DENTRO DO QUARTO.
Minutos depois de deixar Greg e Mabel no jardim, lá estava eu de novo no meu quarto, e uma coisa eu decidi no percurso de fora até ali: verificar minha pequena herança. Eu tinha que vê-la logo, avaliá-la e saber o porquê que vovô a tinha me confiado.
Com o envelope do jeito que recebi de Teodor, o orando, debaixo do braço, busquei algum lugar razoavelmente arrumado no meu quarto onde eu pudesse abrir e verificar o tão querido caderno que vovô havia me deixado. Contudo, cheguei a triste conclusão de que não tinha lugar nenhum.
– Grr... – resmunguei quase inaudivelmente, com uma careta. – Eu tenho que arrumar isso...
Portanto, só me restava a cama. Com um salto eu me joguei de barriga para cima sobre ela. Erguendo o envelope acima de mim, comecei a abri-lo e logo vi ser literalmente um caderno grosso – não desses de arame, mas com lombada e personalizado. Pensei que fosse um livro, algo que meu avô chamasse de caderno só porque era "coisa de velho", mas era mesmo um caderno de capa dura, menor que os de tamanho convencional, obviamente, mas tão grosso quanto eles. Joguei o envelope rasgado no chão – onde, por sinal, já tinham muitos outros rasgados – e me debrucei para vê-lo melhor. A capa era retrô, aparentava ser velha, detalhada com arabescos dourados e ondulosos que corriam pelos quatro cantos; fora isso, só havia as duas iniciais do nome que vovô usava como escritor, C.B., também em fios dourados e bem detalhadas para identifica-lo.
Imaginei logo que um caderno personalizado como aquele não poderia conter qualquer coisa. Minha curiosidade, então, aumentou, afinal, era um caderno bonito e eu nunca o vi ser carregado por vovô, mesmo quando ele resolvia me mostrar todos os seus segredos na biblioteca antiga dele – o maior cômodo daquela mansão. Então tratei logo de abri-lo e, como fizesse muito tempo que não era aberto, a lombada estalou. Tinha um cheirinho acre de poeira abafada e a cor da página já era um pouco amarelada. Passei logo a folha de rosto e me deparei com o que parecia ser mais um manuscrito que tinha sido escrito literalmente à mão para parecer um livro impresso. O título era simples: PORTAL ARTÍSTICO, escrito por C.B., e realmente era a letra do vovô, pois abaixo das iniciais estava a assinatura dele.
Eu só estava mais confusa e curiosa, porém uma sensação boa comparada as demais até então começou a brotar.
Por que vovô me deixaria aquele caderno sob o pretexto de ser um de seus bem mais preciosos, se era só mais um dos seus manuscritos? Aliás, qual manuscrito poderia ser que eu ainda não tivesse visto? Ele me mostrou todos, e eu jurava já ter visto tudo que ele tinha publicado na vida.
Passei a página e, assim como o título, a dedicatória também era simples: PARA TINE. Meus cenhos estavam crispados e eu nem tinha percebido. Fato era que já não cabia tanta dúvida dentro de mim. Pensei que já fizessem quatorze anos – minha idade – que vovô não escrevia nada novo. Desde que eu nasci que ele decidira parar de escrever, e ele mesmo me contou isso.
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Crônicas de Penina - Livro 1 - Os desenhos de Cornélio (COMPLETO)
FantasyAVENTURA/FANTASIA - O segredo que separa a realidade da imaginação é bem mais sensível do que todos imaginam, e Cornélio, um famoso escritor, tinha esta verdade como lema de sua vida e de suas obras, até seu último suspiro. Depois de sua morte, o a...