Transformados

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[ Kassandra ]

     As crianças chamaram ele de vovô. Ele era um tio velho cheio de filhos? Parecia tão jovem e viril. As crianças dançando era uma graça. Parecia que eram irmãos gêmeos. Os dois, ruivos de olhos azuis. De repente, outras pessoas começaram a dançar também. Com crianças entre eles. Eu não sabia quem eram. Mas, evitaram que meu constrangimento fosse maior. Mãe e pai sorriam, abraçados. Gostando da cena.
     _ Me permite a honra dessa dança?
     Aquela voz grossa e cheia de poder, reverberou em mim. Como era perfeito! E aquele olhar de admiração... Era para mim?
    _ A honra é minha, senhor!
    Dançar com ele era totalmente diferente. Ser conduzida por alguém experiente e seguro de si, me deixava tranquila.
    _ Conhece essas pessoas?
    _ São meus filhos e netos.
    Olhei ao redor. Era um número grande.
    _ Tem muitos casais entre eles. Você casa seus parentes?
    Ele ergueu a sobrancelha, irônico.
    _ São transformados. Não aprovo incesto.
    Menos mal. Ele chamava de filhos, todos que transformou?... Isso era novidade. Geralmente, os originais tratavam seus transformados apenas como escudos vivos. Eles eram somente o exército particular, obrigado a morrer pelo seu "rei". Sem nenhum tipo de consideração. Somente outros originais eram tratados com respeito. Havia uma discriminação muito grande com transformados. Aquele original, sem dúvida era especial.
    _ Parecem felizes. Nunca vi vampiros criados, assim.
    _ Você nunca viu um original como eu!
    Verdade!... Ele era o melhor em todos os sentidos.
    _ Sabe do que se trata esse baile. Devo te considerar um pretendente?
    Eu queria que sim. O escolheria com certeza.
     _ Não vim ao baile por isso. Jamais me colocaria nessa posição humilhante de ser só uma opção, entre outras.
     Foi difícil disfarçar o meu abalo. Claro que um homem como ele estava acostumado a ter sempre alguém correndo atrás.
     _ E porquê veio?
     _ Caçadores!
     Eu já tinha escutado várias vezes sobre isso. Um grupo caçando originais. Parecia só uma desculpa para justificar como o nosso número caiu tanto.
     _ Caçadores? No meu baile?
     _ Muita energia reunida em um só lugar.
     Sim, fazia sentido. Eu mesma estava impressionada com a aura gigante dele. Mas, como eles entrariam em uma festa particular?
     Viktor parou de dançar. E se afastou. Fiquei em alerta.
     _ Filhos!...
     Não precisou dizer mais nada. As mulheres se afastaram com as crianças. Viktor entrou na frente dos homens. Que faziam uma linha protetora atrás dele. Eu estava protegida, atrás.
     _ Kassandra.
     Uma garota ruiva que abraçava os gêmeos, me chamou.
     _ O que foi? Quem é você?
     _ Eu sou a Lívia. Somos aliados. Vamos te proteger. Venha até aqui.
     Me proteger? Porquê? Se nem me conheciam?
     _ Eu sou uma original. Posso me proteger sozinha.
     Ela olhou para as crianças. Elas olhavam para a porta.
     _ chegaram. _ disseram.
     Ouvimos um grito na direção da porta. Pelo visto, os humanos que cuidavam da recepção foram confundidos com vampiros. Ou eles fizeram de propósito?
      _ Ora, ora... Vejam quantos originais... Eu disse que seria uma boa caçada.
       _ Os cheiros estão misturados.
       _ Não importa. Matem todos. Vampiros e aliados. Vamos limpar o mundo, dessas aberrações.
        Todos?... Eu me concentrei, e criei um escudo em torno daquelas mulheres e crianças.
       _ Tente passar por nós.
       Aquele original tinha coragem. Isso eu tinha que admitir.

******


[ Viktor ]

     Eles estavam ali. Eu não queria colocar ninguém em um perigo desnecessário. Então, eu criei um escudo de proteção ao redor de todos.
     Eles tentaram atacar.  Mas, o golpe os acertou. Refletido pelo meu escudo. Eles caíram, devido ao choque.
     _ Mas, o quê?
     _ Quem fez isso?
     _ Talvez seja má ideia atacar todos juntos. Grave o rosto de cada um. Vamos pegá-los separadamente.
     _ À começar por aquele ali. Que desafiou a gente.
     _ A gente se vê, otários.
     Eles foram embora, da mesma forma que vieram. Eu também não achava o ambiente adequado. As crianças não precisavam ver. Na hora certa, assertaria as contas.
      _ Estão todos bem?_ perguntei me virando.
      Eu vi aquele escudo de proteção em volta das mulheres e crianças do meu grupo. Lívia estava olhando para Kassandra. Surpresa. Foi ela? Protegeu minhas filhas? Talvez, não fosse tão inútil quanto parecia.
     _ tudo bem, vovô. Agora começa. _ disse Tomás.
     _ Você está marcado. _ disse Cristina.
     Marcado. Só porquê estava no lugar errado, na hora errada. Deu tanto trabalho esconder minha identidade durante tantos anos. E por causa daquela mulher, tudo estava perdido. Eu não ia colocar meus filhos em risco por causa dela nunca mais.
     _ Já cumprimos nossa missão aqui. Vamos!
     Eles olharam para ela. Eu não quis ver. Notei o escudo sumindo imediatamente. Virei as costas e fui cumprimentar os aliados.
     _ Você tem uma bela filha. Porém, o clima de festa acabou.
     _ Nunca teria te convidado se soubesse que se tornaria o próximo alvo. Não queria te prejudicar.
     _ Fique tranquilo. Eu sei me cuidar.
     _ Você sabe porquê os originais perderam. _ ela olhou meu grupo. _ Você confia neles?
     Eu olhei para eles e sorri.
     _ Confio! Incondicionalmente.
     Saímos dalí e voltamos para a Limousine. Eu fiz questão de conferir discretamente, se estavam todos ali. Respirei aliviado.
      _ Foi só um susto. Só queriam saber quem eram os originais ali. _ disse Julius.
      _ Sua aura abafa a de todos Viktor. Não tinha como não escolherem você, de alvo. _ disse Lucas.
     _ Vovô é o mais forte. _ disse Tomás.
     _ Vovó é forte também. O escudo é bom. _ disse Cristina.
     _ Escudo? _ quis saber Peter.
     _ Ela nos protegeu. _ disse Lívia. _ Ofereci proteção à ela. Mas, ela recusou. Disse que não precisa, já que também é uma original. No final, foi ela que colocou proteção em torno de nós.
    _ Reparei que os originais se sentem invencíveis. Nenhum se abalou com os inimigos. _ disse Nicolae. _ E ainda vieram perguntar o que fazíamos ali. Quem tinha nos convidado.
     E eles se distraíram. Deixando as crianças irem até a Kassandra.
     _ Não quero que parem de vigiar as crianças nem por um minuto. Quanto as suas impressões... Originais geralmente se sentem superiores. A raça pura! A maioria não transforma ninguém. Acham uma afronta, que meros humanos se tornem como nós. Outros transformam só para terem escravos. _ eu disse.
     Talvez, dizer a verdade fosse o melhor caminho.
     _ Você não é discriminado por ter essa ligação com a gente? _ quis saber Ralph.
    Eu dei um sorriso triste.
    _ Ninguém questiona um Bartholy. Eles não querem um inimigo como eu. Então, na minha frente não falam nada. Pelas costas... Eles tem raiva, nojo, inveja. Acham que estou criando cobras. Que vocês se voltarão contra mim.
    _ Já resolvemos nossos problemas. _ disse Alexandre. _ Sabe que pode confiar em nós.
     Olhei cada um deles.
     _ Eu sei.
     Tomás desceu do colo de Nicolae e veio sentar no meu colo.
     _ O que foi?
     _ Vovó... os homens maus marcaram ela. 
     _ Sabe quando vão atacar?
     _ precisam vigiar primeiro.
     _ Então, vão nos vigiar também. Não quero ninguém saindo sozinho. E atenção redobrada com as crianças.
     _ Sabe o que acabei de notar? Se originais não se importam com transformados. Porquê Kassandra nos protegeu? _ quis saber Lívia.
     _ Verdade. Você tem aliados que fariam isso se você pedisse. Mas, ela fez isso por vontade própria. _ disse Lorie.
     _ Ela é diferente. _ disse Sabrina.
     Lembrei do sorriso dela ao olhar as crianças.
     _ Os pais dela são meus aliados há anos. Tem uma tolerância maior aos transformados. Tanto que nem hesitaram em ajudar vocês. Talvez a tenham criado sem odiar vampiros. Não importa de qual tipo.
     _ Ponto positivo para a sua garota. _ disse Lucas.
     Revirei os olhos.
     _ Você ainda nem falou se gostou dela. _ disse Lorie.
     _ É sua vez, Viktor. Ela é sua missão. _ as meninas deram risadas.
     Sabia que um dia isso se voltaria contra mim.
     _ Ela é linda!...
     _ E..._ incentivou Julius. _ gostou ou não?
     Não sei porquê. Eles naquela expectativa me deixaram sem graça.
     _ gostei.
     Claro que vieram as piadinhas...
     _ Eu não sou muito diferente dos outros originais. Vocês são minha exceção.
    _ Está com medo da gente se virar contra você depois de ver você caçando, ou matando alguns humanos?_ quis saber Lorie.
    _ Eu sei que sou nova no grupo. Entrei no lugar de Lavínia. Mas, eu vi você matar um humano. E serei eternamente grata, por isso. Ele mereceu. Seja lá o que você fizer, eu não vou virar as costas para a única pessoa que ouviu meu pedido de socorro.
     Até a novata já estava no clima da lealdade.
     _ Espero mesmo que não se abalem com meu jeito de fazer as coisas. Não é Nicolae?
     Ele deu risada.
     _ Estarei ocupado, protegendo minha família. Não vou ver suas maldades. E mesmo que eu veja... Eu não vou te trair!
     Eu respirei aliviado e abracei meu netinho.
    

*******

[ Kassandra ]

    Como ele podia ir embora sem nem me agradecer por proteger suas filhas? Sem nem olhar para mim. Sem se despedir. Não estava ali por minha causa, mas já que me conheceu, podia ao menos ser educado.
     _ A festa está encerrada!
     Gritei. Não aguentava mais aquela roupa apertada. Fui para o meu quarto sem olhar para trás.
      _ Filha. Que deselegante. Devia deixar seu pai resolver.
      _ Não aguento mais essa palhaçada. Eu fiz o que me pediram e tudo que consegui foi ser humilhada na frente de todos. E ainda atraíram caçadores para perto da nossa família.
      _ Reconheço o equivoco. Tanta energia reunida. Mas, por favor olhe o lado positivo. Seus pretendentes...
     _ Qual, mãe? O que esperava que eu fosse uma virgem de duzentos anos. O que jogou na minha cara que só foi por educação e consideração ao meu pai. Já que conhece minha fama de viúva negra. Ou o que nem se importou em se despedir de mim, porquê só foi até ali, por causa dos caçadores.
     _ Pelos caçadores? Como ele sabia?
    Ainda não tinha pensado nisso. Como? Aquele homem misterioso sabia o que aconteceria na festa e mesmo assim, foi? Ele virou o próximo alvo. Porquê fez isso?
    _ Mãe, quem é aquele último cara com quem dancei?
    O rosto dela se iluminou com meu interesse.
    _ Aquele é o Viktor Bartholy. Família nobre. Um pouco trágica. Ele tem um império. Diversas empresas em vários países diferentes. Para os humanos é um homem de negócios, bem sucedido. Para os vampiros, é um aliado poderoso ou um inimigo implacável. Ele criou vampiros para não ficar sozinho. Sabe melhor que ninguém, que todo mundo tem um ponto fraco. Mesmo os originais. Somos aliados há muito tempo. Ele é confiável.
    _ Estou vendo. Veio aqui nos ajudar, mesmo sabendo que poderia ser um alvo. Mas, ele não tem uma companheira? Um homem do porte dele. Se não queria ficar sozinho, porquê não casou e teve filhos?
     _ Aquele homem foge de compromissos. Gosta de ter controle sobre tudo em sua vida. Mas, ninguém controla os sentimentos. E ele está solteiro, justamente porquê valoriza a família mais que qualquer um.
     _ Ele chama os transformados de filhos.
    _ Sim. Acho que é o mais próximo de ter uma família, que ele se permitiu. Talvez, ainda doa o que aconteceu com sua família.
     _ O que houve?
     _ Ele ainda era um adolescente. Seus dons estavam muito fracos. Ele tinha treinos diários, com o pai. Que pedia nossa ajuda com isso. Parecia não ter talento. Naquele dia ele estava com a família em casa. Quando invadiram, a mãe dele o obrigou a se esconder debaixo da cama. Ele ouviu toda a luta. Seu pai se esforçou muito. Mas, tinham originais no meio do grupo. Lobisomens, bruxas. Queriam dizimar os Bartholys e suas influências. Uma briga por poder. Ele viu todo o horror de sua mãe ser assassinada. Sem poder fazer nada. Seu pai também. Quando eles tombaram, a proteção que colocaram sobre ele se desfez. Os inimigos queriam matá-lo também. Mas, os transformados pelos pais dele chegaram nessa hora e deram suas vidas, para protegê-lo. Um deles o ensinou que originais podiam absorver o poder de outras pessoas. Eles deram seu poder à ele. Isso fez com que finalmente o poder natural de Viktor aparecesse. E com a fúria que ele estava... Matou todos os inimigos com um único golpe. Que ninguém sabe qual foi. Ele culpa a própria fraqueza pela morte dos pais. E é grato aos transformados, que se sacrificaram, para que ele pudesse ter sua vingança. Salvaram a vida dele.
     _ Entendi porquê ele é diferente. Coitado. Ter que presenciar isso. Eu não sei o que faria se fosse eu, hoje, vendo vocês morrerem.
     Abracei minha mãe. Agradecendo por Viktor ter aparecido no baile. Lágrimas caíram no meu rosto, pelo pobre garotinho. Que viveu um horror tão grande. 


Is it love? Viktor - Imerso em sombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora