Baíte

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Na cidade de Rathiddy existe uma pedra famosa: a pedra de Cuchulainn.

Cuchulainn era um guerreiro que viveu na mesma época em que cristo andou pela terra, e suas aventuras até hoje são contadas. Diz a lenda, que em sua última batalha, já doente, ele soube da eminência da sua morte por meio de uma visão. Fraco, ele se amarrou a uma pedra com suas próprias entranhas e enfrentou de pé todos os guerreiros que vinham em sua direção.

Apenas quando um corvo se aproximou e pousou em seu ombro, os guerreiros puderam se aproximar ao ter a certeza da sua morte. Ele morreu de pé e lutando, como havia feito sua vida inteira.

Cuchulainn sempre foi meu herói favorito, e sua pedra foi o primeiro ponto em que fui visitar quando fui a Irlanda pela primeira vez aos 10 anos. Meu avô e eu ficamos parados por uns bons dez minutos, ignorando o vandalismo em algo tão especial.

Eu podia imaginar a cena, ouvir a turba. Eu podia imaginar como ele se sentiu nos últimos momentos, cercado e ainda assim continuar lutando, até seu último suspiro. Ele morreu de pé. Sozinho, entre tantos inimigos.

Para mim, Cuchulainn nunca foi apenas uma lenda.

Por algum motivo, quando falei isso ao meu avô, senti que ele ficou triste.

.............

CASTIEL PODIA OUVIR VAGAMENTE A TURBA EUFÓRICA POR SANGUE. Nas últimas horas havia completamente se isolado em sua mente, tentando não sentir nada do mundo do lado de fora. Sabia que no momento em que voltasse a consciência, ele iria sentir.

Ainda assim, cada horror dos últimos dias ainda estava ali na sua mente. A tortura pela qual passara fazia o seu destino parecer um alívio. Eles não estavam pedindo informações, apenas tentando arrancar dele uma confissão que não existia. E no fim, nada disso importava.

Castiel sabia, que não importava o que acontecesse, nada poderia o salvar. O seu corpo, mesmo se o deixassem em paz, só teria mais algumas horas. A infecção havia se instalado nos seus cortes em carne viva. Não existia praticamente pele nenhuma em suas costas, ou unhas em seus dedos.

A última coisa da qual tinha noção real antes de se isolar era da dor excruciante quando perdeu seu olho direito. Quase pensou que tinham arrancado seu outro, mas ao abrir os olhos ainda conseguia enxergar. Milagrosamente, não havia dor. As formas eram vagas e desconexas, causadas por uma febre alta, talvez por isso a falta de sensibilidade com sua situação.

Ouviu os gritos enquanto era arrastado. Coisas eram jogadas em sua direção. Podia ouvir os gritos eufóricos. As mãos que o ergueram eram quase gentis. Podia as sentir tremer levemente, o que o deixou confuso. Suas mãos foram soltas e então novamente amarradas, os braços para trás.

Sua consciência ficou mais alerta, percebendo seus arredores mais. O tronco de madeira, a plataforma em seus pés descalços. Abaixo pedras e mais madeira. Um cheiro forte, e vozes ao redor.

—Castiel. — A voz foi quase gentil ao seu ouvido. Alguém falava mais a frente, conseguia pegar palavras desconexas. "Bruxaria" "traição" "confissão" "sedução" "sodomia". — Castiel.

Seu único olho restante focou de lado, ainda confuso. Olhos escuros o fitavam, em uma expressão estranhamente angustiada. Victor Smith.

Ficou mais alerta. Um sentimento forte se apoderou em seu peito. Ódio, puro e simples. Ele queria gritar, dizer a ele que não tinha o direito de o olhar assim, quando parte do que sofrera fora nas mãos dele. Nem que tivesse forças poderia.

Não sem uma língua.

—Ele não veio por você. — A voz dele era quase gentil ao dizer isso, e se sentiu confuso sobre o que ele falava.

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