16. A ajuda de um ancião

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NOS LIMITES DA CIDADE-FORTE.

Enquanto cortávamos o céu límpido e estrelado, e o vento frio assobiava em meus ouvidos, pude observar toda a posição e o relevo da cidade, mesmo que tudo estivesse escuro lá em baixo.

Não tinha como não se impressionar.

A Cidade-Forte ficava um pouco mais baixa que o castelo, uma vez que este era construído no sopé das montanhas que subiam imponentes. Contudo, um imenso vale se abria de frente a ele e, como um leque, a enorme extensão de ruas e casas da cidade se estendiam, parecendo um aglomerado de caixinhas de fósforo. As luzes amareladas estavam todas acesas nas janelas, mas não havia ninguém fora das casas – talvez por conta do aviso de perigo. Ver tudo deserto e à noite seria até um pouco pacato e até poético, mas minha preocupação no momento era outra, pois Dinter-Dim continuava inerte em meus braços.

Para aquele lado lá, por favor! – eu apontei à direção na qual o grifo tinha que seguir, mais ao leste, segundo Dâna tinha me instruído.

Batendo as asas compridas e piando, o grifo obedeceu – eu já estava começando a me acostumar com aquilo, confesso. Assim que viramos sob a luz da lua incidindo, avistei o que logo imaginei serem os limites da Cidade-Forte, pois havia ali enormes pedras, grandes como carros populares, todas juntas formando um tapete com mais de cem metros de extensão – apenas algumas estreitas estradas de terra, bem distantes umas das outras, cortavam-nas para dar acesso à cidade. Imaginei que aquilo deveria ser alguma estratégia de guerra, para impedir aproximação em massa da cidade, caso houvesse uma guerra e o exército inimigo atacasse, uma vez que as pedras não permitiriam muitos cavalos ao mesmo tempo – aliás, não permitiriam qualquer outra coisa que facilitasse a velocidade. Conclui, portanto, que aquelas eram as tais barreiras de que Otiniel tinha falado; um bom sinal; eu estava no caminho certo.

Continuei tentando identificar a paisagem e logo após as tais barreiras começava um descampado cortado por estradas de terras e plantações extensas, que deixavam as moradias bem longes umas das outras e que parecia seguir assim por longos quilômetros até perder de vista. Por um momento, olhar aquilo me fez sentir uma sensação de liberdade que eu não tinha sentido antes – pelo menos não desde que cheguei à Penina. Mesmo escuro e não vendo muita coisa além, ainda sim era tão imenso, tão convidativo, que me fez fechar os olhos e desejar seguir naquela direção. Imaginei quantas coisas interessantes poderia ter por toda aquela terra; coisas que eu ainda não conhecia; coisas que em qualquer outro lugar do mundo – do meu mundo – as pessoas sequer faziam ideia que poderiam existir.

De qualquer forma, elas não eram para mim.

Sacudi a cabeça tentando afastar esses pensamentos e voltar para as circunstâncias atuais – talvez ter experimentado uma dosagem dobrada de coragem numa só noite estivesse me fazendo perder o senso de perigo.

Não seja boba! pensei.

Segui com os olhos o limite das barreiras e consegui avistar, ainda longe e solitário, um casebre feito de madeira, com o teto coberto do que parecia grama e posicionado à beira de uma das estradas que vinham das montanhas d'além. Era, nitidamente, um dos mais isolados; não havia nenhum outro por perto; ficava às margens de um riacho discreto e com algumas hortas em volta. A luz acesa e a chaminé saindo fumaça davam um ar ainda mais pacato e tranquilo, o que me fez ter saudade de casa.

Como estariam papai e mamãe?

Peguei-me a se perguntar, mas também não tinha tempo para pensar nisso agora.

– É ali. Desça devagar, por favor – pedi. E batendo as asas de modo que descemos quase silenciosamente, o grifo pousou na estrada. O vento levantou certa poeira, mas depois que ele parou de sapatear por conta do pouso, tudo ficou quieto como já estava antes de nós chegarmos. Apenas o som do riacho era audível, e o vento, que sacudia as árvores próximas com carinho e leveza. Alguns crocitados e sibilados vinha da escuridão também.

Crônicas de Penina - Livro 1 - Os desenhos de Cornélio (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora