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Eu não dormi bem aquela noite.

Mas isso não era novidade. A não ser que eu trabalhasse o suficiente durante o dia a ponto de esgotar todas as minhas energias, cansado demais para sonhar, eu não dormia bem.

Algo estava me incomodando e eu não conseguia dizer o que era. Mas quando uma das portas dos quartos abriu e eu ouvi passos se aproximando, eu tive a impressão de que aquela garota caminhando no escuro era a responsável pelo meu desconforto.

Eu estava no canto da cozinha, engolido pela escuridão, então ela não me notou quando foi até a geladeira, procurando o que queria.

Respirei fundo e me aproximei, silencioso. Parei atrás dela, perto o suficiente para sentir o cheiro doce dos seus cabelos ruivos. Observei seus cachos vermelhos como se o sentido de Melissa estivesse escondido entre as ondas.

A sua explosão do dia anterior continuava se repetindo na minha cabeça. E muito me lembrava dos meus próprios surtos, o que atiçava mais a minha curiosidade.

Puxei seu aroma, tomando cuidado para que ela não me percebesse. Melissa se fecharia em seu casulo no momento em que notasse ali. Enquanto ela não me via, eu poderia estar na presença da garota por trás da máscara.

Franzi o cenho, confuso com meus próprios pensamentos.

Resolvi acabar com aquele momento antes que eu pensasse demais sobre ela.

— Não consegue dormir? – soprei em seu ouvido.

Melissa pulou de susto e fechou a geladeira com força, virando-se para mim.

Sua respiração quente acertou o meu rosto e seus olhos se arregalaram.

— Harry! – ofegou e levou a mão ao peito. — Você me assustou!

Melissa ficou desconfortável com a nossa proximidade. Tentou dar um passo para trás, mas as costas colaram na geladeira.

Tombei a cabeça, como se o novo ângulo me ajudasse a vê-la melhor, entender aquela garota.

Apesar da grosseria de ontem, ali estava ela, me olhando daquele jeito. Correndo os olhos por mim, mordiscando a boca e apertando as mãos em punhos fechados, buscando algum autocontrole.

Por que ela se esforçava tanto a resistir a mim?

Tentado a conseguir algumas respostas, vi-me dando mais um passo até ela, ficando perigosamente próximo. Eu quase conseguia sentir o calor da sua pele.

Melissa não pediu que eu parasse, muito menos tentou se afastar de novo. Seus olhos caíram para os meus lábios e sua respiração ficou ofegante.

Engoli em seco e passei calmamente um braço por ela.

— Você se importa? – perguntei.

Ela não me respondeu de imediato. Mel flutuou no meu pedido e me perguntei se ela entendeu o que eu queria dizer.

Quando olhou para baixo e percebeu que eu estava segurando a porta da geladeira, balançou a cabeça para se fazer acordar.

— Ah, é claro – arrastou o corpo para o lado, dando-me espaço suficiente para concluir o movimento.

Pude ouvi-la suspirando enquanto eu pegava água gelada. Mel se apoiou na pia e passou as mãos no rosto.

— Você parece nervosa, estava fazendo alguma coisa errada?

— Não, só não esperava encontrar alguém acordado essa hora – fitou o relógio e se assustou. — São cinco da manhã! Você acorda às cinco da manhã?

Não era como se eu tivesse muita escolha.

— Muita energia para gastar – dei os ombros, bebendo tranquilo a minha água.

Ela ficou incomodada. Batucou os dedos no próprio braço enquanto permanecíamos ali, sozinhos no escuro da cozinha.

— Então... – sua voz falhou.

— Então?

— Desculpe pelo que eu disse ontem... Não é nada que você não mereça escutar, mas não naquele momento. Eu só estava nervosa, é isso.

Ela não parecia ter muita experiência em pedido de desculpa. Mas estava tudo bem, eu também não tinha.

Além disso, o que estava me deixando incomodado não era sua má resposta, eu estava acostumado com elas. Mas sim, a garota que vi quando ela correu com aquele cavalo.

— Eu gostei do que vi ontem – deixei o copo vazio sobre a pia. — Por um segundo, você parecia outra pessoa – aproximei-me o suficiente para apoiar as mãos no balcão atrás dela, uma de cada lado do seu corpo. — Parecia ser alguém que eu adoraria conhecer.

Desci os olhos para sua boca rosada e repreendi minhas próprias palavras mentalmente. Entendendo que eu estava com mais vontade de Melissa do que tinha imaginado.

— Isso é impossível – arfou, quase fechando os olhos.

— Por quê?

Eu estava tão perto, ela estava tão quente... Mel estava quase se desmanchando à minha frente.

Quando abriu completamente os olhos, no entanto, vi a mágoa em seus glóbulos.

— Porque ela está morta.

Franzi o cenho, sem gostar do que tinha escutado.

Intrigado, ergui a mão e envolvi o seu rosto na minha palma.

Melissa ficou tão surpresa com o gesto quanto eu.

— O que aconteceu com você?

Sua boca abriu e eu mergulhei fundo em seus olhos, tentando, mais do que nunca, a ler.

O que aconteceu com você? – devolveu a pergunta, encarando-me com a mesma intensidade.

Aquilo me pegou de surpresa. Aparentemente, como tudo sobre ela.

Melissa não era apenas um rostinho bonito, no fim das contas. Ela tinha percebido também, assim como eu percebi sobre ela. Nós estávamos fingindo.

Bastava um mentiroso para reconhecer o outro.

Aquilo não estava nos meus planos. Não gostava da sensação de vulnerabilidade por ela conseguir me ler daquele jeito. Sendo assim, retirei a mão e me afastei, balançando a cabeça enquanto buscava distrai-la.

— É uma pena, ela parecia ser alguém com quem eu me divertiria.

Mel riu disfarçadamente, algo me dizia que ela sabia exatamente o que eu estava fazendo: fugindo do assunto.

— Você se divertiria com um galho de árvore – entrou na brincadeira.

Devolvi o seu sorriso, mas me apressei a sair dali.

Estava com a mão na maçaneta, pronto para partir para a corrida matinal, quando ouvi sua voz mais uma vez.

— Harry – virei-me e ergui as sobrancelhas, esperando. — Niall realmente gosta dela... – falou, sem jeito, as mãos brincando com a barra da blusa do pijama de varinhas mágicas, em sinal de desconforto.

Meus lábios se repuxaram em um sorriso secreto. Ela estava falando sobre Maya, o plano estava funcionando.

— Eu sei.

Mel ergueu um ombro com manha.

— Certifique-se de que você não esqueça.

Apenas com um aceno de cabeça, eu me despedi, finalmente saindo e ficando sozinho com o céu escuro daquela madrugada.


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Fuck Me [HS]Onde histórias criam vida. Descubra agora