23. Confusão na Província

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NA MANHÃ DO DIA SEGUINTE.

Acordamos bem cedo no outro dia, o que não era de se esperar, já que fomos dormir tão tarde, mas isso se deu não por nossas vontades, pois acredito que se continuássemos como estávamos, dormiríamos pesadamente até, talvez, meados da tarde.

No entanto, nosso despertar foi graças aos gritos alvoroçados e insistentes do mesmo homem que nos recebeu na noite passada. Havia uma janela no nosso quarto e infelizmente ela dava para os fundos da hospedaria, onde ficavam suas criações. Pelo que pudemos perceber, aquele homem acordava bem cedo para cuidar de seus bichos e de seu curral e, como não bastasse, adorava gritar pedindo coisas para a mulher gorda e com sardas que nos apresentou o quarto noite passada – graças aos gritos estridentes dele, descobrimos que se tratava de sua esposa.

Vamos, Margô, traga logo a cesta pra recolher os ovos, mulher! – ele gritou mais uma vez lá em baixo, mas agora nós já quase terminávamos de nos arrumar. – As patas estão chocas e logo, logo não teremos ovos para comer! Faça-me o favor, não quero mais uma dúzia de patinhos correndo pelo celeiro.

Eu sorri de canto ao ouvir, pois era engraçado pensar que ele achava que ninguém mais além de Margô escutava aqueles exageros dele. Mabel comentou:

– Deve ser boa a vida no campo, não acha?

Ela olhava pela janela, para o homem e sua esposa.

– Não para alguém que cresceu na cidade, Mabel, pode ter certeza – eu disse enquanto dobrava os lençóis, embora falasse por pura força de expressão, já que nunca tinha experimentado. Porém notei o olhar sonhador dela, que imaginavam uma vida diferente da rotina rígida e cronometrada que ela e o irmão levavam normalmente, enquanto os pais estavam atarefados com cirurgias e procedimentos. Geralmente eram aulas, provas, cursos, festas formais e nada mais que isso, nada de diversões em família e quase nada de contatos reais. Considerei, então, que para Mabel aquela aventura estava sendo tão libertadora quanto era para mim. Talvez até mais. Aproximei-me dela e disse: – É só o seu segundo dia aqui. Vai ver que não existe nada melhor do que o nosso lar.

Sorrindo de canto, ela me fitou com carinho.

– Já está falando que nem seu avô, sabia?

– Sério?

Nesse instante, Dinter-Dim abriu a porta e entrou. Ele tinha ido pedir nosso café da manhã e estava de volta.

– Bem, meninas, tudo certo lá em baixo. Só não teremos ovos no café porquê...

Porque as patas estão chocas – Mabel e eu dissemos juntas, sorrindo de canto e o fitando como se pudéssemos ler sua mente. Ele ficou meio desconcertado e desentendido.

– É isso, mas como vocês sabem?

Nós nos olhamos e sorrimos juntas.

– Ouvimos o senhor Al dizer – Mabel esclareceu.

– Ah – ele sorriu, sem jeito e com alívio. – Vamos, então?

E com tudo pronto, nós duas acompanhamos ele pelo corredor e pela escada até o andar de baixo, onde encontramos bem mais gente do que na noite anterior. Tinha alguns homens bebendo no balcão (Já à essa hora do dia? – Mabel me perguntou, admirada), e alguns outros comendo nas mesas e conversando sobre as tragédias da noite passada. Uma mesa mais reservada estava preparada para nosso café e Dinter-Dim nos guiou até ela. Ali nós três comemos até nos fartar e evitamos conversar porque nossos assuntos ultimamente não estavam sendo tão públicos assim. Em vez disso, ouvimos alguns falarem de Alair e de sua patética tentativa de ganhar apoio, outros já diziam que não era tão patética assim, pois a Cidade-Forte deveria enviar dinheiro para ajuda-los a retomar a vida. Dinter-Dim ouviu tudo isso sem ligar.

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