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[ Viktor ]

   Acordei com o toque insistente do meu celular. Era a nova secretária. Anita. Eu jamais contrataria uma garota sem escrúpulos, alpinista social, para ocupar o lugar de Mia. Não queria ninguém, além dela, como meu apoio na empresa. Rejeitei a ligação e entrei em contato com Mia.
    _ Dê um jeito na secretária. Volte ao seu posto e adie todas as reuniões. Vou ficar em casa esses dias.
    _ Sim, senhor!... Não quer se divertir com ela primeiro?
    Olhei para Kassandra, ainda desacordada. Machucada.
    _ Minha fase de farra já passou.
    _ Vai finalmente aceitar Kassandra?
    Eu não podia ignorar o laço que havia entre nós. Ela era realmente a melhor possibilidade. Evitei usar meu dom tantas vezes, mas, fui obrigado a usar quando me manipularam. Agora eu tinha que encarar isso.
     _ Precisamos resolver algumas coisas primeiro. Depois... Depois eu penso nisso.
     _ Sim, Viktor. Vou cuidar da empresa. Leve o tempo que precisar.
     Fui até Kassandra e observei seu ferimento. Já estava bem melhor. Mas, ela ainda não tinha acordado.
     Verifiquei seus pensamentos mais uma vez... Pude ver a angústia em que todos ficaram, com meu comportamento. Eu me sentia mal. Pior ainda por ter sujado as mãos, matando os transformados de outros originais. Mas, o que mais doía era ter entregado a lista aos originais. Agora eu entendia o que Nicolae sentia... E o quanto não nos sentíamos merecedores do amor e confiança, que tinham por nós, aqueles que traímos. A pior coisa, a que não havia perdão... Traição! Eu fiz tal coisa. Era impossível não me odiar. Eu ainda queria morrer. Pela primeira vez em tantos séculos... Eu queria morrer!
    _ Viktor...
    Kassandra estava murmurando meu nome. Ainda desacordada. Senti ela segurar minha camisa com força. Como se quisesse me manter ali.
    _ Estou aqui. Você vai ficar bem.
    _ Viktor...
    Sua mente estava repetindo imagens do baile. Ela parecia se sentir culpada pelo aconteceu. Como se tudo pudesse ser evitado, com a minha recusa em ir ao baile.
    _ Eu não me arrependo. Fiz o que precisava fazer... Quanto as consequências por ter ido... Temos que aprender a lidar com isso.
    Eu segurei a mão dela. Fiz um carinho em sua cabeça.
    _ Quando tudo passar, vamos ter um tempo só para nós...
    Me inclinei para dar um beijo na testa dela.
    Eu não falaria isso se ela estivesse acordada.
    Enquanto ela se recuperava, eu precisava resolver outros assuntos. Já que não precisava me preocupar com a empresa, eu tinha tempo livre para fazer o que realmente importava... Encontrar as crianças.
    "Nicolae... Precisamos conversar"... usei a telepatia. "Pode falar"... "Não acho que Kassy pode ajudar a achar as crianças. Precisamos descobrir quem as sequestrou. Conseguiu algo com os gêmeos?"... "Não tive outra oportunidade. Estão mantendo eles desacordados com algum tipo de dom, que impede de verificarmos a mente deles, sobre memórias"... "Droga! Seria bom se pudéssemos saber quem os sequestrou"... "Não tem como. E sem saber onde procurar fica impossível. Não sei se vou atrás dos mestiços ou dos originais"... "Talvez, seja melhor dividir. Você avisou os pais de Kassy?"... "Ainda não. Estava lhe dando um tempo à sós com ela. Você disse que ela voltou muito ferida"... "Sim. Ela está melhor agora. E vai se recuperar mais rápido se eles lhe derem sangue"... "Vou avisá-los. E pai... Você está bem?"...
    Como eu poderia estar bem? Depois de ter entregue meus filhos ao Félix? As crianças desapareceram. Era tudo culpa minha.
    "Temos que nos concentrar nas crianças"... Ouvi ele suspirar, resignado. "Se precisar conversar... Estou aqui"... "Obrigado meu filho. Mas, isso é algo que eu preciso resolver sozinho"...
    Olhei para Kassandra. Ainda inconsciente. Talvez, eu realmente deveria ficar sozinho. Uma garota muito protegida pelos pais, quase morreu, depois de me conhecer. Era culpa minha. Eu estava imerso nas sombras da morte. Arrastava o mal comigo aonde quer que eu fosse. Eu era uma existência amaldiçoada. Se ela ficasse ao meu lado, teria o mesmo destino que os meus pais. Por que eu sempre atraía a morte à todos ao meu redor. Meus filhos se feriram várias vezes, desde que os transformei. Meus aliados. E agora, até meus netos. Talvez, fosse realmente o momento de pôr fim à minha existência nefasta. Primeiro eu deveria aniquilar os inimigos. Depois, eu morreria para continuar nossa rixa no inferno. Kassandra encontraria alguém melhor.
   Estava começando a me sentir bipolar.
   Os pais dela chegaram algumas horas depois.
   _ Viktor, como ela está?
   Rebeca estava nervosa. Com uma expressão preocupada.
   _ Vai ficar bem. Ela apareceu muito machucada. Mas, não é fatal. Está no quarto de hóspedes.
   Rebeca foi correndo até lá. Augusto no entanto, ficou ali na sala me encarando.
   _ Por que ela veio para cá?
   _ Não queria que vocês vissem como ela estava.
   _ O que fizeram com ela?
   _ Tortura... E o lobisomem... bem. Você sabe...
   Ele passou a mão pelo cabelo, exasperado.
   _ Malditos!... Vou matá-los. A culpa é minha. Não deveria ter deixado ele trabalhar na minha empresa. É claro que não seria boa ideia.
   _ Eu também falhei em reconhecer o rapaz que Cristina falava.
   _ Eu avisei tantas vezes, mas, ela não escuta!
   _ Existem pessoas que só aprendem ao sentir na própria pele. Ela sabe do perigo agora. É uma pena que precisou quase morrer para entender. Desculpe eu não ter protegido ela.
   _ Você não estava bem. Não se culpe. Ela é minha responsabilidade. Eu sou culpado.
   _ Vá vê-la. Dê seu sangue à ela.
   Ele ficou me encarando.
   _ Obrigado. Ela deve confiar em você, já que veio direto para cá. Ainda espero que seja meu genro. Se for capaz de passar por cima do que aconteceu...
   Ele deu um sorriso forçado e foi ver a filha.
    Ela seria capaz de esquecer o que aconteceu? Eu não. Já não havia salvação para mim. Eu só tinha uma missão e depois... Não podia arrastar ninguém no meu azar. Caramba, era assim que o Peter se sentiu naquela época?
    Esperei na sala até que os Lefevre terminassem a visita.
    _ Estou te achando muito triste. _ disse Augusto. _ Eu sei o quanto você se abalou com o que Félix fez. Pode contar para nós, o que não vai conseguir dizer à eles...
    _ Não tem nada. Eu fiz merda. Minha mente foi manipulada e fui usado como fantoche. Vai ter volta. E eu tenho que encarar qualquer punição que meus filhos precisarem para conseguir me perdoar.
    _ Só que não estão com raiva. Eles entendem que não foi sua culpa. Sabem que não estava em seu juízo perfeito. Viktor, eu nunca vi lealdade e confiança tão incondicionais. Não era o que você queria? Que fiquem ao seu lado não importa o que você faça?_ disse Rebeca.
   Só então, me dei conta de estar pedindo de mais. Eu não merecia. Trouxe tanto sofrimento para eles...
   _ Tudo que fez por eles... Estão te retribuindo. _ disse Augusto.
   _ Eu não fiz nada de bom à eles.
   _ Ah, não! Isso não é hora para uma crise depressiva, onde você questiona a legitimidade da sua existência. Olha para mim... _ disse Rebeca. _ Você é o original mais poderoso, leal e justo que nós conhecemos. Você salvou aquelas pessoas. Várias vezes. Nós te ajudamos. Eles só estão aonde estão, por que você se importou com eles. Que outro original trataria transformados como iguais? Como família? Você é um exemplo para todos nós. Não se menospreze por culpa de Félix. Ele vai pagar na hora certa. Você tem que superar o que aconteceu. Pelos seus filhos. Pelos seus netos. Por minha filha. Supere e se perdoe. Por favor!
   Eu fiquei sem jeito. Por um momento eu parecia estar com meus pais. Eu sentia tanta falta deles.
    Olhei para o chão. Me sentindo mal com toda a situação. Para meu espanto, os dois sentaram ao meu lado no sofá e me abraçaram.
    _ Um genro é como um filho. Nos deixe ser como seus pais. Se apoie em nós..._ disse Rebeca.
   _ O fardo que carrega é pesado. Você não está sozinho. _ disse Augusto.
   Eu não sabia lidar com isso. Eu estava me odiando tanto, que receber amor e carinho, me deixava incomodado.
   _ Vocês precisam cuidar da sua filha.
   _ De você também. _ disse Rebeca.
   _ Não adianta. Não vamos deixar você sozinho. _ disse Augusto.
   A campainha tocou. Eu sabia... Meus filhos vieram.
   Augusto sorriu e foi atender a porta.
   _ Também é culpa nossa, você virar fantoche do Félix. Você não deveria ficar sozinho. _ disse Rebeca.
    _ A culpa foi minha, por achar que podia lidar sozinho com a situação. Devia ter enviado o sinal que combinamos. Eu sou o responsável pelo que me aconteceu.
    Meus filhos se aproximaram. Estavam com expressões tão devastadas, que meu mal estar aumentou.
   _ Vamos achar as crianças. _ eu disse. _ Nem que seja a última coisa que eu faça na vida.
   Nicolae me encarou e cruzou os braços. Irritado com o que viu na minha mente. Bloqueei para não ter que dar explicações. Mas, logo teria que ouvi-lo reclamar.
    _ Como a Kassandra está?_ Lívia perguntou.
    _ Vai ficar bem. _ disse Augusto.
    _ Se ela não estava com as crianças, quem está? Será que o mesmo que a sequestrou, levou as crianças para outro lugar? Ele estava lá. É o principal suspeito não é?_ disse Rebeca.
    _ Sim. Devemos investigar ele primeiro. Para isso precisamos de sua filha. _ disse Ralph. 
    Todos olharam na direção do quarto. Precisavamos voltar aonde Kassandra esteve. Ela teria um psicológico forte o suficiente para estar de novo no local onde sofreu tanto?
    _ Temos que esperar que ela acorde._ eu disse.
    "Espero que você pare com esses pensamentos sombrios. Não haja como o Peter. Sua existencia é muito importante para muitas pessoas. Não nos abandone"... A mensagem telepática de Nicolae fez eu me sentir mal. Estava pensando de mais em mim e esquecendo o quanto eu magoei meus filhos. Precisava por a cabeça no lugar, antes que os machucasse mais. Eu estava confuso sobre o que deveria fazer a seguir. Talvez fosse melhor só deixar as situações aparecerem e ir lidando com uma a uma. Sem traçar nenhum plano. De qualquer forma, era melhor não pensar, no momento. 
    _ Nós vamos te acompanhar em qualquer lugar que for, Viktor!_ disse Alexandre. _ Foi um pouco culpa nossa por te deixar sozinho. 
    _ Sim. Tomás havia me pedido para não te deixar sozinho. Eu me descuidei._ disse Nicolae.
    _ Não preciso de babás.
    _ Seremos seus guarda costas. Você pode dizer para os humanos que contratou seguranças. É natural que um homem tão rico tenha alguns..._ disse Ralph. 
    _ Não vamos te deixar sozinho. Isso não é uma escolha._ disse Sabrina.
    _ E o que farão para conseguir me perdoar? Qual será minha punição?_ eu perguntei.
    Eles ficaram em silêncio me encarando. Como se não levassem o que eu falei a sério.
    _ Viktor..._ começou Rebeca.
    _ A única coisa que queremos é que você continue sendo o mesmo de sempre. Que isso não mude você. E que não faça nenhuma estupidez. Leve o tempo que precisar para se perdoar e seja o nosso pai protetor e leal, como sempre!_ disse Lucas.
    _ Isso não faz eu me sentir melhor._ eu disse. 
    Eu cruzei os braços. Distraído. Quando senti meu rosto arder, eu nem acreditei. A primeira reação após a surpresa foi ficar irritado. Mas, eu me acalmei assim que vi que Mia estava parada na minha frente. Com os olhos úmidos. Como se estivesse segurando o choro. 
    _ Isso é por ter me tratado tão mal. Por ter agarrado meu pescoço. Por fazer eu me sentir um nada. Mas, eu sei que você não estava em seu juízo perfeito. Então... Está perdoado!
     Mia ficou na ponta dos pés, para dar um beijo no meu rosto. No mesmo lugar, em que havia dado um tapa momentos antes. 
      Eu acabei sorrindo. O peso que eu sentia com relação à ela, se dissipou. Agora eu não precisava mais me sentir culpado pelo que houve. Eu podia me perdoar. 
      _ Obrigado, Mia. Está tudo bem na empresa?
      _ Sim. Resolvi todos os assuntos, não se preocupe. 
      O clima ficou mais tranquilo. Como se a tensão se dissipasse num passe de mágica. Mas, logo outro tema doloroso voltou à tona.
      _ Vou continuar tentando contato com Tomás e Cristina. _ disse Nicolae.
      Olhei para Lívia e reparei que ela tinha uma expressão muito triste. Seu rosto era tranquilo. Mas, seus olhos não tinham vida. 
      _ Seus filhos estão cuidando dos nossos. Foi bom acostumá-los a isso desde sempre. Eu achava que isso não era bom para as crianças. Pensei que era um exagero. Mas, hoje eu realmente agradeço por vocês terem criado eles desse jeito. _ disse Amélia. 
      _ Eu sei que questionam minha maneira de lidar com meus filhos, mas, eu realmente fiz o que achei que era melhor. _ Lívia estava sorrindo. Mas, seus olhos continuavam opacos. 
       _ Eu agradeço por você e Nicolae confiarem neles e em seus dons. Se não fosse por isso, eu não teria conseguido me libertar do controle de Félix. Foi por causa das crianças que eu abaixei a guarda o suficiente para escutá-los e começar a questionar o que estava acontecendo. Acredite em mim. As crianças eram a única forma de me fazer baixar a guarda. Vocês agiram corretamente. E é muito injusto que os questionem como pais. Vocês são ótimos pais. Nunca duvidem disso. 
      Os olhos de Lívia por um instante demonstraram dor, antes de voltarem a ficar sem vida. Eu resolvi ler seus pensamentos discretamente. Enquanto todos se dirigiam ao quarto, para ver Kassandra...
     "Eu confio em meus filhos. Sei que farão tudo para manter as crianças em segurança. Mas, à que preço?..."
      Quando eu entendi o que ela estava pensando, meu coração doeu. Os gêmeos tinham em mente que deviam proteger as crianças. Aconteça o que acontecer! Mas, quem iria protegê-los?... E se o preço para manter as crianças seguras, fosse justamente... A vida deles? 
     Não era o questionamento dos outros que a incomodava. Era o próprio questionamento dela. Ela não sabia se era realmente uma boa mãe. E logo eu percebi o porquê ela estava se questionando tanto. Mas, eu não disse nada. Eu não sabia o que dizer...

      

   
   
   
   
  
   
     
    
   
  
  
  
   
   
  
  
  
  
   
  
  
   
  
   
   
   
   
   
   
   

Is it love? Viktor - Imerso em sombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora