7. Presos no buraco

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HÁ ALGUNS METROS, QUASE ABAIXO DO MAR.

Você é um imbecil, Dinter-Dim! – eu gritei, cheia de raiva misturada a um desespero crescente. Estávamos agora encurralados num buraco que inundaria e eu tinha vontade de torcer o pescoço pequeno daquele Bobo. – Se você não fosse tão traiçoeiro, o rei teria acreditado em mim e não estaríamos aqui! – eu repeti aquilo pela terceira vez, pois dizem que é normal o ser humano tentar pesar a consciência do outro que ele julga ser culpado. Aconteceu facilmente comigo ali.

– Você é que é muito xereta! – ele retrucou. – Se não tivesse me seguido, eu não teria precisado mentir.

– Ah, então você assume que mentiu?

– Eu estava pensando em mim.

– Seu egoísta, é isso que você é! – dei um passo à frente, apontando o dedo. – Eu só segui você porque você entrou no meu quarto sabe-se lá como.

As ondas lá em baixo quebravam fortemente e o barulho que chegava até nós era pavoroso, parecia estar cada vez mais próximo. Eu me aproximei da grade para olhar para baixo pela primeira vez e o vento que correu sobre minhas pernas foi frio, a maresia que subiu das ondas irrigou meu rosto quando meus cabelos voaram para trás e minha respiração prendeu-se ao ver o quão perto de nós as espumas das ondas estavam – talvez não mais que dez metros.

E agora? – gritei, virando-me novamente para ele. – O que vamos fazer? Eu não quero morrer afogada num lugar que nem sei onde é que fica. Isso é loucura.

Ele fechou os olhos, ainda encostado na grade, e respirou fundo – e seu rosto acinzentado e enrugado brilhava à luz do luar –, depois me olhou de frente:

– Olha – disse meigamente –, eu sinto muito se esse não era o fim que você imaginava pra sua vida...

– Sente muito? – Eu me indignei ainda mais. – Você sabe quantos anos eu tenho? Não sei quanto tempo os Bobos-da-Corte vivem, mas eu ainda tinha muito tempo de vida, seu...

– Me insultar não vai tirar você daqui. Vamos morrer juntos, então esqueça as mágoas – ele me interrompeu e isso era verdade, não tinha porquê eu ficar guardando mágoas. – Além do mais, nós Bobos-da-Corte vivemos menos do que imagina, por isso costumamos planejar bem nossas vidas. Você não é a única aqui que está sendo frustrada.

Dito isto, Dinter-Dim caminhou até a parede próxima e lá se encostou e sentou cruzando os braços, como que conformado com o fim da vida. Meus olhos, então, encheram-se de lágrimas de novo, mas eu já não sabia se eram de raiva ou de tristeza. Provavelmente um pouco de cada.

– Eu queria muito entender tudo isso – eu disse, contendo o choro para não parecer criancinha.

– Não tem o que entender. Você se meteu onde não deveria, eu menti para tentar me safar e juntos viemos parar aqui. O rei está irritado com tudo que anda acontecendo, todos representam ameaça, deveríamos ter sido mais cautelosos.

– Mas é justamente tudo isso que eu quero saber. Esse rei, esse baquete, o porquê da raiva dele... sem falar daquele muro e, principalmente, como você entrou meu quarto e por quê eu estava na propriedade do meu avô e agora estou num reino que surgiu dentro dela? – Abri os braços em sinal de interrogação. – Que lugar é esse, afinal?

– Você está muito curiosa pra quem vai morrer. Não vou te responder tudo, só o básico: você está em Penina, mais precisamente na Cidade-Forte. Estamos no último portão de proteção para o Muro da Realidade, portanto, no lugar mais seguro que pode haver. – Ele se virou para mim de repente, com um olhar sério. – Satisfeita agora? Nunca escaparemos daqui.

Crônicas de Penina - Livro 1 - Os desenhos de Cornélio (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora