas em brechós por preços acessíveis.

A carruagem continuava, e eu me pegava encantada com a beleza do lugar. Mas logo saímos da área mais movimentada, e depois de um tempo, até Lola correu para a janela. Lá estava o castelo.

Gigantesco, imponente. Era quase inacreditável. Dei um tapa no meu próprio rosto para garantir que não estava sonhando.

— Meu Deus, milady! Está bem?! — Lola me olhou, alarmada.

Assenti rapidamente, percebendo que meu comportamento não era nada apropriado para aquela época. Precisava me policiar.

A carruagem atravessou enormes portões de ferro, guardados por homens em uniformes magníficos. Continuei observando tudo, maravilhada. O jardim era deslumbrante, comparável ao de Versalhes, com uma variedade de flores e plantas dispostas em arranjos perfeitos.

Quando finalmente paramos, uma empregada abriu a porta, e Lola, com a habitual expressão séria, me ajudou a descer. Várias outras empregadas surgiram para pegar nossas malas e pertences. Eu mal sabia para onde olhar: o castelo ou o jardim?

— Lady Brown! — ouvi uma voz feminina, e quando virei, vi uma mulher caminhando em minha direção. Ela estava cercada por damas de companhia, e o brilho das joias em seu pescoço, pulsos e orelhas a denunciava. Ela usava uma coroa. Espere... a rainha?!

— Vossa majestade — murmurei, inclinando-me desajeitadamente em uma reverência que esperava ser adequada.

Ela sorriu.

— Fico feliz em saber que chegou segura. Infelizmente, o rei e meus filhos não puderam vir recebê-la, mas esta noite haverá um banquete em sua homenagem.

— Fechou! — respondi no automático, e imediatamente me arrependi. A rainha franziu a testa.

— Fechou o quê, senhorita? — perguntou, confusa.

Antes que eu pudesse me enforcar com outra gafe, Lola interveio.

— Milady está apenas nervosa, majestade — explicou Lola, e a rainha voltou a sorrir.

— Não se preocupe, querida. Agora você é praticamente da família. Vamos entrar, as criadas levarão você até seu quarto.

Enquanto Lola e eu seguimos as empregadas para dentro do castelo, não pude deixar de me encantar com a grandiosidade do lugar. Os corredores eram intermináveis, e os detalhes de mármore e ouro brilhavam por toda parte. Era como caminhar por dentro de uma obra de arte.

— Este é seu quarto, milady — anunciou uma das criadas, abrindo a porta.

Eu mal prestei atenção enquanto traziam minhas coisas. Estava cansada demais para pensar em qualquer coisa além da cama. Assim que me joguei sobre os lençóis macios, apaguei.

•••

Acordei com Lola me encarando de braços cruzados. Bocejei e esfreguei os olhos, ainda grogue.

— Milady, está na hora do banquete. A família real estará presente.

— Ok... — murmurei, ainda meio adormecida.

— "Ok"? Que tipo de expressão é essa? — Lola me olhou desconfiada. — Desde que você... tentou aquilo, está agindo de forma estranha. Fala coisas sem sentido e age como uma camponesa.

Me levantei rapidamente e comecei a tirar a roupa.

— Esquece isso. Me ajude a me arrumar para o banquete — respondi, tentando desviar o foco. Ninguém podia suspeitar que eu não era realmente Marie Brown.

Lola me vestiu em um belo vestido vermelho, cheio de detalhes dourados. A parte de cima era apertada, especialmente com o espartilho sufocante que ela insistiu em ajustar ao máximo. Após a maquiagem, que era incrivelmente sutil para a época, Lola olhou para o relógio.

— Estamos atrasadas! Vamos!

Corremos pelos corredores até o salão de jantar, e quando chegamos, fiquei impressionada com a quantidade de nobres e aristocratas presentes. Todos me lançavam olhares curiosos, alguns cochichando entre si.

— Parece que o boato sobre sua tentativa de suicídio se espalhou — sussurrou Lola, enquanto caminhávamos pelo salão.

Precisava fazer algo antes que Lola começasse a suspeitar demais.

— Lola, preciso ser sincera com você — falei, em um tom baixo, olhando ao redor para me certificar de que ninguém nos ouvia.

— Diga, milady.

— Eu perdi minha memória — confessei.

Lola engasgou com o vinho que estava tomando.

Call me KingOnde histórias criam vida. Descubra agora