Súile Dubh

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Quando eu era criança ficava horas na janela do meu quarto a tarde.

Eu não lembro bem disso, mas meu avô me falava que toda tarde meus pais e ele podiam me encontrar lá, parado, coisa tão pouco usual minha. Quando me perguntavam o que eu estava olhando, eu respondia que estava esperando o pôr-do-sol.

Com o tempo eu esqueci, eu cresci e deixei de esperar, mas aquele vazio sempre me batia, todo fim de tarde. Como se estivesse faltando algo. Como se a qualquer momento esse algo fosse chegar, subindo a colina.

Eu não lembro de que ficava na janela, mas eu lembro da sensação que nunca me abandonou.

Apenas anos depois eu entendi que não esperava o pôr-do-sol.

Eu esperava meu destino.

Península Olímpica, Washington, EUA, 2016

OLHAVA PARA FORA DO CARRO, DESCRENTE DO QUE VIA.

Aquele mar de verde parecia zombar de sua capacidade desumana de destruir tudo de bom que tinha em sua vida patética. Sabia que não adiantava rebelar-se à decisão de seu pai, era inútil. Estava a se mudar para um colégio interno, colégio esse que parecia se situar no meio das montanhas já que desde que saiu de Seattle não havia visto nada além de árvores, e isso já durava horas. Seu pai não havia falado uma palavra desde que entrara no carro, nem ligado o som para passar o tempo.

E o porquê disso?

Havia sido expulso de seu antigo colégio por causa de sua última briga, essa que envolveu um professor. Foi realmente muito prepotência sua achar que depois de dar um soco na cara de seu antigo professor de aritmética e tentar o sufocar não iria sair perdendo, mesmo tendo ganhado a briga. Não se arrependia, nunca se arrependeria de ter ensinado uma lição aquele maldito professor, depois de dois meses inteiros tentando se controlar. Claro que não foi somente aquela briga que o levou a expulsão, foram várias. Naruto tinha uma fama como o tipo que não levava desaforo para casa, explosivo, que entrava em brigas onde estivesse, com quem fosse.

Admitia que tinha culpa naquela fama, embora a verdade fosse bem mais complexa do que aquilo.

Enfim, seus pais não gostaram da notícia, nem um pouco, Naruto até achava que nunca havia visto em sua vida seu pai tão enfurecido. Seu tio Tobirama havia dado a ideia, e Minato decretado: iriam se livrar da ovelha-negra, neste caso Naruto.

Não com essas palavras, mas ele havia sido claro o bastante para entender que não era mais bem-vindo em casa por enquanto.

E se aquilo não doía, não sabia o que podia doer. Preferia levar uma surra a receber aquele olhar desapontado de seu pai, ou os olhos tristes da sua mãe, querendo interceder, mas não tendo como ajudar na sua causa, se o próprio Naruto não se ajudava.

Agora teria de repetir o terceiro ano, com dezenove anos. Aquela não era sua primeira expulsão, acabou ficando um pouco para trás com isso, sabia que seria o mais velho na sala. Isso não o incomodava tanto quanto ter de rever todo o conteúdo do ano passado, sabia que seria perda de tempo – e dinheiro – o despachar para o fim do mundo. Porém não podia opinar, nem devia se quisesse continuar vivo.

— Estamos chegando. – A voz firme de seu pai soou pelo carro silencioso, despertando Naruto de seu semi-coma no assento do passageiro.

Estremeceu, aquela voz tão séria parecia ser uma sentença, seu pai sentia um desgosto intenso de ter de tomar decisões tão drásticas para colocar o filho na linha. Naruto sabia, mas de algum modo não queria rebelar-se a essa decisão, talvez por medo da reação dele.

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