Liathróid

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Eu nunca fui o mais esperto de qualquer grupo, estava longe de ser um gênio. Se não fosse meu avô e meu pai me forçando a pensar desde cedo, eu teria dificuldades de me ater por tempo suficiente em qualquer coisa.

Meu avô havia me dito uma vez que minha mente era preparada para batalha: eu tinha o hábito de pensar rápido em situações de pressão e montar estratégias, mas sentar e estudar era uma tortura. Era um dos meus únicos talentos na minha opinião. Isso, e em ser um bom mentiroso quando preciso, depois de anos montando uma máscara para não preocupar ninguém, você fica bom nessas coisas.

O fato era, eu não era o mais inteligente e nem o mais bonito. Eu havia herdado traços dos meus pais que eram bem atraentes neles, mas a mistura os tornava algo mais exótico do que atraente em mim. Minha boca parecia muito larga, meus olhos eram grandes e nunca tinham uma cor definida. Eu tinha sardas demais ao redor do nariz, que me parecia muito feminino e eu sempre fui o mais baixo dentre os garotos de qualquer turma em que estudei.

Isso era óbvio demais para mim, então eu nunca entendi a atenção, o fascínio estranho que recebia. À primeira vista eu conseguia passar quase despercebido, mas com o tempo, parecia que todos os olhos migravam em minha direção. Não era natural e, mais que tudo, não era seguro.

Em uma época na vida que queria que me notassem.

Rápido eu decidi que mais que tudo, queria ser invisível.

..........

ALÍVIO.

ALÍVIO FORTE, QUE CONSUMIA TODO O SEU CORPO.

Quando saiu, olhou a neve como se fosse a primeira vez. Tudo parecia mais puro, tudo parecia novo. Depois de tanto tempo vivendo em medo, por si e por aqueles que devia proteger.

Eles festejavam a seu modo. A guerra havia acabado e deixado seu rastro de destruição, mas eles haviam conseguido sobreviver.

Parou de caminhar na entrada das árvores, longe o bastante para ninguém o ouvir da casa, mas perto o bastante para vê-la. Anos de vigilância não iriam acabar fácil. Quase riu histericamente ao pensar nisso. Uma risada que logo se transformou em soluços e lágrimas. De alívio, do medo que nunca pode demonstrar enquanto estava tentando ser forte por outros. As lágrimas que segurou todas as vezes em que a Gestapo ficou perto demais de descobrir as pessoas que escondia no porão. Quando Sr. Aaron ficou doente e achou que não fosse conseguir os remédios sem levantar suspeitas. Pelo o medo quando começou a sentir aqueles...poderes estranhos se manifestarem sempre que sentia raiva.

Chorou pelos soldados que teve que matar para defender os seus. Não foram poucos, a Gestapo sempre parecia encontrá-los para onde fossem.

Não sabia quanto tempo demorou com as lágrimas caindo e os soluços seguros pela mão enluvada. Quando parou, seu rosto molhado estava gelado. Sorriu aliviado. Tudo ficaria bem. Talvez...talvez até mesmo Alfred e ele pudessem ficar finalmente juntos. Ainda estaria muito longe de ser permitido, mas...eles conseguiriam dar um jeito. Eram sobreviventes.

Com isso em mente acendeu um cigarro e olhou a floresta, sentido a fumaça esquentar seu corpo. Brincando com o isqueiro, focou nas chamas, as vendo aumentar a seu comando. Era pequeno, estava longe de controlar aquilo, mas era alguma coisa. Talvez um dia conseguisse entender de onde eles viam, o porquê de sempre estarem ligados a nomes estranhos que lhe vinham à mente: Aeron, Davlin, Ewen, Noland.

O porquê de as vezes olhar no espelho e se ver como outra pessoa.

Teria tempo para descobrir tudo isso. Sorriu, apagando o cigarro, pronto para retornar aos seus. Abraçar Edgar, as longas conversas com Sr. Aaron. Beijar Alfred sem medo de ser a última vez.

SeachtOnde histórias criam vida. Descubra agora