37. O confronto sobre a colina (Parte 2)

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NOS CAMPOS DIANTE DO EXÉRCITO.

Tudo que me restou fazer, quando o escudo de Elcana esvaiu-se completamente, foi me virar na direção dos dois Flagelos e apontar a espada de Yllen para eles, tentando parecer ameaçadora. Àquela altura, todo meu corpo tremia de adrenalina e meu estômago embrulhava de pavor. Dinter-Dim também tomou posição do meu lado, mas não estava com todo seu potencial para lutar. As criaturas nos olharam sorrateiramente, de algum lugar além do negrume que formava suas cabeças, e se inclinaram sedentas, o que me fez crer que não teríamos muito mais segundos até que eles avançassem.

– O que vamos fazer? – eu sussurrei para o bobo.

– Sou seu druida – ele me retrucou, sério –, diga o que tenho que fazer e eu farei.

Mas nós dois não seríamos páreos para eles nem em mil anos. Precisávamos de um plano e isso me fez pensar desesperadamente em algo que eu pudesse fazer. Só tive mais três ou quatro segundos e então o primeiro Flagelo fez um som estranho e avançou. A leveza da espada feita de Yllen em minhas mãos, misturado ao instinto desesperado de defesa, me fez lembrar das minhas aptidões com lançamentos de adagas e dos meus treinos com Ernet no Castelo-Forte – tudo isso em milésimos de segundos, é claro –, então o reflexo me fez lançar a lâmina negra na direção da criatura.

E esse tinha sido meu plano. O único que pensei.

Mas o melhor que eu poderia ter tido, dada a desvantagem daquele confronto. Por sorte, a velocidade com que Flagelo vinha não o permitiu desviar, e mesmo que ele tenha tentado atingir a lâmina com a sua própria, por milímetros isso não foi possível. A espada de Yllen girou no ar e perfurou o que seria seu peito em cheio; a fumaça ali farfalhou, abrindo-se e contorcendo-se. O grito de muitas corujas soou no ar – e eu fiz careta porque o som era horrível –, mas conforme se contorcia, a criatura negra foi se espalhando no ar até sumir. A espada, então, caiu e fincou na terra, com o cabo para cima e com os têkzênos do Avriet brilhando, mas diferentemente do que eu lembrava da luta de Lila, a espada de Yllen não estava corroída, mas intacta.

Consegui! Eu comemorei comigo mesma. Consegui!

E sorri de canto, com os olhos estáticos naquela direção.

Aquilo me fez se sentir segura e revigorada, afinal, percebi que os Flagelos não eram inimigos tão invencíveis assim para as minhas habilidades quanto pensei. Eles eram poderosos em força, rápidos e ágeis, mas eu também não era a mesma garotinha que passou por aquele Muro há semanas atrás. Tive amigos que me ajudaram a descobrir talentos que eu achava que não tinha, pessoas boas que confiaram em mim e que acreditaram no meu potencial. Quem não se tornaria melhor com isso?

Assim, tomada de coragem, corri para pegar a espada de Yllen novamente e o segundo Flagelos avançou para me impedir, com a sua também erguida. Foi apenas o tempo necessário para eu tirá-la com força do chão e erguê-la à minha frente, gritando, e então o Flagelo me alcançou. Nesse momento a voz de Ernet nos nossos treinos reverberou em minhas lembranças: "Você não está treinando, você está equipando seu instinto, mocinha. É ele quem vai te salvar na maioria das vezes".

A criatura negra desceu sua arma sobre mim e eu defendi. A colisão das lâminas causou faíscas, mas a espada de Yllen era incrivelmente resistente, mesmo sendo feita de um material tão leve. O Flagelo, por sua vez, reagiu rápido e, depois disto, tudo que consegui fazer foi escapar de seus dois golpes seguintes, esquivando e rolando, até que, aproveitando a inclinação da colina, escorreguei por baixo dele e passei para suas costas. Quando me ergui o mais rápido que pude, lancei outra vez a espada como se fosse uma adaga. Ela girou no ar e, ao ter as costas perfuradas por ela, o Flagelo caiu debatendo-se como o anterior até que também sumiu. A espada caiu na grama como antes.

Crônicas de Penina - Livro 1 - Os desenhos de Cornélio (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora