10. O teste

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NO PÁTIO DE TREINO.

O que mais me assustou naquela situação não foi não saber o que fazer ou como agir – pois na verdade eu ainda nem tinha pensando nisso –, mas o que me deixou assombrada foi a rapidez com que tudo tinha mudado. Até pouco segundos atrás estava tudo tranquilo e sob controle, mas, de repente, tudo que eu já tinha ouvido sobre guerras e ataques, e tudo que, até então, só tinha se passado na minha imaginação sobre mortes e destruições parecia ter se tornado real.

Paralisada, ainda olhei para o corpo sem vida de Ernet por alguns segundos, buscando uma explicação lógica, mas não me veio nenhuma, então outro grito atrás de mim, tão estridente quanto tinha sido o meu a pouco, soou:

CRISTINEEEE!!!

Virei-me porque a voz me pareceu familiar. E era. Celina estava sendo arrastada por quatro homens fortes que de costas não eram identificáveis – nem sequer pude ter a certeza se eram homens mesmo. Celina estava desarmada e ferida e antes de sumir atrás das chamas ela ainda conseguiu gritar:

Você precisa chegar ao salão do trono! Ao salão do trono! Vá até lá.

Crispei os cenhos, mas ela sumiu sem dizer mais nada.

Cadê... Celina? Celina? – gritei por seu nome, mas não tive resposta. Eu tinha que fazer alguma coisa para salvá-la, mesmo que sem saber o quê, pois eu estava à beira de paralisar. Desde que cheguei àquele lugar, todos sempre deram a entender que aquele tipo de situação era possível, contudo, vislumbrar a realidade tomar forma sempre é mais traumatizante.

Sem alternativa, procurei no chão em volta algo com que me defender, mas a visão dos corpos não me deixava raciocinar. Por sorte, avistei adagas e punhais, que estavam espalhados caídos de um dos muitos lugares em que eram guardadas naquele pátio. Supus que não tivessem dono e que o melhor entre estar desarmada ou com elas seria estar com elas, mesmo sem saber usá-las.

Corri para pegá-las no mesmo instante em que dois homens apareceram entre as chamas, há poucos metros de mim, mirando me pegar. Eram fortes, de aspecto bruto, vestiam-se de preto e pareciam os bárbaros que sempre vi em livros de história, por isso eu me desesperei e logo tentei agarrar as adagas no chão, mas quando peguei em seus cabos elas estavam quentíssimas.

Não, não, não! – gritei – E agora? – perguntei a mim mesma, olhando delas para os homens, que por sua vez, ao perceberem que tentei me armar, investiram contra mim. Só me restou uma opção. Rapidamente lembrei de quando vovô e eu brincávamos de dardo ao alvo na biblioteca dele, e nos últimos meses isso tinha sido bem mais frequente já que ele não saia de casa por conta da doença. Senti uma pontada de saudades, mas não havia espaço para isso naquele momento. – Vai ter que ser isso! – determinei como motivação pessoal, sabendo que tinha que ser rápida se quisesse ter alguma chance.

Com isso, peguei com pressa no cabo quente da adaga e, fazendo uma careta pela dor que tive que suportar, arremessei a primeira na direção de um deles. Fiz rápido na esperança de não doer tanto, mas a queimadura foi inevitável e, sem perceber, eu já estava chorando de dor. O bom foi que minha mira foi precisa e a lâmina penetrou no peito de um deles – não era à toa que eu sempre ganhava de vovô –, mas o ruim disto foi que meus dedos travaram com o ardor da queimadura e os agarrei no peito. O homem, por sua vez, gritou apertando o local perfurado, mas a lâmina quente tirou as forças dele, que caiu sem poder reagir. Ainda chorando, tentei pegar a segunda para lançar – com a outra mão –, mas já era tarde: o segundo homem tinha me alcançado.

Não! – eu tentei correr, mas ele me agarrou pelas costas, imobilizando meus movimentos. Gritei, mas foi inútil. Enquanto eu me debatia, percebi que lutar contra a força dele só me cansaria, afinal, eu era duas vezes menor, então pensei diferente: baixar a guarda dele é minha melhor opção.

Crônicas de Penina - Livro 1 - Os desenhos de Cornélio (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora