Enquanto as sirenes tocavam sinalizando a chegada da polícia, eu continuava a analisar o corpo caído em minha frente. A possa de sangue aumentava e seus olhos ainda esbugalhados me faziam recordar nossos últimos momentos juntos.
— AQUI É A POLÍCIA! ESTAMOS CERCANDO A CASA! SAIA COM AS MÃOS PRA CIMA!
Um suspiro cansado sai de meus lábios e finalmente mudo a direção do meu olhar para aquele jarro de rosas vermelhas. Retiro uma e me inclino sobre seu corpo, depositando um suave beijo em sua pele já fria e lhe entregando uma das tão amadas rosas de minha coleção.
Toc Toc.
Bato com mais força do que gostaria e espero enquanto abraço eu mesma na tentativa vão de me livrar do frio. Serra Álgida é mais fria do que diz o folheto.
Toc Toc Toc Toc.A pressa não me permitiu esperar mais que dois segundos. De repente a porta se abre revelando uma silhueta masculina descoberta. Eu poderia ter ficado reparando seus desenhados gomos abdominais ou seu desarrumado penteado, mas ao invés disso caminhei rumo a dentro sem me importar com sua opinião a respeito.
— Prima? Vem aqui — Disse ele fechando a porta assim que eu passei e me puxando junto a ele. Eu apenas trouxe meus braços para perto do meu próprio corpo. Aquele tipo de contato não me era familiar e eu não sabia se fosse ser um dia.
— Eu sinto muito pelo o que houve com seus pais — Lucas finalmente me soltou — Eu sabia que sua mãe era maluca, mas não a esse ponto. Matar Vagner por ciúmes, aquela mulher é totalmente desequilibrada.
Talvez eu devesse ter dito a verdade aos policiais do Rio, algo do tipo; meu pai me estupra todas as noites desde os 10 anos e naquele dia resolvi me vingar, mas eu seria presa justo no dia da minha liberdade. Meu egoísmo não permitia ação tão nobre e não me arrependi depois que vi a repercussão que esse assunto levou consigo.
— Vem comigo. Vou preparar algo para você comer. Deve estar faminta.
Ele estava certo. Foi uma longa viagem sem direito a refeições no caminho.
— Da última vez que eu te vi também não falava uma palavra. Seus pais nunca a levaram para ver isso? — Neguei com a cabeça — É lógico que não. O que esperar de Bianca e Vagner?
Revira os olhos. Era curiosa sua maneira de ser e me intrigava um pouco. Mesmo ele não me conhecendo direito, tentava se comunicar comigo de um jeito mais familiar do que meus pais fizeram a vida toda.
Eu caminho até que fico ao seu lado passando maionese no pão que ele mesmo cortara, o fazendo sorrir pela ajuda.— Obrigado.
Assim que meu sanduíche e chá estavam prontos, me sentei para comer enquanto era observada por Vidal. Ele parecia aflito, cheio de dúvidas, mas dei de ombros, de qualquer jeito não perguntaria sobre seus pensamentos. Que coisa mais intrometida.
— Olha, depois de tudo que aconteceu, você acabou de terminar o colégio, perder seus pais, achei que seria uma boa te arrumar um trabalho, sabe?! Pra que você ocupe a sua mente. Então pedi a um amigo uma vaga na loja dele. É bem pequena e você não vai atender as pessoas já que não fala, mas acho que pode te ajudar.
Isto era intrigante também. Eu não precisava de ajuda. Estou melhor que nunca; meu pai está morto e minha mãe sumiu da minha vida, como não comemorar? Mesmo assim achei que não deveria expressar este tipo de pensamento. Apenas concordei bebericando um pouco de chá.
— Ótimo! Amanhã antes de ir trabalhar eu te levo até ele para você conhecer tudo. Agora vou preparar o sofá. Fique à vontade.
Totalmente a vontade aquela noite eu não fiquei. Observava o relógio todo o tempo já acostumada aos horários que meu pai chegava pela madrugada para "se divertir" comigo. Finalmente quando deu quatro horas da manhã pude dormir, tendo a certeza de que hoje ele não viria.
by SAFIRA
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Os Corpos de Palmas I
Gizem / GerilimA mente humana é fascinante e bastante perigosa quando traumatizada. Esse é o caso de Aline, uma jovem com diversas tragédias do passado pronta para tentar seguir em frente. Mudando para o município de Palmas, matando seus medos e se livrando de qu...