8. De volta para uma reunião

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EM ALGUM LUGAR DO CASTELO.

Não sei como, nem por quais meios, ou muito menos onde eu acordei, mas acordei.

Eu estava deitada num chão frio quando abri os olhos com espanto e cuspi uma grande quantidade de água pela boca e pelo nariz, dando um forte suspiro de quem literalmente esteve debaixo d'água e agora podia buscar ar novamente. De bruços eu tossi, com a mão no peito. Foi horrível, tão horrível quanto foi perder a consciência.

Depois de alguns minutos retomando o fôlego, percebi que tudo em volta estava muito escuro e quieto. Por um momento, achei que ainda estivesse na caverna, mas o chão de pedras grandes estava seco e ali era claramente mais amplo – sem falar do barulho das ondas, que não existia mais.

Foi então que lembrei do Bobo.

– Dinter-Dim? – sussurrei, quase sem voz, tateando sem ver nada do breu.

De repente, uma tosse tão embargada quanto tinha sido a minha quebrou o silêncio. Arfou também e buscou ar como eu tinha feito, o que imaginei que fosse ele. Pelo som da vozinha fina, supus que estava perto.

Pelo rei! O que foi isso? – ele gritou assim que conseguiu fôlego suficiente.

– Não sei – respondi, mesmo sabendo que a pergunta tinha sido retórica. – Sobrevivemos?

– Como?

– Também gostaria de saber...

Mas antes que eu dissesse qualquer outra coisa, um barulho de fechaduras velhas soou e uma porta de madeira rangeu ao ser aberta velozmente. O ambiente escuro foi iluminado por tochas nas mãos dos soldados-ratos em suas armaduras de metal e só então eu vi que aquele recinto não era muito grande – na verdade era uma sala cilíndrica cercada de colunas e com um teto alto. Parecia uma torre, mas sem escada, nem móveis, apenas o ambiente vazio. Atrás dos soldados-ratos vinha alguém com vestes longas, vermelha com detalhes dourados, caminhando à sombra destes, mas pude perceber que não era o rei, afinal, não tinha pelos e nem rabo.

Eles pararam à nossa frente e Dinter-Dim se pôs de pé com dificuldade, mas claramente em alerta. Já eu... bem, minhas pernas ainda tremiam demais para isso.

Houve um silêncio entre nós e então:

– Que infortúnio, não?

O tal homem começou a dizer lentamente atrás dos soldados, tomando a frente logo em seguida. Quando perpassou pelas tochas e se tornou nítido, ele foi uma surpresa para meus olhos despreparados; não seria tão incomum se não fosse a pele coberta de tatuagens; eram muitas tatuagens pretas, com símbolos e palavras, nos braços, nas mãos, no pescoço e em toda a pele visível do corpo magricela. Poderia ter entre trinta ou quarenta anos, com olhos cor-de-mel, claros e profundos, mas os diversos símbolos e traços por todo seu rosto escondiam isso bem. Confesso que o achei um tanto estranho e assombroso, pois suas vestes vermelhas também davam um ar tétrico juntas do cabelo longo preso num rabo-de-cavalo. Porém lembrei que ele estava nos desenhos do caderno de vovô, só não me veio seu nome.

– Parece que vocês passaram por uma situação bem complicada, não foi? – Ele acrescentou depois de uma pausa, exalando um sorriso discreto e um jeito cauteloso e levemente suspeito que o deixava indiferente. Eu diria até que não havia preocupação sincera naquelas palavras.

Dinter-Dim, ao meu lado, curvou-se levemente sem notar tudo isso tanto quanto eu – ou pelo menos não se importava.

– Houve um engano, Conselheiro. Talvez uma leve precipitação da parte do rei...

Crônicas de Penina - Livro 1 - Os desenhos de Cornélio (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora