NAS MONTANHAS-DO-MEIO.
Acabou não dando tempo, afinal, de chegarmos até às Montanhas-do-meio antes do anoitecer. Com a tempestade e toda a complicação que tivemos, perdemos muito tempo naquelas campinas, e, portanto, todas as estrelas já cintilavam altas no céu quando finalmente alcançamos as grandes montanhas dali; sem contar que Dingow passou a voar bem mais devagar depois da queda que sofremos e do esforço que ele teve que fazer.
Entretanto, contemplar as Montanhas-do-meio me trouxe uma sensação boa de primeira etapa concluída, pois a viagem que normalmente levaria três dias a cavalo, nós a fizemos apenas em um e meio. Quando chegamos perto o suficiente, tentei olhar para baixo, para as campinas irregulares que davam lugar a vegetação verde que circundava os montes a dentro, pois as montanhas ali eram diferentes das que cercavam a Cidade-Forte – lá elas eram cobertas de vegetação e os picos mais altos cobertos de nuvens. Estas, por sua vez, eram menores, pedregosas e regulares, com árvores e mata apenas nos sopés, pois ao crescerem, formavam paredões rochosos coberto por ervas até a metade. As mais altas e pontudas ainda sim eram pouco inclinadas e ficavam bem mais ao fundo, talvez há quilômetros dali.
Quando entramos nos seus limites, começamos a sobrevoar o que parecia cânions com encostas verticais formando vales profundos entre as rochas. Vi que um riacho corria entre a mata fechada, refletindo a luz da lua, mas depois ele afinava à medida que entrávamos, sumido de vista entre árvores ou pedras. Depois disto, voltei a levantar minha cabeça, porque a tontura deu sinais de querer voltar. Meu corpo ainda estava estranho, tremia e, por algumas vezes, meus músculos ficavam rígidos. Minha cabeça também latejava e minha boca estava tão seca quanto antes, mas nada que não fosse suportável até aquele momento.
Falta pouco. Bem pouco. Aguente firme, vamos, aguente firme. Eu repetia isso para mim mesma na tentativa de aliviar a consciência por ter escondido aquilo dos meus amigos.
Logo à nossa frente o estreito sinuoso entre os dois primeiros cânions se abriu em um vale onduloso de mata ainda mais volumosa, e ali o riacho voltava a aparecer, correndo e serpenteando bem mais fluído e largo entre outros desfiladeiros pedregosos que agora se alternavam um após o outro num zigue-zague imenso. O primeiro deles tomou forma na escuridão da noite bem na nossa frente, negro e sombrio à sombra do luar.
Dingow o sobrevoou bem de perto e havia corujas piando e voando abaixo de nós, juntas de outros bichos que poderiam ser morcegos ou coisas semelhantes, porém nem seus vultos podiam escapar da beleza de tudo aquilo. Por um momento, a sensação de liberdade que senti há dias atrás voltou com mais força. Eu estava descobrindo um mundo novo, um mundo cheio de surpresas, tão belo quanto perigoso, mas...
Que mal tinha, afinal? O meu também era perigoso e nem por isso deixava de ser belo.
Sozinhos na imensidão escura, ninguém poderia me tirar aquilo. Penina era incrível e eu estava fascinada.
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Crônicas de Penina - Livro 1 - Os desenhos de Cornélio (COMPLETO)
FantasyAVENTURA/FANTASIA - O segredo que separa a realidade da imaginação é bem mais sensível do que todos imaginam, e Cornélio, um famoso escritor, tinha esta verdade como lema de sua vida e de suas obras, até seu último suspiro. Depois de sua morte, o a...