NO SALÃO, DIANTE DO TRONO DO REI.
Depois do meu anúncio, aproximei devagar do trono.
Eu tinha a impressão de que aquele gato enorme ia pular em cima de mim assim que eu chegasse perto o suficiente. Olhei de soslaio para Dinter-Dim e, pelo pouco tempo que eu sabia da sua existência, era a primeira vez que eu o via tão assustado.
Quando tornei a olhar para a frente, eu já estava bem diante do trono. Parei com as mãos juntas na altura da barriga e olhei inocentemente para o assento mais alto que eu, pois tinha esperança de ser tratada como uma visitante, e não como uma intrusa. O rei-gato, por sua vez, me avaliou com os olhos bem cerrados e devolveu a coxa do frango à bandeja.
– E então? – ele, de repente, inquiriu. Tinha um tom levemente chateado, mas seu ar traiçoeiro ainda estava lá.
– Majestade... – Dinter-Dim deu um passo à frente e tentou tomar a palavra com a voz trêmula, mas o rei ergueu de pressa a pata peluda com um dos dedinhos gordos levantados e o Bobo entendeu a ordem de silêncio.
– E então? – ele repetiu, com mais urgência. – Por que ele não tem culpa? Não vai falar? Continue.
Minhas pernas tremiam, o pensamento que mais passava pela minha cabeça naquele momento era o de que eu não deveria ter feito aquilo, não deveria mesmo, pois de longe aquele rei-gato parecia menos ameaçador, já de perto parecia tão predador quanto um tigre. O segundo pensamento, depois deste, era de que eu estava ficando louca, mas este último eu já vinha tendo desde que deixei meu quarto. Intimamente eu tinha esperança que aquilo fosse um sonho, por isso todo meu impulso e coragem, pois eu ainda esperava que acabasse assim que um susto me acordasse.
Mas enquanto não, lá estava eu, paralisada diante do rei.
A pergunta dele foi visivelmente para mim, mas eu não sabia o que responder, aqueles olhos frios e superiores não me deixavam pensar e a verdade é que nem mesmo eu sabia a resposta.
O rei-gato lentamente saiu da posição desleixada e se pôs de pé. Seu rabo peludo girou elegantemente de um lado para o outro quando a capa recaiu às suas costas e arrastou no chão.
– Imagino que você tenha uma explicação muito boa, senhorita – acrescentou.
– E-eu tenho... – foi tudo que saiu de mim, como um sopro que se dissipa.
Ele assentiu e ergueu o que identifiquei serem suas sobrancelhas, como se perguntasse por que eu não falava logo.
– Foi culpa daquele muro – eu disse diante da pressão. Foi o melhor que me veio como desculpa, mas, sinceramente, até eu achei sem sentido.
– Muro? – o rei-gato pareceu confuso. Seu bigode balançou e seus olhos pestanejaram.
– Sim. O mu-muro não o deixava p-passar. Ficou segurando-o por um tempão. Pedia uma senha...
Meu nervosismo parecia só aumentar quando imediatamente após minhas palavras o rei-gato se virou para Dinter-Dim com a voz claramente mais agitada.
– O que você estava fazendo fora do Muro, Dinter-Dim?
O Bobo tomou à frente e disse o que me deixou com ainda mais medo – e com uma raiva crescente também:
– É mentira dela, Majestade. Tudo mentira!
Vi os olhos compenetrados do rei-gato se arregalarem antes mesmo do Bobo terminar a frase.
– Mentira? – Ele repetiu e se virou novamente para mim com fúria. – Ela não seria tão audaciosa – afirmou dando um passo à frente – para entrar no salão real, interromper minha fala e, depois de tudo, mentir para mim. – Ele me encarou bem nos olhos e eu não saia o porquê, mas aquilo me fez segurar o fôlego. – Ou seria, garota?
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Crônicas de Penina - Livro 1 - Os desenhos de Cornélio (COMPLETO)
FantasyAVENTURA/FANTASIA - O segredo que separa a realidade da imaginação é bem mais sensível do que todos imaginam, e Cornélio, um famoso escritor, tinha esta verdade como lema de sua vida e de suas obras, até seu último suspiro. Depois de sua morte, o a...