Meu encontro com os mestres de Mount Shasta
Parte 46. Oferenda aos deuses
Voltamos bastante cansados de Tulum e Cobá. Deu ainda tempo de parar num lugar chamado Cenote Grande, uma gruta aberta parcialmente inundada onde se pode nadar e mergulhar.
A Península de Yucatán possui muitas formações desse tipo, onde rochas calcáreas são moldadas pela ação do tempo e das águas, criando cenários espetaculares. Há por lá muitos cenotes, expressão de origem maia que deve significar algo como boca. Há também cenotes sem água, ou com pouca. São basicamente cavernas. A região noroeste da península não tem cenotes, que colapsaram com a queda do meteorito que extinguiu os dinossauros da face da terra. Mas a região arqueológica maia propriamente dita sim. Não é de se admirar, portanto, que alguns cenotes e cavernas também fossem considerados sagrados pelos maias. Mas não dá para dizer qual, exceto se houver evidências.
No dia seguinte à viagem com Andrei parti sozinho rumo às pirâmides de Chichen Itzá, cerca de 250 quilômetros a oeste. Fui fisicamente sozinho dessa vez. Fisicamente, porque virtual e espiritualmente me sentia muito bem acompanhado. Seguia a curiosidade de conhecer aquela maravilha arqueológica, mas estava também aberto a qualquer lampejo que a intuição fornecesse.
Chichen Itzá é um lugar maravilhoso, cheio de histórias e detalhes em suas pedras. A cidade foi abandonada em 670 d.C. e reconstruída 300 anos mais tarde, tornando-se centro da cultura maia e a cidade mais importante do nordeste de Yucátan. Os Itza tinham forte tradição militar e comercial, razão do forte crescimento da cidade. No século XIII foi conquistada por Hunac Ceel, governador de Mayapan, capital do império Maia. Hunac resolveu se jogar no Cenote Sagrado, tendo assim sobrevivido à queda e nesse momento profetizado todas suas conquistas. O declínio da cidade ainda é um grande enigma arqueológico.
Apanhei algumas pedrinhas para minha coleção aos pés da pirâmide. Sabia que estava fazendo algo errado, mas pratiquei o autoperdão hipócrita ao ver que era o único com esse interesse por lá e que havia muitas pedrinhas daquele tamanho esperando para serem levadas.
A Catedral era majestosa. Cheguei a considerá-la mais uma montanha para as quais peregrinava, uma espécie de Shasta na América Central. Isso, contudo, durou pouco. Após contemplar pirâmide, templos, o mercado, muros e um enorme estádio, caminhei cerca de meio quilômetro até o chamado Cenote Sagrado.
A estrada desemboca numa plataforma de pedra. Chegando não dá para ver bem a altura, mas logo se apresenta uma enorme cratera, com uns 50 metros de altura e uns 100 de diâmetro. Lá no fundo, uma água parada, esverdeada por algas, dava uma beleza tétrica ao local onde virgens eram atiradas
Os maias eram dados a sacrifícios humanos, por várias razões. Poderia ser por oferenda a seus deuses, poderia ser por punição aos jogadores de pelota que perdessem uma partida. Um guia local explicava aos turistas podíamos até querer julgar os maias, mas que deveríamos também saber que eles consideravam duais todos os aspectos da vida.
Eram habilidosos matemáticos, tendo criado um sistema numérico binário, com a concepção do nada (zero) e do todo (um).
Aplicavam muito bem a matemática à acústica. O estádio de pelota mede 37 metros por 141, com blocos de pedra de um doa lados com o dobro do tamanho dos blocos do outro. O resultado é um eco que repete 7 vezes os sons que emitimos. Do calendário, aquele que falhou com o fim do mundo em 2012, ouvimos falar. Talvez não tenha falhado tanto assim. Talvez estejamos realmente num período de transição. Quem viver verá.
Mas, voltando do Cenote Sagrado e olhando a Pirâmide Catedral, veio-me a imagem da montanha de sangue de Shasta.
Tirei as pedras do bolso e as devolvi ao seu lugar de origem, seguindo viagem.
Foi minha oferenda
Mas o altar permaneceu comigo. Naquela noite, ao chegar no hotel e esvaziar os bolsos, eis que me deparo com uma pedra de Chichen Itzá, que resolveu me acompanhar.
A decisão foi dela, não minha.