2. Uma visita reconfortante

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MAIS TARDE, NAQUELE MESMO DIA.

Enquanto estivemos fora, eu me senti deslocada e não queria mais nada senão voltar para casa, mas quando finalmente chegamos, a visão daquela mansão me trouxe de volta a tristeza dos últimos dois dias, então eu quis sair de novo, ir para longe talvez.

Foi uma sensação de bate-e-volta estranha. Imaginei que fosse um dos males do luto: o sentimento de falta nos acompanha onde quer que vamos, e tudo nos lembra a pessoa.

Mas já era quase noite – os trâmites do cartório demoraram e o restaurante que almoçamos estava lotado –, e como mamãe e papai estavam exaustos, seria muita indelicadeza da minha parte pedir para sair de novo. Seria melhor eu ir para o meu quarto, deitar e pensar nas lembranças boas; talvez dar uma olhada no caderno do vovô, até que me desse sono e eu dormisse profundamente, para tirar o atrasado da noite passada.

Pensei em tudo isso enquanto subíamos a escadaria larga. No corredor dos quartos, nos despedimos:

– Boa noite, Cristine – desejou mamãe.

– Boa noite.

– Boa noite, Cristine – desejou papai.

– Boa noite.

Eles dois também não pareciam nada bem. Papai, embora não fosse parente original, tinha uma proximidade muito grande com vovô – talvez por não ter tido pai –, e eu podia ver a indecisão nos olhos dele: de não saber se mergulhava na própria tristeza ou se continuava firme para acalentar mamãe. Com os braços sempre envolvendo ela pelo ombro, eu imaginei que talvez, dentro de si, ele estivesse sem saber se ficava triste e demonstrava de uma vez por todas ou se se mantinha firme, como a base emocional na qual mamãe deveria se apoiar. Eu até pude imaginar os dois sozinhos no quarto: mamãe caindo novamente em choro e ele a consolando com abraços e "seja forte, querida". Acho que eu tinha um pouco dele nesse momento, pois queria continuar firme.

Entrei no quarto e dali em diante eu sabia que era apenas eu.

Fechei e a porta e me encostei de costas nela fechada.

Por que fui pensar que mamãe choraria quando entrasse no quarto? Agora quem queria chorar era eu.

Com os olhos já embaçados pelas lágrimas, olhei em redor e só vi o amontoado das minhas coisas sempre muito bagunçadas. Roupas, sapatos, enfeites de fandons, quadros de filmes e séries, livros e mais livros por todo lado e as cortinas fechadas. Senti que nada daquilo parecia fazer sentido para mim; era tudo muito deslocado.

Por que as pessoas tinham que partir? Por quê?

Mentalmente, perguntei isso a Deus, mesmo já sabendo a resposta.

Mas...

Se tinha que ser assim, porque então as pessoas simplesmente não só existiam? Sem amarem ou serem amadas. Sem marcarem as vidas umas das outras. Sem terem relevância. Sem deixarem lembranças dentro de nós. Simplesmente existissem. Só isso. Seria menos doloroso quando partissem.

Fechei meus olhos e os fios de lágrimas desceram pelas minhas bochechas, lentos e sofridos. Deixei a porta e caminhei até minha cama. Os lençóis ainda estavam bagunçados desde manhã, porque não tive tempo de arrumá-los, e assim que me estiquei sobre o colchão e dei um longo suspiro, escutei um barulho na janela, como de pedra atingindo o vidro. Imediatamente imaginei o que era, afinal, só havia duas pessoas que faziam aquilo, então, de repente, outra pedra foi lançada.

Levantei-me de pressa e fui até a janela, enxugando as lágrimas do meu rosto. Abri as cortinas e lá estava Greg, com o braço erguido e já preparado para lançar outro pedrisco no vidro, caso eu não aparecesse. Quando fiz sinal com a mão para que ele esperasse, ele sorriu e relaxou o braço.

Crônicas de Penina - Livro 1 - Os desenhos de Cornélio (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora