Coquetel

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Alguns minutos depois, estou com uma seleção de salgadinhos e docinhos, e quase todos os outros presidenciáveis e convidados estão espalhados pelo salão comendo e conversando um pouco. Apenas Haddad e Manuela, que chegaram depois ao coquetel, ainda estão sendo entrevistados perto da entrada.

Procuro Ciro e vejo que está fazendo um social com os candidatos do centrão, portanto me mantenho afastado. Não vou muito com a cara desses velhos, apenas me dou bem com Marina. Ela, por sinal, conversa com seu vice e com sua equipe.

Percebo que Alckmin não está. Ouvi de algum jornalista que ele fugiu da imprensa no começo e no fim do debate, e já foi embora. Não li sobre, mas tenho certeza que isso é por causa de um dos escândalos de rotina do PSDB. Da turma dos 50 tons de Temer, Alckmin é o pior.

Procuro Sônia para me fazer companhia e perguntar sobre isso, mas em uma reviravolta esquisita, vejo ela no meio dos convidados, conversando com Kátia Abreu.

Olho melhor, tentando ver se estão brigando, mas parecem estar conversando normalmente. A cena chega a ser bizarra e definitivamente vou perguntar a Sônia sobre isso depois.

- Estou tão surpreso quanto você.

A voz de Ciro bem atrás de mim me dá um susto dos grandes, e quase dou um pulo. Ele dá uma bela risada e pega um salgadinho do meu prato, jogando para cima e pegando com a boca.

- Vou ignorar que você me assustou de propósito, Ciro. Você sabe o que elas estão falando?

- Não faço ideia. - Ele coloca um braço no meu ombro e beija meu rosto. Involuntariamente olho em volta para ver se ninguém está olhando.

- Onde está sua esposa?

- Foi para casa mais cedo. Ela não gosta muito desse tipo de evento, diz que é para políticos velhos como eu. - Ele se inclina um pouco na direção no meu ouvido - Por hoje, sou todo seu. - Ele sussurra.

No mesmo momento, dou um passo para longe dele.

- Estamos em público, lembra?

- Todos os jornalistas já foram retirados, e esses burgueses presentes aqui estão ocupados demais se esforçando para sair bem nas fotos e esboçar seus melhores sorrisos falsos uns para os outros. Acredite, Guilherme, eu estou no ramo há 38 anos; já estive em tantos eventos como esse que sei exatamente como esse jogo funciona.

Esse jogo. É a segunda vez hoje que ouço essa expressão para descrever o funcionamento política. Pondero sobre isso por um segundo, até ouvir ao longe a risada inconfundível de Sônia.

Olho para trás, e ela está rindo de algo engraçado que Kátia, também sorrindo, disse.

- Será que elas estão se dando bem? - pergunto a Ciro, meio incerto.

- Pode ser. Pode ser politicagem também. A Kátia está tentando se desvincular da imagem negativa que adquiriu nesses anos. É importante para a campanha.

- Não gosto dela.

- Eu acho ela uma mulher muito competente e capacitada. Divergimos em algumas ideias, mas sempre resolvemos nossas diferenças em um diálogo saudável.

- Ela é uma ruralista, Ciro.

Ele ri, e nesse momento percebo que ele comeu mais da metade dos meus salgadinhos.

- Eu e você também temos nossas divergências ideológicas, meu querido Guilherme. Por exemplo, eu acho detestável que você tenha pego tantas bolinhas de queijo. São horríveis.

- O quê? São os melhores salgadinhos!

- Diferenças ideológicas, viu? - Ele diz, com uma expressão séria.

Olho para Ciro por um segundo e então nós dois caímos na gargalhada. Às vezes ele é muito como um tiozão, mas acho seu senso de humor bem atraente.

Comemos um pouco, conversamos bastante sobre os outros candidatos. Até permito que ele coloque o braço em meu ombro de novo.

- Como você se sentiu com o Daciolo te cutucando por ter ido a um hospital particular?

- Ele é um cara indignado, e eu compreendo isso. É fruto da situação política do nosso país, sabe? Não me ofendi, pois ele estava certo. Sei que faço parte de uma minoria ínfima que pode pagar por um plano de saúde.

Aceno em concordância. Admito que ele é um homem muito inteligente e preparado, diferente da maioria dos candidatos do centrão. Foi uma das mil coisas que me deixou tão atraído por ele, afinal.

- Por que você está me olhando assim? - Ciro pergunta, me fazendo perceber que estou o encarando.

- Não é nada. - Respondo, rindo - É só que... Você é realmente um partidão, me perdoe pelo trocadilho ruim; independente do que aconteça, não mude, ok?

- É o que pretendo, meu Guilherme.

"Meu Guilherme"

Normalmente, estamos em um contexto diferente quando ele me chama assim.

E eu provavelmente não deveria estar pensando nisso agora.

- Então, Ciro... - Pigarreio - Você está mesmo bem? Praticamente acabou de passar por uma cirurgia e deveria estar descansando, mas está aqui participando de eventos.

- Ah, eu só estava com a lataria meio amassada. Foi um procedimento simples, nem precisei ficar internado.

- Então você já está... Normal? 'Cê' sabe.

- O que você está insinuando, Guilherme Boulos?

- Sejamos claros, Ciro Gomes: não nos vemos há dias. - Me atrevo a tocar sua mão.

Ele ri mais uma vez.

- Infelizmente, meu caro Guilherme, estou vetado de atividades deste tipo até o fim de semana; ainda tenho uma recuperação pela frente. É uma pena, realmente.

Nós dois olhamos em volta pela enésima vez da noite. São cerca de 21h. Todos estão centrados em suas próprias vidas; Kátia e Sônia deixaram de conversar há algum tempo e se misturaram à multidão; a maior parte da minha equipe já foi embora e se despediu de mim de longe, um pouco receosos pela presença de Ciro.

- Já que você é o grande político experiente, acha que conseguimos nos ausentar discretamente por um tempo?

- Provavelmente. Duvido que tenha alguém nos camarins nesse momento.

Sem mais uma palavra, Ciro vai na frente, e continuo um tempo no salão. Quando percebo que ninguém está me olhando, ando discretamente até a porta que leva ao estúdio principal.

Garoto Promissor (Ciro x Boulos)Onde histórias criam vida. Descubra agora